Não é raro nos depararmos com situações familiares envolvendo a compra e venda de bens entre pais e filhos, quando pais querem beneficiar apenas um dos filhos, desfavorecendo outros ou até mesmo o próprio cônjuge.
 
Com o objetivo de coibir medidas dos ascendentes que possam colocar em risco os direitos sucessórios de seus demais descentes e/ou cônjuge, o Código Civil regulamentou situações para evitar eventuais desequilíbrios.
 
Um dos mecanismos de proteção aos descendentes e ao cônjuge é a previsão legal que dispõe que “é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”.
 
Não obstante o proprietário ser livre para dispor de metade de seus bens da forma que pretender, a lei impõe que nos casos de venda de pais para filhos é exigível a anuência dos demais e de seu cônjuge, justamente para evitar qualquer alegação futura de invalidade do ato.
 
No entanto, é dispensada a autorização do cônjuge se o regime de bens do casamento for o da separação obrigatória. É exatamente aí que vem a crítica da jurisprudência e da doutrina.
 
A discussão jurisprudencial e doutrinária é no sentido de que é incoerente a dispensa de anuência quando o casamento é no regime de separação obrigatória de bens, já que, segundo entendimento sumulado do STF, “no regime de separação legal (obrigatória) de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Nesse sentido, se os bens se comunicam na constância do casamento no regime da separação obrigatória de bens, por que não seria necessária a anuência desse cônjuge em caso de venda dos bens, que, por força da súmula, podem também ser deste cônjuge? De fato, não faz sentido.
 
Outro ponto delicado e que vem sendo bastante discutido pela doutrina e jurisprudência, é a necessidade ou não de anuência para a alienação de bens quando os companheiros vivem em união estável. No entanto, considerando que a união estável recentemente foi equiparada ao regime da comunhão parcial de bens, assegurando a aplicação das mesmas regras tanto para a sucessão como para o casamento, esta discussão deve ser superada, de modo que a exigência da anuência do companheiro para a alienação de bens, será necessária tal como no regime da comunhão parcial de bens.
 
Este assunto é muito polêmico e, nesse sentido, muitas interpretações e decisões podem ser questionadas. Dessa forma, aqueles que se sentirem prejudicados com uma venda concretizada de ascendente para descendente sem a anuência dos outros descendentes e/ou cônjuge, eventualmente pode discutir judicialmente a validade daquele ato.
 
*Ana Lúcia Pereira Tolentino, advogada do Braga & Moreno