Exatamente, por coincidência, ontem em conversa com ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, S.Exª me informou que, do total de processos judiciais em tramitação nas instâncias e tribunais do Brasil, cerca de 66% (sessenta e seis por cento) corresponde a execuções fiscais.
 
Por essa razão, a Lei nº 13.140, de 26/06/2015, que disciplina a mediação, capítulo II, da auto composição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público, seção II, dos conflitos envolvendo a administração pública federal direta, suas autarquias e fundações, no art. 35, estabelece: “as controvérsias jurídicas que envolvam a administração pública federal direta, suas autarquias e fundações poderão ser objeto de transação por adesão…” e, no § 1º, aduz: “os requisitos e as condições da transação por adesão serão definidos em resolução administrativa própria.”
 
Nesse sentido, foi editada a Portaria nº 11.956, de 27/11/2019, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN, que disciplina os procedimentos, requisitos e condições para a realização da transação na cobrança da dívida ativa da União Federal. Os princípios aplicáveis, dentre outros, na transação da dívida ativa da União são: redução de litigiosidade, menor onerosidade dos instrumentos de cobrança, atendimento ao interesse público, tendo por objetivos: viabilizar a superação da situação transitória de crise econômico-financeira do sujeito passivo, assegurar a cobrança dos créditos de forma mais equilibrada entre os interesses da União e os contribuintes, viabilizar a cobrança de forma menos gravosa, e permitir aos contribuintes em dificuldades financeiras nova chance para o cumprimento voluntário das obrigações tributárias (artigos, 1º, 2º e 3º).
 
Assim, o art. 7º, inciso III, a Portaria, prevê: “Art. 7º. As modalidades de transação previstas nesta Portaria poderão envolver, a exclusivo critério da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as seguintes exigências:
 
III – apresentação de garantias reais ou fidejussórias, inclusive alienação fiduciária sobre bens móveis ou imóveis e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, títulos de crédito, direitos creditórios ou recebíveis, observado o disposto no art. 66-B da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965.”
 
No capítulo VI, da referida Portaria, o seu artigo 57 dispõe:
 
“Art. 57. O devedor poderá utilizar precatórios federais próprios ou de terceiros para amortizar ou liquidar saldo devedor transacionado, observado o disposto neste capítulo.”
Em seguida, o art.58 complementa:
 
“Art. 58. Para utilização de precatório federal próprio ou de terceiro o devedor deverá:
 
II – ceder fiduciariamente o direito creditório à União, representada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, através de escritura pública lavrada no Registro de Títulos e Documentos;”
 
Daí se verifica que as garantias fornecidas pelo contribuinte poderão envolver: a) alienação fiduciária sobre bens móveis ou imóveis; b) a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, títulos de crédito, direitos creditórios ou recebíveis futuros.  A cessão fiduciária dos precatórios federais próprios ou de terceiros incluem-se na espécie de direitos creditórios.
 
O art. 66-B, da Lei nº 4.728/65, é claro:
 
“Art. 66-B: O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como garantias de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos.
3º. É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis……
4º. No tocante à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou sobre títulos de crédito aplica-se também o disposto nos artigos 18 a 20 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997.”
Por sua vez, a Lei nº 9.514, de 20/11/1997, em seu artigo 18, estabelece:
 
“Art. 18. O contrato de cessão fiduciária em garantia opera a transferência ao crédito da titularidade dos créditos cedidos, até a liquidação da dívida garantida, e conterá….”
 
E como lei geral que é, o Código Civil, Lei nº 10.406/2002, no artigo 1.361, dispõe:
 
“Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.
1º. Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento Público ou Particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor….”
Portanto, da leitura da Portaria PGFN nº 11.956, de 27/11/2019, em conjunto com os dispositivos legais acima transcritos, podemos concluir:
 
– o contribuinte pode transacionar suas dívidas fiscais da União, por provocação da União ou do contribuinte, ficando ao critério da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional exigir a prestação de garantias do devedor, utilizando-se o instituto da alienação fiduciária sobre bens móveis ou imóveis e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, títulos de crédito, direitos creditórios ou recebíveis futuros (art. 7º, III) ou a cessão fiduciária de precatórios federais próprios do devedor ou de terceiros, que se inserem na espécie de direitos creditórios (art. 58, II).
 
– em ambas as hipóteses a formalização da alienação fiduciária ou da cessão fiduciária pode ser por instrumento público ou particular, sendo que, no art. 58, II, a Procuradoria-Geral optou pelo instrumento público lavrado em notas de tabelião.
 
– há uma pequena imperfeição técnica na redação do inciso II, do art. 58, da referida Portaria: em vez de: “através de Escritura Pública lavrada no Registro de Títulos e Documentos”, deveria ser: “através de Escritura Pública registrada no Registro de Títulos e Documentos”, ou para ser mais exata: “através de Escritura Pública lavrada em notas do Tabelião e registrada no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor.”
 
– o intérprete literal poderá alegar que, enquanto a alienação fiduciária de coisa móvel infungível só é constituída pelo registro no Registro de Títulos e Documentos (art. 1.361, § 1º, do Código Civil), o contrato de cessão fiduciária em garantia opera a transferência ao credor da titularidade dos créditos cedidos (art. 18, da Lei n. 9.514/97), então, nessa perspectiva, a cessão fiduciária se constituiria pelo contrato e não pelo registro. O especialista do assunto Melhim Namem Chalhub esclarece: “Por essa modalidade de contrato, o devedor se obriga a transferir a titularidade fiduciária dos direitos ou dos créditos ao credor. A forma de constituição dessa garantia é o contrato de cessão e seu modo de constituição é o registro desse contrato em Registro de Títulos e Documentos situado no domicílio do devedor” (apud “Negócio Fiduciário”, ed. Renovar, 3ª edição, 2006, pág. 388).
 
– ainda, em reforço, não podemos olvidar que, na forma do art. 129, 9º, da Lei nº 6.015/73 – Lei de Registros Públicos, verbis:
 
“Art. 129. Estão sujeitos a registro no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros:
 
9º) os instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento.”
 
Esses são os esclarecimentos que acredito necessários para a compreensão dos objetivos e a  extensão da Portaria da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
 
Rio de Janeiro, 29 de novembro de 2019.
 
Durval Hale
Presidente do Instituto de Registradores de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas do Estado do Rio de Janeiro (IRTDPJ/RJ)