Embora seja um assunto evitado pela grande maioria das pessoas, fenômenos como a atual pandemia que enfrentamos levam aqueles que possuem patrimônio a reflexões, possivelmente, há muito adiadas, sobre questões como a inexorabilidade da morte e o destino dos bens amealhados em vida
 
Estamos diante de uma realidade nunca enfrentada pelos atuais habitantes do planeta, independentemente de sua origem ou faixa etária. Os impactos da doença provocada pelo coronavírus, a covid-19, atingiram a sociedade como um todo, impondo severa retração à economia, principalmente pela cominação de isolamento social, única forma hoje conhecida para evitar-se a propagação do vírus mortal, ainda sem cura ou vacina.
 
Ademais, considerando-se os números de perecimento de vidas até agora, a previsão é de um cenário ainda mais preocupante. Até o dia 03 de maio de 2020, contabilizaram-se 7.025 mortes no Brasil, por um vírus identificado em janeiro de 2020 e caracterizado como pandemia em 11 de março de 2020, que já levou ao óbito quase 240 mil pessoas em todo mundo1. Ou seja, a ameaça é grave e possui consequências avassaladoras.
 
Embora seja um assunto evitado pela grande maioria das pessoas, fenômenos como a atual pandemia que enfrentamos levam aqueles que possuem patrimônio a reflexões, possivelmente, há muito adiadas, sobre questões como a inexorabilidade da morte e o destino dos bens amealhados em vida.
 
No Brasil, a exemplo de alguns países no mundo, a herança é direito fundamental àqueles que possuem a condição de herdeiro necessário (ascendentes, descendentes e cônjuge/companheiro), e têm garantidos seus direitos sobre 50% do patrimônio total do falecido, o que se denomina legítima2. É sabido, também, que o autor da herança pode, respeitando a legítima, dispor de seu patrimônio por meio disposições de sua última vontade, com caráter patrimonial ou, ainda, extrapatrimonial, que passarão a viger a partir de sua morte e do registro do testamento pelo judiciário.
 
O testamento, em breve conceituação, é um instrumento utilizado no planejamento sucessório que, quando realizado em respeito aos requisitos legais, garante ao autor elevada segurança na efetivação de seu intento no que pertine à destinação de seus bens para após seu passamento. Tal medida evita, na grande maioria dos casos, e com alto índice de sucesso, litígios posteriores e discussões sobre a divisão do patrimônio entre os herdeiros.
 
A Associação dos Notários e Registradores do Paraná (Anoreg/PR) registrou que a pandemia do novo coronavírus repercutiu no movimento dos tabelionatos do Estado. Segundo a associação, a procura pela escrituração de testamentos aumentou 70%, comparando-se ao mesmo período no ano anterior, e a busca pelo serviço se dá, em grande maioria, por parte dos idosos que querem garantir a transmissão de certos bens e direitos para determinados herdeiros, na busca de tranquilizarem-se acerca da destinação de seu patrimônio para depois da morte3.
 
A herança se transmite com a abertura da sucessão, se dá com o evento morte, no entanto, a individualização, bem como a regularização da propriedade sobre os bens herdados, depende do procedimento do inventário, que está disciplinado no CPC, e está diretamente condicionado à verificação de incidência e recolhimento de imposto estadual denominado ITCMD – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação.
 
Atualmente, na maioria dos estados brasileiros, a alíquota do supra referido imposto varia de 02 a 08% sobre o patrimônio transmitido, e tanto o início do procedimento de inventário, quanto o recolhimento do ITCMD, possuem prazo para efetivação, sob pena de incidência de multa ao espólio. Em alguns Estados, como o Rio Grande do Sul, embora prevista a penalidade em sua legislação na hipótese de desrespeito aos prazos, a multa ainda não é exigida.
 
Muito embora o testamento e o inventário tratem da partilha de bens após a morte, existem diversos instrumentos que auxiliam na destinação do patrimônio aos futuros herdeiros, ainda em vida do proprietário dos bens, como, por exemplo, a doação.
 
A efetivação da doação como instrumento de planejamento sucessório possui inúmeras vantagens, tais como a possibilidade de organização prévia para transferência patrimonial e previsão antecipada de despesas com os impostos e emolumentos decorrentes. Sinale-se que o imposto a incidir sobre as doações é também o ITCMD, com a diferença de que a alíquota, de modo geral, é inferior ao aplicado à causa mortis.
 
Outra vantagem é a possibilidade de estabelecer-se a efetivação de usufruto, por parte do doador, mantendo o doador com as faculdades exclusivas de uso e gozo sobre o bem, o que viabiliza a manutenção da percepção da locação, no caso de um bem imóvel, por exemplo.
 
Os detalhes do instituto da doação, bem como das questões testamentárias, obviamente, não se esgotam nestas linhas, no entanto, tais reflexões se mostram oportunas na medida em que tramitam vários projetos de lei junto às Assembleias Legislativas dos Estados e Congresso Nacional com a finalidade de elevar a tributação na transmissão patrimonial em decorrência do falecimento do seu proprietário ou de doação.
 
Dentre os referidos projetos, tem-se o Projeto de Resolução 57/194, que aumenta a possibilidade de estabelecimento da alíquota máxima do ITCMD de 8% para 16%, cuja equalização se dá pelo estado da federação responsável pelo recolhimento do imposto.
 
Outro projeto de lei em tramite no Congresso Nacional é o tombado sob 5.205/165 que propõe que os valores dos bens e direitos adquiridos pela pessoa física em função de herança ou doação, atualmente tributados unicamente pelo ITCMD, estejam também sujeitos à incidência do imposto sobre a renda (IR), restando claro que a proposta busca alterar a atual regra de isenção, alvo, também, de outro projeto, tombado sob o 6.094/136, que prevê a alíquotas progressivas, que podem chegar a 25%.
 
Ainda em referência às possíveis alterações legislativas, no Estado do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo, tramitam projeto de lei para majorar a alíquota máxima de incidência do ITCMD e igualar as alíquotas de transmissão causa mortis e doação7.
 
Diante do agravamento da crise econômica que se avizinha, ocasionada pela pandemia de doença ainda incurável, é previsível que as entidades governamentais busquem alternativas para elevar a arrecadação diante do incremento dos custos decorrentes das medidas de combate à covid-19.
 
A discussão acerca da tributação sobre transmissões de heranças no Brasil vem se intensificando na última década, mormente pelo fato de a alíquota máxima de imposto sobre herança ou doações ser muito inferior ao praticado em países como Japão, Estados Unidos e França, por exemplo, onde a incidência pode chegar a uma alíquota de até 60%8.
 
Por medida de cautela, quem possui patrimônio e deseja realizar a partilha em vida ou mesmo registrar disposições de última vontade acerca do patrimônio, deve atentar ao contexto atual e verificar a viabilidade de dar encaminhamento a tais questões o quanto antes seja possível, seja pelas vantagens tributárias ainda aproveitáveis, seja para conferir proteção patrimonial ao núcleo familiar envolvido e prevenir litígios.
 
*Cecília Barros é advogada de Direito de Família e Sucessões na Garrastazu Advogados, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)  e da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB/RS.