O processo de criação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) no Brasil decorreu da conscientização gradativa da importância dos dados pessoais, que hoje, em tempos de Covid-19, passaram a ser o grande “pote de ouro”.
 
Isso porque, mais do que nunca, considerando os reflexos gerados pela pandemia, como por exemplo o home office e as inúmeras reuniões virtuais realizadas em diversas plataformas para fins educacionais e acadêmicos, de trabalho ou até mesmo de lazer, os dados pessoais estão muito mais expostos, aumentando, portanto, em nível exponencial as chances de vazamento de informações e até mesmo disponibilização em plataformas ilícitas.
 
Daí a importância da implantação da LGPD para garantirmos a segurança da informação.
 
Contudo, com a publicação da MP nº 959, no dia 29 de abril, prorrogando a vacatio legis da Lei 13.709/18, a entrada em vigor da LGPD foi postergada para maio de 2021.
 
Esse movimento possivelmente decorreu da propositura do PL 1.179/20, que, entre outros pontos, dispunha sobre a possibilidade de postergar a entrada em vigor da LGPD, anteriormente prevista para agosto deste ano, sob a justificativa de não onerar economicamente as empresas nessa fase de pandemia.
 
Em tempos de crise, é evidente que a preocupação com custos é legítima, mas não significa que o adiamento da entrada em vigor da LGPD, tal como determinado na MP nº 959, é necessariamente a melhor solução, até porque a lei simplifica o uso compartilhado de dados e, por isso, sob uma perspectiva mais ampla, minimiza custos, já que facilita a interpretação e aplicação da norma.
 
Além disso, esses “custos”, se aplicados corretamente no tratamento dos dados, podem trazer certa vantagem de mercado às empresas que adotarem as medidas previstas na lei, tornando-as mais competitivas em um futuro próximo, o que, em tempos de crise, será um diferencial.
 
Ou seja, a entrada em vigor da LGPG poderia potencializar mais os benefícios do que os aludidos “custos”. Assim, o adiamento determinado na MP pode não trazer qualquer vantagem seja às empresas, seja aos consumidores.
 
O professor Nicolo Zingales, da FGV Direito Rio, cita um bom exemplo das consequências e desvantagens do adiamento da LGPD, como a opção do Governo Federal pelo não monitoramento da quarentena, por questões de privacidade e proteção de dados, com dados de geolocalização de forma agregada por provedores de serviços de telecomunicações, o que seria possível com a LGPD, respeitando-se alguns princípios básicos da lei, como, por exemplo, o da anonimização, representando, portanto, o artigo 4º da MP nº 959 um grande retrocesso, inclusive para o mapeamento de dados da pandemia.
 
Outro bom exemplo do retrocesso trazido com a publicação da MP que acabou por determinar o adiamento da entrada em vigor da lei por 2 anos é a possível perda de oportunidades do Brasil no que tange às transações envolvendo dados pessoais de nível internacional, que hoje são realizadas com contratos e códigos de condutas por empresas que garantem a segurança desses dados e que, com a entrada em vigor da lei, teriam a regulação e segurança necessárias para o processo.
 
Contudo, mesmo com o adiamento, e principalmente em tempos de pandemia, na medida do possível, a ideia é que as empresas iniciem a conformidade do tratamento de dados o quanto antes, até porque sua aplicação/implementação demanda tempo, implantação de sistemas, adaptação ao novo cenário econômico e um acompanhamento jurídico de qualidade.
 
A questão que fica é: apesar da postergação formal possibilitada pela MP nº 959, se a LGPD traria segurança jurídica, clareza e até mesmo oportunidade de negócios, vale mesmo a pena esperar?