João Pedro e Danielle assinaram documento declarando união estável em dezembro de 2019. Três meses antes, em setembro, José Rafael e Clara tiveram a grande emoção de receber o mais novo representante da família, seu primeiro filho. Marialice e Gabriel Luís estão apaixonados, mas cada um mora no seu bairro. Edinho e Luana estão casados há mais de 30 anos e trabalham firme, ele nas duas startups que fundou e ela aplicando terapias alternativas.
O que esses quatro casais têm em comum? As crises que estão passando em 2020 devido à doença do coronavírus (Covid-19), doença infecciosa que faz as pessoas adoecerem apresentando inicialmente sintomas leves a moderados, transmitida principalmente por meio de gotículas de algum infectado que tosse, espirra ou exala, mas que tem levado a óbito aproximadamente seis pessoas de cada cem contaminadas (junho/2020).
O vírus, além de estar impactando a política e a economia mundiais, trouxe os mais diferentes desafios nas relações familiares e pessoais devido às determinações de isolamento social. Exemplo disso foi o registro de crescimento de 82% da pergunta “como dar entrada em um divórcio?” (dados do Google Brasil de abril), também o número recorde de pedidos de divórcio em uma das cidades da China e, mais recentemente, a suspensão de casamentos e divórcios determinada pelo Ministério da Justiça da Rússia.
Ademais, devido ao aumento das mortes em todo o mundo, especialmente entre pessoas com mais idade, incluindo chefes de família e fundadores de empresas, as consultas referentes às questões relativas a herança, partilha e sucessão de bens aumentaram expressivamente nos escritórios de advocacia.
Ora, se os tribunais brasileiros já estão abarrotados de processos (79 milhões), quem vai solucionar as possíveis crises desse momento, quando os acontecimentos podem ser tratados como casos fortuitos ou de força maior devido à determinação de quarentena para todos? Como o Judiciário decidirá sobre quem tem ou não razão se houver desentendimento entre casais, entre sócios ou herdeiros, ou qualquer quebra de contrato?
Primeiramente, vale esclarecer, nos casos fortuitos ou de força maior há a possibilidade de descumprimento das obrigações devido à ocorrência de algo inevitável, previsível ou não, como o caso da pandemia da Covid-19, por isso vivemos tempos de grande insegurança econômica e jurídica e, para momentos assim, de excepcionalidade, melhor usar de precaução consultando bons advogados que auxiliem na resolução do conflito porventura existente, tanto entendendo das leis vigentes, quanto atuando com métodos de autocomposição, a fim de ser possível às partes a realização de negociação ganha-ganha e das soluções melhores para todos os envolvidos.
Ademais, existem diversas medidas anticonflitivas que podem ser realizadas em cartório, e até mesmo particularmente, para aqueles quatro casais e para tantos outros poderem evitar usar os serviços lentos e caros da Justiça brasileira. Doações, testamentos, contratos de namoro, divórcios via escritura pública e inventários extrajudiciais também, assim como partilha de bens fora do Judiciário, negociação de dívidas tributárias de empresas com uso de precatórios judiciais ou de dívidas com outros credores por intermédio de recuperação extrajudicial, e muito mais, são algumas das possibilidades.
Se um ente familiar faleceu e deixou bens, para que esses bens (imóveis, investimentos, empresas etc) sejam transmitidos aos seus sucessores, eles devem ser organizados e divididos. Isso já pode ser feito fora do Poder Judiciário (inventário extrajudicial), o que acarreta agilidade e barateamento de custos. Foi a Lei 11.441/07 que desburocratizou o procedimento de inventário, e também possibilitou efetuar divórcios e partilhas de bens nos cartórios, por meio de escritura pública, de forma rápida, simples e segura, mas exigindo a participação de ao menos um advogado para assistência das partes.
Para as possíveis desavenças daqueles quatro casais que já completaram três meses de reclusão devido à pandemia, vale a busca por profissionais do Direito, mas também especialistas em conciliação e mediação, técnicas amplamente adotadas para solucionar as questões controvertidas, muito praticadas em países de primeiro mundo e estimuladas pelo Conselho Nacional de Justiça que normatizou audiências virtuais pela Plataforma Emergencial de Videoconferência (Portaria nº 61/2020 do CNJ) e que recentemente anunciou nova plataforma para realização de sessões de conciliação e mediação, totalmente online, especialmente para resolver os conflitos desse tempo de Covid-19.
Mesmo nesse período de proibição de ações presenciais, é possível buscar a melhor solução para os conflitos de maneira virtual, por intermédio de videoconferência, até mesmo iniciar pedidos online de divórcio, de divisão de bens, de acerto de dívidas, ou simplesmente buscar informação sobre o que é legal, e o que não está de acordo com a legislação ou conforme os julgamentos jurisprudenciais, lembrando que essas são atividades técnicas e devem ser exercidas por profissionais do Direito, imparciais, sem poder de decisão, experientes na facilitação das soluções consensuais de conflitos.
Luciana G. Gouvêa é advogada, diretora-executiva do escritório Gouvêa Advogados Associados (GAA), pós-graduada em Neurociências Aplicadas à Aprendizagem (UFRJ) e em Finanças com Ênfase em Gestão de Investimentos (FGV) e especialista em Mediação e Conciliação de Conflitos e Proteção Patrimonial legal.