Para uma decisão mais adequada, é importante analisar o valor do patrimônio e os bens objeto desta cessão de direitos hereditários
 
O marido falecido, que era casado no regime universal de bens, deixou a viúva e mãe ainda viva e não teve filhos. Sabemos que, no caso, a mãe concorre com os 50% de todos os bens. A mãe e os irmãos do falecido aceitam renunciar aos bens a que têm direito. Isso é possível? Quais providências têm que ser tomadas?
 
Gabriela Birk, CFP, responde:
 
Um planejamento financeiro completo deve contemplar, além da situação patrimonial da pessoa, suas relações familiares e sucessórias. O instituto do casamento ou da união é complexo e dele decorrem diversos direitos e deveres aos cônjuges. Geralmente essa complexidade só é percebida diante de uma dissolução da união, divórcio ou da falta de uma das pessoas.
 
O casamento se materializa no momento em que duas pessoas manifestam sua vontade, perante um juiz, em estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados. Dessa relação decorrem efeitos jurídicos pessoais e patrimoniais – estes, de acordo com o regime de bens contraído na celebração do casamento, influenciarão a propriedade e destino dos bens dos cônjuges.
 
O Código Civil traz quatro regimes de bens no casamento: comunhão parcial, comunhão universal, separação – que pode ser a convencional (quando escolhida livremente entre os cônjuges, que podem optar pela separação parcial ou total) ou obrigatória (quando a legislação assim o determine) – e participação final nos aquestos.
 
Na união estável, união caracterizada pela convivência pública, contínua entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituir família (art. 1.570 do Código Civil), os companheiros firmam contrato por escrito para regular as relações patrimoniais entre si e, na ausência de tal contrato, aplicam-se, no que couber, as disposições do regime de comunhão parcial de bens.
 
Uma vez acima elucidados os diferentes regimes de bens, vamos ao caso da leitora, no qual o regime de casamento é o de comunhão universal de bens. Neste regime, todos os bens adquiridos, sejam eles anteriores ou aqueles conquistados durante o casamento, são comuns a ambos, inclusive as dívidas (passivos). As exceções de comunicabilidade de bens estão dispostas no artigo 1.668 do Código Civil (a exemplo, dívidas contraídas anteriormente ao casamento – salvo se reverterem em proveito comum do casal ou forem dívidas do próprio casamento; bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados (substituídos) em seu lugar; os bens de uso pessoal, os livros e os instrumentos de profissão, estes últimos com as mesmas ressalvas de comunhão parcial).
 
No caso de sucessão por morte, há a chamada meação, isto é, a divisão por igual dos bens comuns do casal. Assim, resguardados os bens particulares (aqueles que entram na regra da exceção de comunicabilidade), o cônjuge sobrevivente tem 50% da propriedade comum do casal, não por herança, mas sim por meação. Em outras palavras, a viúva é dona de 50% do patrimônio, mas não é herdeira do cônjuge falecido, em virtude do regime de bens adotado.
 
O segundo ponto a observar é a linha sucessória – ordem de vocação hereditária: descendentes e ascendentes. No caso da leitora, como o casal não teve filhos (descendentes), a herança é destinada aos pais do falecido (ascendentes), como a mãe do falecido é viúva, os 50% do patrimônio comum do casal cabem unicamente ela. Caso não houvessem descendentes e tampouco ascendentes, a herança seria destinada aos “colaterais” até o 4º grau: primeiramente os irmãos (com regras diferentes para bilaterais e unilaterais), na falta destes os sobrinhos e, não havendo sobrinhos, os tios (sobrinhos e tios são 3º grau). Na falta de irmãos, sobrinhos ou tios, herdam os primos, sobrinhos-netos e tios-avós (4º grau). No caso de não haver as figuras acima sucessíveis ou tendo estas renunciadas à herança, está se devolve ao município ou ao Distrito Federal.
 
No caso em questão, como a mãe do cônjuge falecido aceita renunciar aos bens à que tem direito, é possível fazer uma cessão de direitos hereditários – contrato jurídico no qual os herdeiros cedem seus direitos de patrimônio provenientes da sucessão. Este contrato deverá ser feito via escritura pública, seja mediante doação ou a título oneroso. Desta forma, a mãe do falecido (renunciante) é excluída da relação de herdeiros. Nesta cessão de direitos, caso seja via doação, incidirá o Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação (ITCMD) e, caso a cessão seja a título oneroso (que pode ser comparada à compra e venda) e se tratar de imóvel, passará a incidir o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Intervivos (ITBI).
 
Para uma decisão mais adequada, é importante analisar o valor do patrimônio e os bens objeto desta cessão de direitos hereditários, visto que o ITCMD é um imposto estadual e o ITBI, municipal. Um planejador financeiro poderá auxiliá-la neste processo.
 
Gabriella Birk Hansen é planejadora financeira pessoal e possui a certificação CFP (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros.]