O exercício da competência tributária outorgada a um Ente Político de maneira privativa, com o objetivo de assegurar-lhe autonomia político-administrativa, não pode achar-se ao bel prazer do legislador ordinário
 
O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal iniciou no dia 23/10/20 o julgamento do Recurso Extraordinário 851.108, que tem como tema a constitucionalidade de leis estaduais que estabelecem a incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD/ITCMD) de bens  provenientes  do  exterior. O ministro Dias Toffoli, Relator do recurso, e o ministro Edson Fachin, votaram a favor dos contribuintes, ao definir que os Estados não podem cobrar o imposto. O ministro Alexandre de Morais pediu vista dos autos e o julgamento foi suspenso em 24/10/20. Os demais ministros ainda não votaram.
 
Na Constituição da República de 1988, o imposto sobre a transmissão causa mortis e doação foi introduzido na competência impositiva estadual. Perceba o que dispõe o artigo 155, Inciso I, da CR/88:
 

“Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
 
I – transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos;”
 

Muito embora o artigo 146 da Constituição Federal reclame a fixação antecipada do fato gerador de impostos enumerados na Carta Magna por lei complementar, a doutrina e a jurisprudência firmaram entendimento no sentido da recepção do artigo 35 do Código Tributário Nacional, cujo campo de incidência descrito é menor do que o adotado pelo texto Constitucional vigente.
 
O exercício da competência tributária outorgada a um Ente Político de maneira privativa, com o objetivo de assegurar-lhe autonomia político-administrativa, não  pode achar-se ao bel prazer do legislador ordinário.
 
Cumpre ressaltar que, na ausência de normas gerais editadas pela União, o Estado pode exercer a competência legislativa plena para atender a suas peculiaridades.
 
Todavia, por manifesta disposição do texto constitucional, nas circunstâncias abrangidas no § 1º, do artigo 155, da Constituição da República de 1988, o Estado somente pode criar o imposto de conformidade com a regulamentação feita por lei complementar. Veja:
 
Art. 155 (…)
 

“§ 1º. O imposto previsto no inciso I:
 
.
 
III – terá a competência para sua instituição regulada por lei complementar:
 
a)    Se o doador tiver domicílio no exterior;
 
b)    Se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.”

 
A inteligência dessa reserva constitucional encontra-se na necessidade de preservar o Princípio Federativo de Autonomia e Independência dos Estados membros, bem como a harmonia entre eles.
 
Por esta razão, não se empregam nesses casos as disposições dos §§ 3º e 4º do artigo 24 da Constituição Federal de 1988, circunstância que poderia conduzir a conflitos de competência tributária, resultando em bitributação, constitucionalmente proibida.
 
Não existe, no momento, lei complementar a respeito, pelo que o Fisco de alguns Estados da Federação, como por exemplo, o de São Paulo, não pode exigir o ITCD/ITCMD sobre os bens advindos do exterior, seja na espécie causa mortis, seja na categoria de doação.
 
Compete à lei complementar fixar o sujeito ativo do imposto em se tratando de bens oriundos do exterior, para dirimir conflitos de competência impositiva entre os Estados da Federação, o que não existe no momento, e que, portanto, impossibilita a cobrança do imposto pelas Fazendas Públicas Estaduais.
 
Diante do exposto, infere-se pela total impossibilidade da exigência pelos Fiscos Estaduais, do ITCD/ITCMD que recaia sobre bens procedentes do estrangeiro, independentemente da modalidade (herança ou doação), defronte a inexistência de lei complementar específica.