Assim que o julgamento foi iniciado, o ministro pediu vista. Entenda toda a controversa jurídica que envolve a questão
 
Nesta sexta-feira, 26, o STF começou a analisar, em plenário virtual, uma controversa questão jurídica: a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros. Tão logo o julgamento foi iniciado, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista, adiando a discussão.
 
Antes do pedido de Moraes, o relator Marco Aurélio votou pela improcedência do pedido. S. Exa. considerou que a aquisição indiscriminada de imóveis rurais por estrangeiros pode acarretar violação da independência do país.
 
O que diz a lei
 
Desde a década de 70, a aquisição de terras por estrangeiros no Brasil é regulada pela lei 5.709/71, que impede a compra ou o arrendamento de terras com mais que 50 módulos fiscais por estrangeiros. O limite, por município, equivale a 25% de seu território sob controle de cidadãos ou empresas de outras nacionalidades. Uma mesma nacionalidade estrangeira não pode deter mais do que 10% da área de um determinado município.
 
Assim, a lei em questão prevê diversas restrições à compra de terras nacionais, tanto públicas quanto privadas por estrangeiros, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas.
 
O que está em discussão no STF
 
Em 2015, a SRB – Sociedade Rural Brasileira ajuizou no STF a ADPF 342, com o objetivo de que se reconheça a incompatibilidade de dispositivos da lei 5.709/71 com a Constituição Federal. A entidade alega que a norma viola os preceitos fundamentais da livre iniciativa, do desenvolvimento nacional, da igualdade, de propriedade e de livre associação.
 
A SRB, que conta com associados nos Estados de SP, MG, MS, MT, GO, RO, RJ, PR, PI e DF, afirma que o parágrafo 1º do artigo 1º da lei 5.709/71 não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Sustenta que, ao limitar as aquisições de terras por empresas nacionais com capital estrangeiro, a lei dificulta o financiamento da atividade agropecuária e diminui a liquidez dos ativos imobiliários, com perda para as empresas agrárias.
 
Outro ponto alegado é o tratamento diferenciado restritivo a essas empresas, quando a Constituição “somente legitima a discriminação positiva” – como a criação de regime benéfico a empresas brasileiras de capital nacional por meio de tratamento mais favorável.
 
Segundo a representante dos ruralistas, não há no ordenamento jurídico constitucional nenhuma diferenciação entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional ou estrangeiro, e que o artigo 190 somente se refere à aquisição e arrendamento de propriedade rural por empresas estrangeiras, e não por empresas brasileiras cujo capital não seja exclusivamente nacional. O artigo 171, que fazia tal distinção, foi revogado pela EC 6/95.
 
Julgamento conjunto
 
Em 2016, o relator Marco Aurélio determinou que a ACO 2.463 fosse apensada à ADPF 342, para julgamento conjunto. Os ministros decidirão se lei em questão é, ou não, constitucional.
 
Na ACO 2.463, também em 2016, o ministro Marco Aurélio concedeu liminar para suspender os efeitos de parecer da Corregedoria-Geral da Justiça de SP, no qual se dispensou os tabeliães e oficiais de registro do Estado de observarem o art. 1º, § 1º, da lei 5.709/71.
 
Em análise do caso, o ministro observou que, como a lei não foi declarada inconstitucional pelo STF em processo objetivo, “milita em favor do dispositivo a presunção de constitucionalidade das leis regularmente aprovadas pelo Poder Legislativo”.
 
O que diz a PGR
 
A Procuradoria-Geral da República, em parecer enviado ao STF, opinou pelo não conhecimento da ADPF e, sucessivamente, pela improcedência do pedido.
 
Segundo a PGR, a associação não possui legitimidade para propor ações de controle concentrado de constitucionalidade.
 

“Não pode ser objeto de arguição de descumprimento de preceito fundamental parecer jurídico que, embora dotado de efeitos vinculantes sobre a administração pública federal, se limite a interpretar dispositivo de norma infraconstitucional, devido a sua natureza de ato secundário.”
 

A PGR defendeu, ainda, que é constitucional norma legal que imponha requisitos para aquisição de imóvel rural por pessoas físicas ou jurídicas brasileiras das quais participem pessoas estrangeiras com maioria de capital e residência ou sede no exterior, porquanto visa tutelar a soberania do país, a defesa e a integridade do território nacional.
 
Tramitação no Congresso
 
Em dezembro de 2020, o Senado aprovou o PL 2.963/19, que facilita a compra, a posse e o arrendamento de propriedades rurais no Brasil por pessoas físicas ou empresas estrangeiras. O texto, do senador Irajá (PSD-TO), teve parecer favorável do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), com emendas, e agora aguarda a votação na Câmara dos Deputados.
 
Segundo o texto, os imóveis rurais adquiridos por sociedade estrangeira no Brasil também deverão obedecer aos princípios da função social da propriedade previstos na Constituição, como o aproveitamento racional e a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente.
 
“A questão da recepção, no todo ou em parte, da Lei 5.709, pela nova ordem constitucional foi objeto de diferentes interpretações jurídicas ao longo do tempo, o que trouxe muita insegurança jurídica para o setor produtivo, afugentando o investimento estrangeiro e a implantação de importantes projetos para o desenvolvimento de nossa agropecuária e agroindústria”, considera Pacheco.
 
Além disso, ele explica que, no que se refere a empresas brasileiras controladas direta ou indiretamente por estrangeiros, o projeto adequa a legislação à EC 6/95, que revogou o art. 171 da Constituição, acabando com a distinção entre empresa nacional e empresa nacional de capital nacional. “Assim, busca-se promover o tratamento igualitário entre as empresas brasileiras e dos capitais produtivos do país, independentemente de sua origem”, destaca o relator no parecer.
 

  • Limites

 
De acordo com o projeto, estarão sujeitas a aprovação do CDN – Conselho de Defesa Nacional a aquisição de imóveis rurais ou de qualquer modalidade de posse quando as pessoas jurídicas forem organizações não governamentais, fundos soberanos, fundações e outras pessoas jurídicas com sede no exterior.
 
Também terão de passar pelo conselho pessoas jurídicas brasileiras constituídas ou controladas direta ou indiretamente por pessoas, físicas ou jurídicas, estrangeiras, quando o imóvel rural se situar no Bioma Amazônia e sujeitar-se a reserva legal igual ou superior a 80%.
 
As aquisições por estrangeiros de imóveis situados em área indispensável à segurança nacional também deverão obter o consentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional.
 
Ficam vedados a estrangeiros: qualquer modalidade de posse por tempo indeterminado, arrendamento ou subarrendamento parcial ou total por tempo indeterminado e habilitação à concessão de florestas públicas destinadas à produção sustentável. Essa concessão, no entanto, é permitida para pessoa jurídica brasileira constituída ou controlada direta ou indiretamente por pessoa física ou jurídica estrangeira.
 
Essas vedações não se aplicam quando a aquisição de imóvel rural se destinar à execução ou exploração de concessão, permissão ou autorização de serviço público, inclusive das atividades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica ou de concessão ou autorização de bem público da União.
 

  • Regras

 
O projeto dispensa autorização ou licença para aquisição e posse por estrangeiros, quando se tratar de imóveis rurais com áreas não superiores a 15 módulos fiscais. A soma das áreas rurais pertencentes e arrendadas a pessoas estrangeiras não poderá, no entanto, ultrapassar um quarto da superfície dos municípios onde se situarem.
 
O texto atribui competência ao Congresso Nacional para autorizar, mediante decreto legislativo, a aquisição de imóvel por pessoas estrangeiras, além dos limites fixados em lei, quando se tratar da implantação de projetos julgados prioritários, em face dos planos de desenvolvimento do país, mediante manifestação prévia do Poder Executivo.
 

  • Cadastro

 
Os estrangeiros deverão obrigatoriamente lavrar escritura pública para aquisição do imóvel e os cartórios de registro de imóveis deverão manter registro especial, em livro auxiliar, das aquisições de imóveis rurais pelas pessoas físicas e jurídicas estrangeiras.
 
O relator apresentou emenda para que a identificação do adquirente do imóvel seja acompanhada, no caso de pessoa jurídica, de informações relativas à estrutura empresarial no Brasil e no exterior, declaradas sob pena de falsidade ideológica, conforme previsto no Código Penal.
 
O projeto altera a lei 5.868/72, que cria o SNCR – Sistema Nacional de Cadastro Rural, para estabelecer que os cadastros serão informatizados e, ressalvadas as informações protegidas por sigilo fiscal, serão publicados na internet, garantida a emissão gratuita de certidões das suas informações com autenticação digital.
 
O SNCR terá sua base de dados atualizada com as informações prestadas pelos contribuintes no DIAC – Documento de Informação e Atualização Cadastral, a que se refere a lei 9.393/96, que dispõe sobre o ITR – Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural e sobre pagamento da dívida representada por títulos da dívida agrária.
 
O texto também altera essa lei para rever a obrigatoriedade da prestação de informações cadastrais quanto aos imóveis rurais adquiridos ou utilizados por pessoas jurídicas estrangeiras.
 
Segundo o projeto, um regulamento próprio deverá unificar o SNCR, criado pela lei 5.868/72, e o previsto na lei 9.393/96. A informatização e a gestão desse cadastro unificado deverão ter também uma base única, integrada com a base de dados das juntas comerciais e demais órgãos que disponham de informações sobre a aquisição de direitos reais por estrangeiros ou por pessoas físicas ou jurídicas brasileiras constituídas ou controladas por pessoas privadas, físicas ou jurídicas estrangeiras.
 

  • Capital estrangeiro

 
O texto modifica a lei 4.131/62, que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior. Segundo o projeto, os recursos financeiros ou monetários introduzidos no Brasil por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, ou quando objeto de reinvestimento para a aplicação em atividades econômicas que envolvam a aquisição e o arrendamento de áreas rurais em território nacional, estarão sujeitos à legislação que regula a aquisição de imóveis rurais por pessoas estrangeiras.
 

  • Revogação

 
O projeto revoga a lei 5.709/71, que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil. Por outro lado, convalida as aquisições e os arrendamentos de imóveis rurais celebrados por pessoas físicas ou jurídicas brasileiras constituídas ou controladas, direta ou indiretamente, por pessoas privadas, físicas ou jurídicas, estrangeiras, durante a vigência dessa lei.
 
O que pensa o presidente
 
Em janeiro, durante uma de suas lives semanais, o presidente Jair Bolsonaro posicionou-se contra o projeto em tramitação.
 
“Se a Câmara aprovar, tem o veto meu. E daí o Congresso vai derrubar ou não o veto. Falta patriotismo para nós aqui, não podemos permitir que o Brasil seja comprado“, afirmou.
 
https://www.youtube.com/watch?v=V5neMo3m88M
 

Dados
 
Segundo planilha enviada pelo Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ao Migalhas, há 3,9 milhões de hectares de terras agrícolas no Brasil pertencentes a estrangeiros. 
 

 
Como os dados são autodeclaratórios, é possível que apresentem falhas. Na planilha acessada, por exemplo, há proprietários que não informaram a nacionalidade ou deixaram em branco o campo de área total das terras que possuem.
 
Minas Gerais concentra a maior quantidade de imóveis comprados por pessoas ou empresas estrangeiras (961 mil hectares). O Estado é seguido pelo Mato Grosso (446 mil hectares) e São Paulo (367 mil hectares). Veja os dados de todas as unidades da Federação.
 
 

Portugueses, japoneses, libaneses e italianos são as nacionalidades que têm maior porção de terras brasileiras. Veja o ranking com os 10 países dos quais proveem aqueles que detêm mais propriedades.
 

 
Pensando na destinação dessas terras, em primeiro lugar aparece a pecuária. Ela é seguida pela agricultura permanente, produção de grãos temporária, hortigranjeiro e reflorestamento.
 
A presença do reflorestamento entre as principais destinações pode estar relacionada à expansão do mercado de carbono. O Código Florestal permite a comercialização de créditos de carbono e biodiversidade, para que empresas “compensem” a emissão de poluentes em outras regiões do planeta.