Depois de muitos anos de casamento, João de Matos ficou viúvo de Nazaré. Tinha casado sob o regime da comunhão universal. Promoveu a partilha: coube ao viúvo metade dos bens da herança e a outra metade aos três filhos do casal: Valdomiro, Armando e Josélia.
 
Mas o viúvo começou a namorar com uma das atendentes de sua loja Fatinha, brejeira e faceira, como se apresentava, de pouco mais de 30 anos de idade, que jurava às colegas que tinha também se apaixonado pelo idoso. O namoro evoluiu, Fatinha foi trazida para dentro da casa de João de Matos. Mas para a moça, isso não bastava, porque, dizia, não podia “viver em pecado” ou sem ter uma situação juridicamente definida. Queria casar-se. E ameaçava que só continuaria a relação se casasse, com véu e grinalda, recepção etc. João de Matos concordava com tudo, e mais ainda que a moça lhepedisse. Há quem diga: “o apaixonado tem de serinterditado”.
 
A assim tudo transcorreu. Os filhos, certos de que o pai estava sendo vítima do “golpe do baú”, embora convidados, não compareceram à cerimônia de casamento, nem muito menos, à recepção, que ocorreu na sede de uma associação, próximo da casa em que morava Fatinha.
 
Entretanto, como João de Matos já tinha mais de 70 anos de idade, o oficial de registro civil esclareceu que o casamento era possível, mas o regime de bens tinha de ser, obrigatoriamente, o da separação de bens, na forma do art. 1.641, inciso II, do Código Civil, e assim ficou constando na certidão de casamento.
 
O casamento durou quatro anos. Incentivado pela mulher, o marido adquiriu por compra, nesse período, quatro imóveis: dois apartamentos em Belém, um sítio no município de Curuçá e uma casa de praia em Salinópolis.
 
João de Matos morreu no mês de outubro, de 2020. Orientada por uma advogada, Fatinha ingressou no inventário dos bens do falecido, que os filhos já tinham requerido, alegando que era dona da metade dos bens adquiridos onerosamente durante a convivência conjugal, nos termos da Súmula 377, do STF, que diz: “No regime da separação legal comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento”.
 
Esta Súmula do Supremo é da década de 60 do século passado e continua em vigor. Teve o objetivo de relativizar, temperar o regime da separação obrigatória e evitar o enriquecimento sem causa.Uma polêmica que se formou em torno da mesma era a respeito da exigência da prova do esforço comum para que se comunicassem os aquestos (bens adquiridos durante o casamento). Na doutrina, como na jurisprudência (inclusive do STJ) há opiniões e julgados nos dois sentidos.
 
O último posicionamento do STJ, todavia, ao fazer uma releitura da Súmula 377, estabeleceu que no regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição (ERResp 1.623.858/MG, 2ª Seção, Relator Ministro Lázaro Guimarães, Desembargador convocado, em 23/05/2018). Antes, o STJ já havia tomado decisão no mesmo sentido: ERResp1.171.820/PR, 2ª Seção, Rel. Ministro Raul Araújo, em 26/08/2015).
 
Então, a viúva não vai obter a meação dos aquestos automaticamente, invocando a Súmula 377, pura e simplesmente, mas terá de provar o “esforço comum”, ou seja, que teve participação – ainda que não exclusivamente financeira – para a aquisição onerosa dos bens. E como a questão depende de outras provas, o juiz do inventário poderá remeter a questão para as vias ordinárias (CPC, art. 612; antigo CPC, art. 984).