Sabemos que o Brasil, dentre tantos males que o assolam, é atingido pelo “costume” dos próprios brasileiros de atuarem “sem compromisso”, em desconformidade com as Leis, visando a algum benefício pessoal em detrimento do todo. O pensamento de muitos é no sentido de que: “a lei é boa, mas para os outros”, ou ainda: “Se eu for esperto, pago menos tributos”.
 
Enganam-se com tais atitudes quem assim pensa, porque o Brasil somos todos nós e o que eu faço para o Brasil o faço para mim mesmo. Mas assim é, e tem sido por muitos anos… Porém, podemos mudar paradigmas, comportamentos arraigados, se o Estado (QUE SOMOS NÓS) agir de forma conjunta por meio de seus agentes, nas diversas esferas de poder, no sentido de criar-se uma nova cultura, uma cultura da Unidade Nacional – Universal, de que cada um, cada agente público é o próprio Brasil e que todos temos deveres e direitos recíprocos e responsabilidades dentro da esfera de nossa atuação pública.
 
Cada um de nós, agentes públicos, ao assumirmos nossos cargos e funções, assumimos também compromissos para com o povo brasileiro (que é muitas vezes “inconsciente”  de seus atos por falta de oportunidades/educação), e em conjunto, podemos agir de forma propiciar a construção de um País forte e ético, deixando um legado positivo para as futuras gerações.
 
Nesse aspecto, tem-se que os Registros Públicos são órgãos que desempenham um Serviço Público Essencial (delegado) e podem ter um papel crucial nesta mudança de paradigma, necessário para construção de um Brasil melhor, atuando – por meio de seus agentes (Titulares) – a serviço da moralidade, dificultando com tal prática, que a fraude e a clandestinidade impere no País.
 
Dentre estes males e costumes arraigados a que me referi, há um que atinge de forma coletiva a todos, que é a clandestinidade imobiliária: Os chamados “contratos de gaveta”, prática que retira do mercado formal e, por consequência, da esfera de tributação estatal, milhões de imóveis no País.
 
Ainda, os “contratos de gaveta” dão causa a milhares de processos nos tribunais, uma vez que cerca de 30% (trinta por cento) dos mutuários brasileiros são usuários desse tipo de instrumento, causando, por consequência, a tão falada “lentidão do judiciário”, que precisa  voltar seu trabalho a resolver lides que seriam desnecessárias, se todos simplesmente cumprissem a Lei dos Registros Públicos.
 
Essas lides são geradas porque o “comprador”, na maioria das vezes, vem a ter prejuízos pela não utilização do Sistema dos Registros Públicos e ter optado por ficar à margem da lei. Dentre estes prejuízos, posso citar os que seguem : o imóvel vem a ser constritado judicialmente em razão de dívida do vendedor; o vendedor falece e o imóvel precisa integrar seu  inventário e o comprador acaba tendo lides com os herdeiros; ou ainda, o vendedor negocia o mesmo imóvel com terceiros e todos acabam na “justiça”.
 
Estes contratos que não são levados aos Registros Públicos são assim mantidos por anos, décadas a fio, sendo utilizados de forma usual por quem pretende ocultar patrimônio do Fisco (que somos todos nós), atingindo o Brasil nas mais diversas áreas (saúde, educação, organização e estrutura das cidades, etc).
 
Atinge também os mais diversos credores de mal pagadores, que restam impossibilitados de constritar (penhorar, arrestar, sequestrar, etc.) bens ou direitos do devedor faltoso.
 
Esses contratos também advogam a favor da criminalidade, porque servem para a chamada “lavagem de dinheiro”.
 
Prestam-se à sonegação tributária em várias esferas, Estadual, Municipal e Federal (Imposto de Renda, Lucro Imobiliário, ITBI, ITCMD). E, retiram da economia um produto propulsor de melhorias sociais, pois quem não tem imóvel registrado não tem patrimônio formal e, consequentemente, não tem crédito…
 
Ainda, ofendem a Ordem Pública e a Ordem Jurídica em geral, porque o Sistema dos Registros Públicos foi criado para a Segurança, Autenticidade e Eficácia dos negócios jurídicos e os registros devem espelhar, quanto mais possível, a realidade (Verdade Real).
 
Como registradora, venho desde que assumi a função pública de que sou Titular, buscando criar esta “cultura nova” da ética comercial imobiliária, na comarca em que atuo, conscientizando e promovendo divulgação dos benefícios do “imóvel legal”, dentro da lei, registrado e matriculado, mas a tarefa é árdua!
 
Tenho trabalhado  diariamente na comarca onde atuo de forma a exigir o registro de contratos de gavetas, das cadeias dominiais, visando a conscientização social, mostrando a responsabilidade de todos para com o bem comum, exigindo o recolhimento de tributos por quem visa a sua elisão.
 
Porém, penso que a prática negocial dos “contratos de gaveta” somente será expurgada do nosso país, quando houver sanção prevista por Lei para a ausência de  seu registro imobiliário e os poderes públicos – dentre eles o Judiciário – passarem a aplicar a Lei dos Registros Públicos de forma geral, respeitando o seu espírito, e com isso, desestimulando-se a manutenção da informalidade e clandestinidade nas relações jurídico-imobiliárias no Brasil.
 
Feita esta explanação inicial, passo a tratar dos aspectos jurídicos que envolvem o tema, trazendo a opinião da doutrina e o entendimento da jurisprudência atual, bem como decisões em Suscitações de Dúvida, que efetuei no decorrer destes quase 17 anos de atuação como registradora.
 
Inicialmente, é importante destacar que o objeto deste estudo é o contrato que pode ser registrado validamente, mas que por “vontade das partes” é retirado do mundo jurídico, ou seja, do Sistema dos Registros Públicos, visando a alguma vantagem com isso (evasão tributária, iludir credores, ou até mesmo familiares).
 
Não tratamos aqui, portanto, de outra questão tão ou mais séria que os “contratos de gaveta” que são os imóveis ilegais, aqueles que por não terem matrícula, não podem ingressar no Sistema Registral. Nestes casos, estão incluídos os parcelamentos irregulares, as favelas, etc., que tanto atentam contra o meio ambiente e o ordenamento das cidades.