Segundo o tabelião de notas e protestos, aumento no índice pode estar ligado ao medo do coronavírus e a preocupação com o pós-morte. Ele também explica o que é o testamento, quem pode realizá-lo e como fazer
 
Os registros de testamentos cresceram entre janeiro a abril de 2021, em meio à pandemia da Covid-19, nas cidades do Alto Tietê. Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil (CNB/SP), foram 48,4% a mais em comparação ao mesmo período de 2020.
 
O dado ainda indica um aumento de 63,3% em comparação ao primeiro quadrimestre de 2019. Naquele ano, ao menos dois moradores, dos mesmos sete municípios, estavam preocupados em garantir o encaminhamento legal de seus bens em caso de morte.
 
Segundo o tabelião de notas e protestos de Itaquaquecetuba, Arthur Del Guercio Neto, o aumento no índice pode estar ligado ao medo do coronavírus, que forçou a população a encarar e se preocupar com o pós-morte. Ele também explica o que é um testamento e como fazer (confira abaixo).
 

 
Mogi foi a cidade com o maior número de testamentos registrados entre janeiro e abril. Foi também a que teve o crescimento mais elevado em comparação ao ano anterior: cerca de 242% a mais.
 
Em seguida está Suzano, que registrou um aumento de 10% neste ano, em comparação com 2020. Já Ferraz de Vasconcelos foi o único município a registrar queda, com 40% menos testamentos.
 
As demais cidades registraram estabilidade entre os anos.
 

 
O testamento não é tão comum no Brasil como em ocorre em outros países. Segundo o tabelião Arthur Del Guercio Neto, esse é um fato que pode estar associado a questões culturais, pois a população ainda encara a morte como um tabu.
 
“Eu acredito que uma das razões é o fato de outros perfis de sociedade terem um tato um pouco mais tranquilo com eventos que tenham a ver com o pós-morte”.
 
“O que a gente nota é que aqui no Brasil é visto com um certo temor. Você tem que fazer algumas reflexões para um momento que muita gente tem receio. O testamento caminha a encontro dessa ideia, porque você tem que pensar a respeito de coisas do seu pós-morte”.
 
No entanto, com a chegada da pandemia, que segue provocando milhares de mortes em todo o país, não pensar no assunto ficou difícil. Por isso, há quem esteja mais preocupado em como e com quem as coisas vão ficar depois de sua partida.
 
“O que a gente nota é que algo que foi forçado. As pessoas foram forçadas a pensar mais no pós-morte. Foi algo que veio de maneira muito escancarada, principalmente nesses últimos meses”.
 
“Claro que a pessoa, levada forçosamente a pensar nessa questão, ela pode pensar: ‘poxa, quero deixar algo organizado, se eu vier a ter algum tipo de problema’. Nesse cenário, realmente, a gente nota que fala-se muito mais em testamento nos últimos meses do que em períodos anteriores”.
 
Afinal, o que é o testamento?
 
O tabelião de notas e protestos de Itaquaquecetuba explica que o testamento é um ato pelo qual uma pessoa expressa o que quer que aconteça após sua morte. Dessa forma, o que for relatado no documento só terá valor legal depois do falecimento.
 
Além disso, embora seja comum ver o testamento ligado a questões patrimoniais, Del Guercio Neto conta que outros assuntos também podem ser citados como vontades do testador a serem atendidas pelos herdeiros.
 
“Essas disposições que são feitas no testamento, normalmente, a gente vincula muito a patrimônio. É algo comum de você tentar regrar questões patrimoniais, mas as disposições de um testamento não precisam, necessariamente, ser de cunho patrimonial”.
 
“Você pode ter disposição de caráter não patrimonial. Alguns exemplos corriqueiros são o reconhecimento de um filho e até mesmo um pedido de perdão a algum familiar. Aquela pessoa que tem uma briga na família pode deixar um pedido de perdão”, completa.
 
Além disso, há diferentes tipos de testamentos. Um deles, que aparece nos dados dessa reportagem, é o testamento público. O documento é lavrado, exclusivamente, pelos Cartórios de Notas e, segundo Arthur, é um dos mais seguros, pois conta com a participação de um profissional imparcial.
 
“É normal que um herdeiro que se sinta prejudicado queira questionar a validade daquele documento. Quando você tem um testamento feito de forma pública, a garantia de cumprimento é muito grande, justamente por ter a participação do tabelião”, diz o profissional.
 
“Por mais que o herdeiro alegue, por exemplo, que o testador foi coagido ou não estava bem mentalmente, a participação de um terceiro com fé pública, que é o tabelião, garantindo a segurança do procedimento é algo que dá uma valia muito grande para o processo”.
 
Além disso, ele destaca que sempre que um testamento público é registrado, as informações são comunicadas a uma central, que manterá o documento seguro. Dessa forma, após a morte do testador, mesmo que o documento físico tenha sido perdido, ainda será possível consultar os pedidos.
 
Como fazer um testamento público?
 
O testamento público pode ser feito em qualquer cartório de notas. Basta que o interessado contate um tabelião. Em seguida, juntos, eles elaboram um esboço do documento.
 
O último passo é agendar um dia para oficializar o testamento. A cerimônia tem previsão legal e exige a presença de duas testemunhas. Porém, após a ocasião, o testador ainda poderá alterar pontos do documento futuramente quantas vezes desejar.
 
Quanto custa fazer um testamento?
 
De acordo com o tabelião, os valores cobrados pelos cartórios são idênticos em qualquer cidade dentro de um mesmo estado. Em São Paulo, o preço é o mesmo em qualquer cartório. Além disso, o valor pode variar de acordo com alguns critérios.
 
“Um testamento que não tenha custo patrimonial, como no reconhecimento de um filho, tem o valor de R$ 102,41. Agora, o testamento público, tem um custo, independentemente do valor do patrimônio, de R$ 1.862,16”, explica.
 
Testamento on-line
 
Com as medidas de distanciamento social impostas pela pandemia, passou a ser possível fazer um testamento de forma remota, pela internet. A iniciativa é do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e oferece diversos serviços.
 
“Então, se o testador não quiser vir até o cartório fisicamente, ele pode contatar o cartório e agendar uma audiência virtual, por videoconferência. Posterior a isso, o ato é assinado de forma digital. Tudo é feito dentro de uma plataforma do Colégio Notarial, que chama e-Notariado”.
 
Testamento x Diretiva Antecipada de Vontade
 
O testamento público é diferente da Diretiva Antecipada de Vontade, mais conhecida como testamento vital. Segundo Arthur, o segundo tem efeitos durante a vida do testador.
 
“É uma declaração, que pode ou não ser feita por escritura pública, por intermédio da qual a pessoa declara quais tratamentos ela admite se submeter se for acometida por alguma doença enfermidade que tire dela o poder de discernimento e decisão”.
 
“O testamento vital não é testamento, porque ele produz efeitos ao longo da vida do declarante. Muita gente pensa nesse documento que eu falei agora, que é a diretiva antecipada de vontade, e pensa como se fosse testamento. Na verdade ele não é”, comenta.
 
Morrer sem preocupação
 
Embora o mais usual seja ver o testamento relacionado a grandes fortunas, o tabelião explica que o documento pode ser feito independentemente do valor do patrimônio do interessado. A intenção é deixar o pós-morte bem planejado, orientando e facilitando as decisões dos herdeiros.
 
“Não importa o tamanho do patrimônio da pessoa. Muitas vezes pensamos em planejamentos sucessórios para grandes patrimônios, mas o cara pode não ter um patrimônio tão grande e querer deixar tudo organizado para o pós-falecimento dele”.
 
“O testamento ajuda muito, porque você pode organizar com quem você pretende que cada bem fique, pode deixar alguma disposição específica quanto à fatia do patrimônio. São várias possibilidades”.