O inventário e partilha, seja judicial ou extrajudicial, têm como principal finalidade apurar o patrimônio deixado pelo titular em virtude do seu falecimento a fim de que, após quitadas as obrigações inerentes como dívidas e impostos, seja regularizada a transmissão dos bens e direitos aos sucessores. O procedimento serve justamente para formalizar a ficção jurídica da saisine, importada do direito francês, que prevê, nos termos do artigo 1.784 do Código Civil, a imediata transmissão da herança aos herdeiros legítimos e testamentários quando ocorrido o óbito.
 
É relevante relembrar, para fins práticos, que inexiste a partilha de dívidas do de cujus. Ou seja: os herdeiros, nos termos do artigo 1.792 do Código Civil, não respondem por encargos que sejam superiores à herança. Ao fim e ao cabo, a entrega dos quinhões hereditários será feita pelo montante líquido resultante depois de atendido o passivo. Dessa forma, faz sentido que o imposto de transmissão causa mortis seja apurado sobre o referido montante líquido, na medida em que este é o patrimônio que será transmitido em decorrência do falecimento de seu titular original. No entanto, esta não é a realidade que ainda se vê em algumas situações.  
 
Com efeito, um dos assuntos que têm elevada repercussão no âmbito sucessório é o imposto de transmissão, cuja competência regulatória é estadual, de acordo com o artigo 155, I, da Constituição Federal. O tema, além de suscitar as mais variadas discussões, representa um dos maiores obstáculos ao encerramento do processo sucessório, tendo em vista os habituais problemas de liquidez enfrentados pelos envolvidos na demanda. A propósito, para que não pairem dúvidas, vale registrar que a responsabilidade tributária é atribuída ao herdeiro e/ou beneficiário, levando em consideração o bem ou direito transmitido. 
 
A questão que subjaz é compreender a base de cálculo do imposto, sobretudo quando existente passivo a ser suportado pela própria herança. No ponto, considerando que o proveito econômico do herdeiro, depois de cumpridas as obrigações devidas, está representado pelo patrimônio residual, não soa razoável que o imposto de transmissão não tenha em observância tal peculiaridade, sob pena de se tributar o que não é patrimônio partilhável. Ademais, o próprio dispositivo constitucional prevê a incidência sobre a efetiva transmissão de bens, e não sobre aqueles que não forem transmitidos. 
 
A jurisprudência pátria ampara a lógica do ideário em questão, que por vezes é esquecido pelo Fisco. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por exemplo, já certificou que “a base de cálculo do ITCD deve corresponder ao patrimônio efetivamente transmitido aos herdeiros e após o pagamento de todas as dívidas do espólio, com a partilha do ativo entre os sucessores” .
 
O mesmo raciocínio pode ser encontrado no Tribunal de Justiça de São Paulo, que, superando a previsão do artigo 12 da Lei 10.705/2000, entendeu ser “cabível o abatimento das dívidas e da base de cálculo tanto do ITCMD, quanto da taxa judiciária”. O fundamento da decisão está no preceito de que é vedada a transmissão de encargos excedentes à divisão da herança.
 
O próprio Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de analisar a matéria e concluir no mesmo sentido, ainda no ano de 2012. No julgamento do agravo regimental no agravo de instrumento 733.976/RS, o voto do ministro Dias Toffoli reconheceu que a exigência do imposto “sobre aquilo que não é patrimônio partilhável seria tributação sem base imponível, na medida em que o encargo fiscal persegue aquilo que o herdeiro efetivamente acresceu em seu universo patrimonial em virtude do recebimento de seu quinhão”. E de forma ainda mais clara, expressou que “impõe-se a seguinte conclusão: se o imposto é sobre transmissão de patrimônio, a base de cálculo deve ser uma medida do patrimônio (que será o patrimônio transferido)”.
 
O certo é que o imposto de transmissão causa mortis sempre esteve na pauta de discussão. Aliás, em razão da ordem de afetação dos recursos especiais 1.896.526/DF e 1.895.486/DF como representativos de controvérsia repetitiva (Tema 1074), o Superior Tribunal de Justiça terá a oportunidade de discutir a “necessidade de se comprovar, no arrolamento sumário, o pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) como condição para a homologação da partilha ou expedição da carta de adjudicação, à luz dos artigos 192 do CTN e 659, § 2º, do CPC/2015”. Espera-se que o entendimento prevalente em diferentes tribunais, no sentido de que seja exigido o imposto de transmissão somente sobre a herança líquida, ou seja, sobre o patrimônio efetivamente transmitido aos herdeiros e/ou beneficiários, mantenha-se e consolide-se, a fim de se evitar situações como ainda se vê na prática, de exigência de imposto sobre bens que não foram transmitidos aos sucessores, mas utilizados para fazer frente a passivos deixados pelo falecido.