Introdução
O presente artigo tem como objetivo contribuir com o estudo da flexibilização do princípio da especialidade no registro de títulos oriundos da regularização fundiária urbana.
Os princípios registrais
Princípios são normas de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não positivadas. De modo que toda a compreensão do direito passa, inicialmente, pelo estudo dos princípios.
Assim como os princípios gerais de direito, existem princípios que norteiam a atividade registral, dentre os quais o princípio da legalidade, moralidade, prioridade, continuidade e especialidade. Esses princípios norteadores e informativos do Direito Registral estão positivados essencialmente na lei Federal 6.015/73, na Constituição Federal, no Código Civil, na doutrina e na jurisprudência. Passa-se, então a tratar especificamente de cada um deles.
O princípio da legalidade é um dos princípios fundamentais do registro de imóveis. Inclusive, é aquele que norteia todos os demais princípios. Trata-se, em sentido amplo, de princípio pelo qual toda ação da Administração e toda decisão dos tribunais deve ser resultado da aplicação da lei.
No âmbito dos registros públicos, o princípio da legalidade é definido por Luiz Guilherme Loureiro como aquele pelo qual se impõe que os documentos submetidos ao Registro devem reunir os requisitos exigidos pelas normas legais para que possam aceder à publicidade registral.
Marcelo Rodrigues também tece comentários:
De modo que o título não pode ingressar no fólio real se não observados os requisitos do ordenamento jurídico, notadamente o princípio da legalidade.
Ultrapassada a legalidade, passa-se a tratar da prioridade, que tem por finalidade tanto ordenar o procedimento registral, estipulando o que deve ser analisado e registrado em primeiro lugar, quanto graduar os direitos reais contraditórios, excluindo aquele posterior incompatível e prorrogando o grau daquele compatível.
Desta forma, um dos efeitos da prioridade é resguardar a preferência do título levado ao fólio real. Sendo que o título prenotado com número menor tem preferência sobre aquele prenotado com número maior.
No que diz respeito ao prazo da prática de todo o serviço na serventia, este prazo é de 30 dias, conforme o disposto no art. 188 da lei 6.015/73. Diante disso, considera-se de 30 dias o prazo de prenotação. Especificidade que merece detalhamento é que em casos de regularização fundiária o prazo se dilata para 60 dias, prorrogável por igual período, nos termos do art. 44, parágrafo 5º da lei 13.465/17.
Dando seguimento ao estudo dos princípios, há também o princípio da continuidade ou trato sucessivo. Trata-se de princípio que garante segurança jurídica ao estabelecer a necessidade de observância da cadeia de titulares, de modo a criar um elo perfeito na cadeia.
Segundo Victor Kumpel, a continuidade ou trato sucessivo designa que, no fólio real, uma inscrição é consecutiva a outra, devendo obrigatoriamente existir uma correspondência entre o titular do direito que outorga o título e o titular tabular (continuidade subjetiva), bem como a coincidência do próprio objeto (continuidade objetiva).
Verificada rapidamente as especificidades de cada um dos princípios acima, passa-se a tratar, no tópico seguinte e com maior profundidade, do princípio da especialidade.
O princípio da especialidade
Ultrapassado o breve estudo dos princípios registrais, passa-se a tratar especificamente do princípio da especialidade registral. Trata-se de princípio segundo o qual todo imóvel que seja objeto de registro deve estar perfeitamente individualizado. Deve-se individualizar não só o imóvel em si, como também o proprietário tabular.
Divide-se, portanto, em especialidade objetiva (aquela que se refere ao imóvel) e especialidade subjetiva (aquela que se refere ao sujeito).
A especialidade objetiva, de acordo com a doutrina, desenvolveu-se à partir da necessidade de se combater a clandestinidade das hipotecas e compreende a plena e perfeita identificação do imóvel na matrícula e nos documentos apresentados para registro. De acordo com Marcelo Rodrigues:
Assim, não se pode admitir que o título inove a descrição do registro anterior, devendo manter a descrição pré-existente de forma rigorosa, sob pena de ofensa ao princípio da especialidade objetiva.
Note, ainda, que não basta a descrição geométrica do imóvel, sendo também necessária uma amarração geográfica que marque a posição do imóvel no espaço, o que pode ser feito com a indicação dos confrontantes.
Assim, para Afrânio de Carvalho, a existência da expressão “confrontando com quem de direito” aposta na escritura pública ou no registro viola o princípio em questão. De modo que se deve mencionar o nome dos confrontantes.
Atualmente, com a lei 6.015/73, pode-se extrair a especialidade objetiva do art. 176, §1º, que exige a identificação do imóvel, que será feita com indicação a) se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área; b) se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver.
Anote-se também que o art. 225 da lei 6.015/73 trouxe a necessidade de que se indique com precisão as características e as confrontações do imóvel. E em se tratando de imóvel rural, a localização, limites e confrontações devem ser obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida anotação de responsabilidade técnica (ART), contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional fixada pelo Incra (art. 225, § 3º da lei 6.015/73).
Por outro lado, a especialidade subjetiva, como o próprio nome indica, diz respeito ao sujeito. Exige-se, pois, a perfeita identificação e qualificação das pessoas nomeadas na matrícula e nos títulos levados a registro.
A doutrina trata da especialidade subjetiva:
Portanto, a título de exemplo, o registro de uma escritura pública em que a qualificação de uma das partes diverge daquela que se apresenta no registro levará o registrador, na qualificação registral, à devolução do título, em observância ao descumprimento do princípio da especialidade subjetiva.
A qualificação registral
Quando um título é levado a registro no Registro de Imóveis, o registrador deve examiná-lo para verificar se aquele título observou os princípios registrais e a legislação vigente. Assim, a qualificação registral é definida pela doutrina como o “poder-dever do registrador de verificar a existência no título de todos os requisitos necessários para que ele possa ingressar no registro de imóveis”.
Para Vitor Kumpel a qualificação registral, ou registrária consiste na exteriorização do princípio da legalidade, ou seja, constitui a forma mais contundente deste, ante a incumbência do registrador de fazer análise dos títulos de acordo com o ordenamento jurídico em vigor. A qualificação jurídico-registral, nesse cenário, é difícil e complexa; é um dever do registrador, exercido com independência funcional […] mas sempre de forma jurídica e técnica.
Assim, é no momento da qualificação que o registrador vai verificar se os princípios registrais foram observados. Sendo seu dever, com a independência que lhe é própria, apresentar nota devolutiva daqueles títulos que não estão de acordo com os princípios.
Dentre os títulos que são submetidos à qualificação estão aqueles indicados no art. 167 da lei 6.015/73. O dispositivo elenca os títulos hábeis a registro (inciso I) e a averbação (inciso II).
Em que pese o amplo rol do dispositivo, o presente trabalho tratará da qualificação registral de um título específico: a Certidão de Regularização Fundiária, que se apresenta no item 43 do inciso I do art. 167 da lei 6.015/73.
No entanto, antes de se estudar o título oriundo da regularização fundiária, revela-se importante contextualizar a regularização fundiária e sua mais recente alteração legislativa. Estudo que se apresenta em seguida.
A regularização fundiária no Brasil
Levantamento feito pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou que o déficit habitacional no país cresceu 7% em apenas dez anos, de 2007 a 2017, tendo atingido 7,78 milhões de unidades habitacionais em 2017. Levando-se em conta que este dado é de 2017, nos dias atuais é provável que esse número tenha ultrapassado oito milhões de famílias. Famílias estas que vivem em situação precária de moradia no país.
A problemática do desenvolvimento urbano informal no país não é nova. E devido a existência dessas moradias irregulares, já na década de 1980 alguns Municípios contavam com algumas poucas leis esparsas de programas de regularização.
Já no âmbito Federal, a ainda vigente lei 6.766/79, previa – como prevê – um mecanismo de regularização em que o Município poderá terminar as obras de infraestrutura e levantar os valores depositados pelos adquirentes dos lotes perante o Registro de Imóveis.
Destaca-se, ainda, que a Constituição Federal de 1988 trouxe o conceito de política de desenvolvimento urbano a ser executado por meio de leis municipais ou planos diretores. E mais, desde a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, o direito à moradia passou a ser tratado como direito social, conforme o art. 6º da Constituição Federal.
Em seguida, houve a aprovação do Estatuto da Cidade, que tem como objetivo, além de outros, a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação.
Ainda no cenário nacional, pode-se destacar a lei 11.124/2005, que instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e o Fundo Nacional de Interesse Social, com o objetivo de implantar políticas e programas que promovam o acesso 'a moradia para a população de baixa renda. Cite-se também a lei 11.481/2007, que trouxe alguns mecanismos de regularização fundiária em terras da União.
Mais recentemente, toda a sistemática de leis esparsas foi substituída pela lei 11.977/2009. Essa lei dispôs sobre o Programa Minha Casa Minha Vida e sobre a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas.
Não obstante a importância da lei 11.977/2009, no ano de 2016 a Medida Provisória 759/2016, convertida na lei 13.465/17 revogou completamente os dispositivos referentes à regularização fundiária da lei 11.977/2009.
A lei 13.465/17, dentre outras questões, trouxe a Reurb (Regularização Fundiária Urbana). Na realidade, a Lei trouxe uma simplificação da então existente regularização fundiária da lei 11.977/09.
Sem entrar no mérito da formalidade legislativa, foi louvável a iniciativa do legislador, no sentido de conferir à população um facilitador na regularização fundiária de núcleos informais consolidados. De modo que a Reurb veio para conferir o acesso ao direito social à moradia constitucionalmente estabelecido.
A lei define a Reurb como um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.
Dentre seus objetivos, elencados no art. 10 da lei 13.465/17, estão o de ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados, garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas e, ainda, garantir a efetivação da função social da propriedade.
Trata-se de um verdadeiro procedimento administrativo dividido em duas fases distintas: a) a primeira, consiste em um processo administrativo junto ao respectivo Município, cuja sequência de atos está prevista no art. 28, da Lei nº 13.465/17; b) já a segunda fase se trata do registro, no cartório de registro de imóveis competente, da chamada Certidão de Regularização Fundiária.
Afinal, com a edição da lei 13.465/17, foi inserido o item 43, no inciso I do art. 167 da lei 6.015/73. Acrescentou-se, portanto, a CRF como título passível de registro no cartório de registro de imóveis.
Em que pese a riqueza de detalhes existentes na lei, o presente trabalho não se presta a tratar do procedimento administrativo conduzido junto ao Município, mas tão somente com relação a segunda fase do procedimento, notadamente o registro da CRF e o exame de qualificação registral frente ao princípio da especialidade.
O registro da Certidão de Regularização Fundiária
A primeira etapa do processamento da Reurb ocorre integralmente no órgão municipal competente. Trata-se, pois, de um processo administrativo.
Com a finalização da primeira etapa, passa-se a segunda etapa, que consiste no registro da Certidão de Regularização Fundiária no Cartório de Registro de Imóveis competente.
A Certidão de Regularização Fundiária corresponde ao documento expedido pelo Município ao final do procedimento da Reurb, constituído do projeto de regularização fundiária aprovado, do termo de compromisso relativo à sua execução e, no caso da legitimação fundiária e da legitimação de posse, da listagem dos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado, da devida qualificação destes e dos direitos reais que lhes foram conferidos.
A lei 13.465/17 prevê, ainda, alguns requisitos exigidos na CRF: a) o nome do núcleo urbano regularizado; b) a localização; c) a modalidade da regularização; d) as responsabilidades das obras e serviços constantes do cronograma; e) a indicação numérica de cada unidade regularizada, quando houver; f) a listagem com nomes dos ocupantes que houverem adquirido a respectiva unidade, por título de legitimação fundiária ou mediante ato único de registro, bem como o estado civil, a profissão, o número de inscrição no cadastro das pessoas físicas do Ministério da Fazenda e do registro geral da cédula de identidade e a filiação.
Com relação ao prazo do registro, há uma exceção à regra geral da Lei de Registros Públicos. O prazo do registro da CRF é de 60 (sessenta) dias, podendo ser prorrogado por igual período, de forma fundamentada pelo oficial de registro.
Assim, após todo o trâmite do processo administrativo, pelo princípio da rogação caberá aos interessados apresentarem requerimento para o registro da CRF junto ao cartório de registro de imóveis competente. Compreendem-se como interessados aqueles elencados no rol do art. 14, da lei 13.465/17.
Desta forma, além dos demais títulos elencados na Lei de Registros Públicos, a Certidão de Regularização Fundiária também se submete ao exame de qualificação do oficial de registro. Cabendo ao oficial examinar a CRF, verificando se os requisitos legais para o registro estão preenchidos, além da observância aos princípios registrais e do ordenamento jurídico.
No que concerne à qualificação da CRF, há que se mencionar que, em função dos objetivos da regularização fundiária, a lei mitiga diversos princípios registrais e cria diversas exceções pontuais para a facilitação do procedimento.
Dentre essas mitigações e exceções, importa um maior aprofundamento no princípio da especialidade. De modo que a seguir serão trazidas as experiências dos tribunais com a flexibilização da especialidade para, posteriormente, se passar a tratar dessa flexibilização relativa aos títulos oriundos de regularização fundiária.
A experiência dos tribunais na flexibilização da especialidade
Em recomendado trabalho, José Renato de Freitas Nalini analisou a flexibilização do princípio da especialidade como a possibilidade que o registrador tem de, valendo-se da sua independência jurídica, interpretar as normas vigentes, modelando-as ao momento histórico e ao caso concreto, para alcançar a sua natural atribuição, que é a efetiva realização do ato no registro.
Como o próprio autor comenta, o tema não é novo. Existe uma variedade de casos e decisões nos quais optou-se por abrandar o efeito de algum princípio ou norma com o intuito de possibilitar o assentamento de determinado título.
A título de exemplo de flexibilização da especialidade objetiva, cite-se decisão proferida pelo Conselho Superior de Magistratura de São Paulo, que admitiu continuidade da descrição incompleta no registro de imóveis, ressalvando que “não obstante a necessidade de aperfeiçoamento a ser realizado por meio de retificação do registro imobiliário, não é absolutamente vaga, permitindo compreensão acerca da localização do bem e sua individualização perante outros”, concluindo que “nessa ordem de ideias, há atendimento do Princípio da Especialidade Objetiva, contido no art. 176 da lei 6.015/73, porquanto possível compreensão da localização do imóvel com suas característica fundamentais”.
Há, ainda, casos em que houve a flexibilização da especialidade subjetiva. Cite-se como exemplo a situação em que há a necessidade de apresentação do CPF do proprietário de imóvel para registro de Escritura Pública de Compra e Venda. Em recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu-se que:
Portanto, existem inúmeros julgados cujo entendimento fora pela flexibilização da especialidade. Os exemplos acima trazidos são apenas alguns dentre vários outros.
Verificada essa tendência de se flexibilizar a especialidade em alguns casos, questiona-se sobre a possibilidade de flexibilização do princípio diante do registro da certidão de regularização fundiária. Questão a ser tratada no tópico seguinte.
A flexibilização da especialidade no registro da CRF
Como se verificou, a CRF é título hábil a ser levado a registro no competente Cartório de Registro de Imóveis.
Verificou-se, ainda, que um dos objetivos da Reurb é ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais. Assim, não à toa que a própria exposição de motivos da Medida Provisória originária da Reurb trouxe uma preocupação com o direito social à moradia:
Como forma de garantir o direito social à moradia, a lei 13.465/17 trouxe regime próprio para o registro da Certidão de Regularização Fundiária, título oriundo dos processos de Reurb.
No bojo do regime trazido pela legislação, cite-se a flexibilização de algumas regras registrais, para que haja completa viabilidade do registro da CRF, uma vez que dentre os propósitos da legislação está aquele que visa garantir o direito social à moradia.
Assim, nas palavras de Vitor Kümpel, a qualificação registral da CRF é especial […] na medida em que se sujeita à regras registrais próprias e a questões procedimentais únicas exauridas na lei 13.465/17 […]
Exatamente por existirem regras registrais próprias, que visam os propósitos da própria lei, continua o autor:
E se a própria lei, com o fim de garantir ao interessado seu direito social à moradia, flexibiliza essas regras, os mais recentes Códigos de Normas dos Estados acompanharam esse espírito. Cite-se como exemplo de flexibilização da especialidade subjetiva aquela prevista no Código de Normas de São Paulo, que estabelece que a ausência da qualificação completa do proprietário do imóvel objeto de Reurb não impede seu prosseguimento.
Sendo ass, ainda que não seja possível se obter determinado dado do proprietário para efeitos de sua notificação, caso possa ele ser identificado por outras formas, deve haver o prosseguimento do procedimento.
Já o Código de Normas de Minas Gerais traz um exemplo de flexibilização da especialidade objetiva. Apesar de estabelecer que a identificação e caracterização da unidade imobiliária derivada de parcelamento de solo seja feita com a indicação de sua área, medidas perimetrais, número, localização e nome do logradouro para o qual faz frente e, se houver, a quadra e a designação cadastral, apresenta a ressalva de que a ausência desses elementos não obstará o registro da CRF e da titulação final quando o registrador puder identificar com exatidão a unidade regularizada, por quaisquer outros meios.
Não obstante o espírito da lei 13.465/17, há aqueles Códigos de Normais estaduais que ainda não contam com capítulo específico acerca do registro da CRF, tampouco com tipificações pontuais acerca dessa flexibilização. Assim, questiona-se: a falta de amparo no provimento Estadual acerca da flexibilização da especialidade seria um óbice à flexibilização e consequente registro do título?
A nosso sentir, a resposta que mais se adequa ao espírito da regularização fundiária é que a ausência de provimento com a flexibilização não pode obstar o registro da CRF no fólio real. Esse posicionamento possui fundamento no espírito que a lei 13.465/17 trouxe para a regularização fundiária, conferindo o direito social à moradia ao ocupante desses núcleos. Tanto nos casos de Reurb-S quanto nos casos de Reurb-E.
Corroborando com este entendimento, cite-se recente decisão do juízo de primeiro grau de Ponte Nova/MG. Na oportunidade, ainda sob a égide da lei 11.977/09, foi apresentada dúvida pela registradora de imóveis decorrente de pedido de averbação de auto de demarcação urbanística para a realização de Regularização Fundiária. Dentre as questões controvertidas que se apresentaram, estavam a divergência dos ocupantes dos lotes com o projeto apresentado e a divergência da quantidade de lotes que seriam regularizados. A dúvida fora julgada procedente pelo juiz, que entendeu que a averbação deveria ser autorizada, tendo em vista o interesse social “a moradia a ser resguardado aos moradores da localidade”.
Portanto, ainda que o Código de Normas Estadual não preveja possibilidade de flexibilização, a lei Federal o faz. E mais, o próprio espírito da norma possibilita ao registrador, no caso concreto, realizar a qualificação registral se fazendo presente a garantia do direito social à moradia do ocupante.