Irmãos unilaterais possuem legitimidade ativa e interesse processual para ajuizar ação com o objetivo de reconhecer parentesco com irmã já falecida, mesmo que a paternidade dela não tenha sido reconhecida pelo pai, também já morto.
 
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu parcial provimento ao recurso especial ajuizado por dois irmãos contra a decisão da Justiça Estadual de São Paulo, que indeferiu inicial da ação de reconhecimento judicial de relação de parentesco.
 
A decisão foi unânime, conforme voto da relatora, ministra Nancy Andrighi. Ela foi acompanhada pelos ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.
 
O tema é inédito no tribunal em razão da especificidade da situação em julgamento. Os dois autores da ação são filhos biológicos de um homem que manteve relação extraconjungal na qual teve uma filha cuja paternidade supostamente existente jamais foi reconhecida.
 
O pai faleceu em 1983. A filha morreu em 2013 sem deixar ascendentes ou descendentes — apenas irmãos por parte de mãe, os quais ajuizaram ação de inventário, se apresentando como os únicos herdeiros.
 
A ação apreciada pelo STJ foi ajuizada pelos dois autores com o objetivo de reconhecer o parentesco entre eles e a suposta irmã, de modo que se tornem aptos a herdar parte do patrimônio deixado por ela após sua morte.
 
O juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de São Paulo indeferiram a inicial por ilegitimidade ativa, falta de interesse processual e impossibilidade jurídica do pedido. No STJ, a 3ª Turma reformou o acórdão.
 
Relatora, a ministra Nancy Andrighi entendeu que os autores são parte legítima para propor a ação porque se dizem titulares do direito subjetivo material cuja tutela se pede e porque a ação trata de direito próprio.
 
Eles seriam parte ilegítima se, por exemplo, ajuizassem a ação para reconhecer o parentesco entre o pai e a filha. O fato de ação mirar o reconhecimento do parentesco entre irmãos — o que, consequentemente, confirmaria o parentesco entre pai e filha — não serve para impedir sua tramitação.
 
A ministra também entendeu presente o interesse processual, já que a via adequada para reconhecer esse parentesco é mesmo a ação autônoma que possa atender ao propósito específico do processo.
 
Já a questão da possibilidade jurídica do pedido é um resquício do Código de Processo Civil de 1973 (artigo 267, inciso VI) — a versão de 2015, em vigor, não prevê essa condição quando trata do tema, no artigo 485, inciso VI. A doutrina indica que esse requisito é uma parcela do mérito em discussão no processo.
 
“Em se tratando de postulação de direito autônomo à declaração de existência de relação de parentesco natural entre pessoas supostamente pertencentes à mesma família, calcada nos direitos personalíssimos de investigar a origem genética e biológica e a ancestralidade (corolários da dignidade da pessoa humana) e do qual pode eventualmente decorrer direito de natureza sucessória, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, vedação para a pretensão deduzida”, concluiu a relatora.
 
Clique aqui para ler o acórdão
REsp 1.892.941