O Diretor executivo da Unibes Cultural, conselheiro cultural do Consulado de Portugal em SP, diretor da Arena Cultural e representante da Fundação PROA no Brasil, Bruno Assami, atua há40 anos no terceiro setor, mesmo antes de existir formalmente esse conceito na sociedade contemporânea. Trabalhando como dirigente de organizações culturais de peso, já passou pelo Itaú Cultural, Instituto Tomie Ohtake, Masp entre outras. Além disso, atua como consultor empresarial de algumas empresas e como conselheiro de diversas organizações da sociedade civil(sustentabilidade, educação, refugiados, PCV).
Em entrevista exclusiva ao Jornal do Notário, o especialista, que participou recentemente da live promovida pelo CNB/SP sobre “Responsabilidade Social e marketing para Cartórios”, explica como enxerga uma entidade de classe como o CNB/SP que trata de uma agenda social/filantrópica (projeto Legado Solidário)sem buscar exatamente um “ganho social corporativo”, discorre sobre a mentalidade brasileira em relação à prevenção como algo fundamental à saúde e analisa o que pode ser construído para que os cartórios possam evoluir como instituição. “Nós sempre estaremos falando da mudança da cultura organizacional – esse é o ponto de partida para a mudança de qualquer perspectiva. Não seria diferente para uma entidade de classe que reúne uma categoria bastante longeva dentro da sociedade”, pontuou. “Na medida em que você toma essa iniciativa você precisa saber que está tomando umpapel de responsabilidade e que, portanto, quando você se coloca nesse lugar, o outro lado também gera uma expectativa sobre oque está em pauta”. Leia ao lado a entrevista na íntegra:
Jornal do Notário: O senhor poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória profissional?
Bruno Assami: Há 40 anos eu atuo no terceiro setor – mesmo antes de existir formalmente esse conceito na sociedade contemporânea –, sempre muito focado na área de cultura e, nos últimos anos, enveredando para outros setores do desenvolvimento da sociedade. Eu trabalho como dirigente de organizações e já passei pelo Itaú Cultural, Instituto Tomie Ohtake, Masp, e atualmente acumulo quatro organizações: sou diretor executivo da Unibes Cultural, diretor executivo da Arena Cultural do Hospital do Amor (Barretos), sou conselheiro cultural do Consulado Geral de Portugal em São Paulo e representante da Fundação Proa no Brasil. Além disso, atuo como consultor empresarial de algumas empresas onde contribuo para essa visão da estratégia corporativa na área do desenvolvimento social vocacionada para a empresa e seu papel social e na sua relação com o seu entorno (sua comunidade e todo o seu stakeholder). Também tenho atuado como conselheiro de diversas organizações da sociedade civil, das quais algumas ligadas à área de sustentabilidade, outras à de educação, outras à de refugiados, e outras à área de PCV. Ou seja, trabalho com uma agenda bastante ampliada na questão do desenvolvimento humano com essas outras agendas institucionais.
Jornal do Notário: Como enxerga uma entidade de classe como o CNB/SP que trata de uma agenda social/filantrópica (projeto Legado Solidário) sem buscar exatamente um “ganho social corporativo”?
Bruno Assami: Essa agenda que tem surgido de uma forma mais estruturada tanto por entidades de classe quanto pelas empresas ou por organizações setoriais são resultado de um processo de amadurecimento de longos anos. Desde o primórdio dos conceitos filantrópicos a essa atuação mais planejada dessas estruturas organizacionais contemporâneas é fruto de um processo de um papel social que esse setor entende como parte do processo de desenvolvimento dos conceitos democráticos. Essa agenda tem se tornado cada vez mais potente por parte dessas iniciativas nos seguintes aspectos: primeiro, pela quantidade de empresas e de entidades de classe que têm entendido o seu papel e procurado, com isso, desenvolver uma profissionalização desse seu papel. Evidentemente que é uma agenda de cunho de interesse público, pelo próprio objetivo dessa questão, mas também se começa a perceber que tal atividade cria um lastro e um impacto à cultura organizacional de uma forma mais genuína, mais verdadeira, para o seu desenvolvimento como um todo. Os colaboradores começam a perceber isso na mensagem, começam a ver ações nas quais eles também são envolvidos, esses valores começam a ser implantados dentro da estrutura organizacional, há uma expectativa por parte desse desenvolvimento de uma forma mais representativa e intrínseca não só à área institucional como também à área de negócios. Ou seja, é uma agenda que vai amadurecendo cada vez mais ao longo do tempo.
Quando, por exemplo, surgem novos indicadores que parametrizam esses conceitos – como agora, o que está na moda, o ESG – é um indicador que, dentro de um contexto histórico, é fruto de outros indicadores que foram estabelecidos lá atrás. Esses sistemas avaliativos e de controle, de aferições, impacto etc, têm surgido a medida que o sistema econômico e a sociedade percebem isso como algo relevante, de importância não só ao negócio, mas também ao que ela representa na sociedade.
Essa construção desse papel social da empresa não é meramente um aspecto de percepção – o que já foi anteriormente. Como analisei antes, teve momentos em que a empresa achou que isso estava intrinsecamente ligado a uma boa percepção de imagem e trabalhou dentro dessa perspectiva. Hoje você percebe que estamos falando de uma agenda mais ampliada sobre esses conceitos porque impacta, em muitas situações, ao negócio. Essa grande transformação tem sido um desafio para todas as instâncias da sociedade. O pano de fundo de tudo isso é que estamos percebendo que a sociedade é uma coisa só, não existe uma dissociação de expectativas e de construção de princípios democráticos e civilizatórios sem a participação da sociedade civil, das empresas e, obviamente, do governo que alinha todas essas demandas e expectativas da sociedade.
Jornal do Notário: É possível aplicar uma estratégia menos organizada ou planejada como a das grandes empresas e, ainda assim, ocupar um lugar de relevância no desenvolvimento social?
Bruno Assami: Quando nós pensamos em um país tão cheio de desafios como o Brasil é claro que você sempre vai encontrar demandas imediatistas, de curto prazo, locais, pontuais…. Quer dizer, é uma situação que o próprio contexto social nos mostra. Mas se você não tiver um planejamento, uma visão, não deixa também de ser um certo esforço que pode mudar muito pouco o cenário daquela iniciativa, fazendo com que a iniciativa acabe ficando circunscrita a ela mesma, e não ao contexto e ao cenário em que ela está inserida.
Colocando de uma forma mais clara: claro que você pode ter um programa de apoio ao usuário. Agora, se você não busca trazer esse usuário para uma condição autônoma, com essa iniciativa, pode estar condicionando uma perpetuação de vida que você poderia estar mudando. Eu acho que nesse sentido sim – um investimento, não é que ele deixa de ser relevante, mas ele tende a ter essa condicionante. É aí que eu gostaria de ponderar. Evidentemente que existem segmentos do desenvolvimento da sociedade que pouco poderão ser desenvolvidos com autonomia. Nesse caso, o cordão de proteção que a empresa ou organização pode construir é de suma relevância para aquele indivíduo ou ambiente de vulnerabilidade. Agora, essas são questões que têm que ser refletidas antes de simplesmente você construir esse diálogo e essa atividade. Na medida em que você toma essa iniciativa você precisa saber que está tomando um papel de responsabilidade e que, portanto, quando você se coloca nesse lugar, o outro lado também gera uma expectativa sobre o que está em pauta. Se está em pauta uma situação de dependência, é importante que essa construção esteja dentro do alinhamento das estratégias e das expectativas.
Jornal do Notário: O senhor definiu o Arena Cultural (projeto do Hospital do Amor) como “um centro de reflexão sobre a prevenção do câncer de uma perspectiva ligada à saúde pública”. Como alterar a mentalidade do Brasil em relação à prevenção como algo fundamental ao desenvolvimento da saúde?
Bruno Assami: Os especialistas afirmam que grande parte das condições de melhora dos indicadores não somente ao tratamento quanto ao crescimento de doenças graves enquadradas na OMS se dão por diagnósticos tardios, ou seja, por uma cultura não preventiva. Esses apontamentos já nos mostram a real importância da medicina preventiva como um fator fundamental para o desenvolvimento não só ligada à saúde, mas também à economia e ao desenvolvimento sustentável dessa sociedade. Então é uma matéria prima que deve ser olhada de uma forma bastante ampla à sua discussão e à sua importância pois estamos falando de vidas, de um lado, e também estamos falando de desenvolvimento sustentável de uma nação, de um país. O Hospital do Amor, em Barretos, traz essa agenda como estratégica ao seu desenvolvimento. Em que sentido? Cada vez as demandas das doenças têm surgido em suas unidades hospitalares, hoje já bastante ampliada pelo Brasil. A melhora desse atendimento não implica em uma diminuição ao atendimento. Pelo contrário. Cada vez mais os estudos têm revelado que existe um crescimento bastante grande, na contemporaneidade, dessa doença especificamente na população, que é o câncer. Portanto, há uma gravidade não somente na saúde pública, mas também na economia do país. E essas questões devem ser aprofundadas e sistematizadas em programas que ajudem a todos, como sociedade, a melhorar sua qualidade e relevância de vida e econômica do país. O que eu percebo nesse sentido é que temos uma enorme jornada para poder percorrer como desafio. Nesse sentido, é um privilégio poder estar à frente de um programa como este.
Jornal do Notário: A Unibes Cultural atua em diversos eixos do desenvolvimento (Direitos Universais ONU): saúde, educação, moradia, trabalho e cultura com o objetivo de garantir a autonomia do indivíduo diante da sociedade. O senhor enxerga a filantropia por meio de legados deixados em testamentos extrajudiciais como uma agenda extensiva a este indivíduo?
Bruno Assami: Esse indivíduo autônomo é como um despertar de consciência. Quão mais você ilustrado e lúcido sobre o seu papel no desenvolvimento de uma sociedade, sobre o seu papel de pertencimento a uma comunidade, como um agente de transformação – o seu papel de autonomia diante essa sociedade, frente aos desafios que ela impõe –, eu diria que é quase que um processo natural os testamentos extrajudiciais com uma extensiva ao papel social. Na medida em que ele começa a ter mais consciência do seu papel e da sua responsabilidade ao desenvolvimento dessa sociedade que tanto lhe oferece e tanto lhe exige, é uma forma quase que integrada na formação deste indivíduo a ele perceber que é intrínseco ao seu desenvolvimento. Então sim, acredito muito nesse crescimento orgânico. Sociedade com ciência = indivíduo com comprometimento com o legado.
Jornal do Notário: Como fazer o indivíduo entender que faz parte de uma comunidade para ressignificar valores agregados à vida/ morte e ao próximo? O caminho para essa desconstrução, no Brasil, lhe parece muito árduo?
Bruno Assami: De certa forma respondo na pergunta acima, mas para pontuar um aspecto importante…. Essa perspectiva vida/morte é uma perspectiva de valores de construção de uma sociedade, para você ver como é complexa essa discussão. Nós estamos falando de uma cultura da sociedade em que os conceitos de vida e de morte não têm sido debatidos nem conscientizados. Como podemos perceber em vários estudos, muitos dos pensamentos sobre esse tema estão dissociados um do outro – o que nos parece ser bastante estranho na medida em que só existe vida quando existe morte e só existe morte quando existe vida. Portanto, um e o outro estão intrinsecamente ligados. Se este indivíduo e esta sociedade não associa esses dois conceitos/fatos de sua evolução, é uma construção que deve ser minimamente pautada pois a reflexão disso leva a uma visão mais comprometida e responsável não somente sobre a sua própria jornada na vida, mas, também, sobre o que isso representa para ele na sua participação no desenvolvimento do seu entorno, da sua cidade.
Esse ponto me parece ser algo muito importante para a transformação desse comportamento social. O indivíduo, ao tomar ciência disso, será com certeza mais exigente consigo e com o próprio papel dessa sociedade no seu desenvolvimento.
Jornal do Notário: O que pode ser construído para que os cartórios possam evoluir como instituição? Pensar na filantropia exige uma mudança cultural estrutural?
Bruno Assami: Nós sempre estaremos falando da mudança da cultura organizacional – esse é o ponto de partida para a mudança de qualquer perspectiva nesse ponto de partida. Não seria diferente para uma entidade de classe que reúne uma categoria bastante longeva dentro da sociedade. O cartório é uma atividade centenária no Brasil, portanto, tende a ser reconhecida como parte da sociedade. Ela não está em si, ela está para o todo. Essa construção de valores organizacionais é o que vai fazer essa categoria poder construir um novo modelo de atuação. Como eu disse logo no início da entrevista, o papel das estruturas organizacionais, empresariais e setoriais têm sido cada vez mais exigidos e há uma enorme expectativa dessa atuação. Isso indiretamente ou diretamente está sendo cobrado e sistematizado indicadores de expectativas e compromissos.
Essa é uma mudança que não tem caminho de volta. Ou essas estruturas interpretam isso na sua cultura organizacional, na sua estratégia de negócio e no seu desenvolvimento de capital social ou ela ficará dissociada de uma sociedade em evolução