Empresas de gestão de ativos relatam aumento na procura pelo serviço. Especialistas alertam que medida não se restringe apenas a milionários
 
Com tantas mortes prematuras, a pandemia aumentou a procura por planejamento e sucessão patrimonial nas empresas de gestão de ativos, escritórios de advocacia e bancos. Agora, a perspectiva de mudanças na tributação da renda com a reforma tributária acelera esse movimento.
 
Em alguns desses escritórios que cuidam da gestão do patrimônio, a procura pelo serviço aumentou cerca de 100% desde o ano passado e se mantém em alta em 2021.
 
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Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), este ano, a respeito dos impostos sobre Transmissão Causa Mortis, Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) e sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) estimularam a busca por ajuda com o patrimônio, dizem especialistas.
 
— A pandemia trouxe à pauta esse tema delicado que é a finitude. Uma das grandes barreiras para organizar o patrimônio entre os herdeiros é exatamente discutir sobre a morte. E o projeto de reforma tributária trouxe ainda mais preocupação — diz Frederico Bastos, professor do curso de Direito do Ibmec de São Paulo e advogado especializado em planejamento patrimonial.
 
O interesse também se reflete no número de testamentos registrados em cartórios, que subiu 41,7% no primeiro semestre de 2021. Foram 17.538 documentos lavrados, contra 12.374 no mesmo período de 2020.
 
Outro documento que expressa os desejos de uma pessoa caso ela fique incapaz por conta de uma doença ou acidente, a Diretiva Antecipada de Vontade (DAV) ou Testamento Vital, teve aumento de 65% de janeiro a junho deste ano comparado a igual período de 2020, segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB).
 
— Esse movimento cresceu na pandemia, pois surge o receio de briga entre os herdeiros, eventual má administração do patrimônio, desejo de beneficiar alguém que não seja herdeiro por lei ou até nomear tutor para filhos menores — diz Claudia Stein, doutora em Direito Civil.
 
Empresas familiares
 
O caso do apresentador Gugu Liberato, cuja morte inesperada em 2019 desencadeou uma disputa entre seus filhos e a mãe deles, que tenta provar a união estável, é um exemplo recorrente dos especialistas para ilustrar a importância de organizar corretamente o que será dos bens na falta do dono ou se este ficar incapaz de geri-los.
 
Isso vale para imóveis, fundos de investimento, participações societárias em empresas e outros ativos. É a chance de antecipar decisões como quais dos sócios de uma mesma família vai tomar as decisões na empresa se um deles morrer.
 
Um inventário antecipado dos bens e um plano de como eles devem ser divididos ajuda a reduzir as chances de dilapidação do patrimônio, diz Luciana Bragança, responsável pela área de Planejamento Patrimonial do Santander Private Banking. O banco atua inclusive na educação financeira de clientes e seus herdeiros.
 
— Fazer doações, testamento, estruturar a governança de uma empresa são caminhos para evitar brigas familiares, perpetuando os bens para as próximas gerações — diz Luciana, que notou um aumento de mais de 50% no movimento de clientes em busca desse serviço desde o ano passado.
 
O professor do Insper Luis Gustavo Haddad concorda. Mas observa que, em muitos casos, o que a lei determina sobre o patrimônio atende ao propósito de muitas famílias. A lei brasileira exige que 50% do patrimônio sejam repassados para pais, filhos e cônjuges. O restante é que pode ser deixado para outros:
 
— Muito patrimônio é perdido quando não há planejamento sobre o destino dele.
 
Não é só para milionário
 
O advogado Alamy Cândido, sócio do escritório Cândido Martins Advogados, que atua com planejamento e sucessão patrimonial, conta que, na própria família, o assunto começou a ser tratado em 2006. Com atuação na produção de cana, o clã começou a organizar como ficariam os negócios na falta do patriarca.
 
— Somos quatro irmãos, além de minha mãe. Quando meu pai faleceu em 2016, não houve problema entre os herdeiros. Tudo já estava organizado — conta ele, que calcula que o interesse pelo serviço em seu escritório tenha crescido 100% desde o ano passado.
 
Para o advogado, quem está preocupado com a reforma tributária deve ter cautela. Ele tem recomendado que os clientes aguardem um pouco para avaliar quais medidas podem ser aprovadas ou não.
 
Sigrid Guimarães, presidente da Alocc, uma gestora de patrimônios, observa que muita gente acredita que a sucessão patrimonial é “assunto de milionário”. Ela diz que isso é um erro. Qualquer pessoa que possua algum patrimônio, mesmo que seja um imóvel onde mora ou uma casa na praia, deveria pensar no assunto o quanto antes.
 
— Se a pessoa tem uma casa ou um fundo de investimento já faz sentido pensar sobre o assunto — diz Sigrid.
 
O preço desse tipo de consultoria varia conforme a complexidade de cada caso, explica Sigrid. Normalmente, é cobrado um “preço fechado”. O custo do processo de inventário, pela tabela da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pode variar de 2% a 12% do patrimônio. Num inventário de R$ 500 mil, por exemplo, o custo ficaria entre R$ 10 mil e R$ 60 mil.