Na semana passada, foi veiculado pela imprensa o nascimento de uma criança 14 meses após a morte do pai. O caso envolveu um casal americano, Sarah e Scott, que optou por realizar a fertilização assistida em Barbados, em razão do alto custo financeiro desse procedimento nos Estados Unidos. No entanto, após um ataque cardíaco fulminante, Scott faleceu. O casal já havia tentado diversas vezes a fertilização in vitro e infelizmente não conseguiu realizar junto o sonho de serem pais.
 
Uma semana depois da morte de Scott, a clínica de fertilização informou Sarah de que havia mais um embrião saudável. Sarah decidiu realizar sozinha o sonho do casal e teve esse filho, que nasceu 14 meses após a morte do pai. No caso de Sarah e Scott vale esclarecer que, quando eles foram à clínica e preencheram os formulários, deixaram claro que um ou o outro poderia fazer o que bem entendesse com os embriões.
 
E no Brasil, como essa situação se daria?
 
Aqui, o nosso Código Civil, no inciso III do artigo 1.597, determina que: “III — havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido”; e no inciso V reza o seguinte: “IV — havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”.
 
Verifica-se, pois, que a legislação civil brasileira, apesar de aparentemente somente exigir a autorização prévia do marido (cônjuge ou companheiro ou companheira), nos casos de inseminação artificial heteróloga, conforme veremos adiante, essa autorização prévia será igualmente imprescindível quando se tratar da inseminação artificial homóloga post mortem.
 
Com efeito, em apertadíssima síntese, inseminação artificial homóloga é quando o material genético pertence ao casal; e a inseminação artificial heteróloga é quando o material genético pertence a um terceiro.
 
Em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, por meio da sua 4ª Turma, por maioria, com voto prevalente do ministro Luís Felipe Salomão, entendeu-se que a reprodução póstuma é possível, desde que haja prévia e específica autorização do falecido para o uso do material biológico criopreservado.
 
Segundo o ministro Salomão, o Código Civil é omisso quanto à possibilidade de utilização do material genético de pessoa falecida. Salomão cita ainda a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.168/2017, o Provimento do Conselho Nacional de Justiça nº 63/2017 e, por fim, o Enunciado do Conselho da Justiça Federal nº 633; todas as normas administrativas mencionadas exigem o consentimento prévio e específico da pessoa falecida para o uso do seu material genético.
 
Prosseguindo, nos termos da supracitada decisão do Superior Tribunal de Justiça, o contrato de prestação de serviços com o hospital, estipulando que, no caso de morte de um deles, os embriões ficariam com a custódia do outro, não seria considerado declaração inequívoca de que um ou outro pudesse utilizar o material genético post mortem, entendendo, portanto, de forma diversa da do hospital em Barbados.
 
Conforme podemos constatar, o Provimento CNJ nº 63/2017 tratou da reprodução assistida post mortem, abrangendo a reprodução homóloga e a heteróloga, bem como, de forma acertada, fez menção ao material genético do falecido ou da falecida, determinando também que nessas situações o falecido ou a falecida deverá prévia, específica e expressamente autorizar o uso do seu material genético após a sua morte.
 
Tanto a nossa legislação infraconstitucional como a administrativa estabelecem a forma livre para que essa autorização para material genético se dê após a morte. Ou seja, essa autorização poderá ser dada por meio de uma escritura declaratória, um testamento público ou particular e, no caso de instrumento particular, este deverá ter a firma reconhecida.
 
Sem dúvida nenhuma, a reprodução assistida post mortem suscita inúmeras controvérsias, i.e., a questão do prazo de dois anos para concepção do herdeiro esperado (§4º, do artigo 1.800, do Código Civil); a questão da capacidade para suceder, prevista no artigo 1.798 do Código Civil; a ação de petição da herança, nos termos do artigo 1.824 do Código Civil, entre outras, que deverão ser solucionadas por meio da nossa jurisprudência ou nova lei, pois, como já dito anteriormente, o nosso Código Civil é lacônico no que diz respeito a esse tema.
 
Dessume-se, portanto, que a declaração para o uso do material genético após a morte, além de ser expressa e inequívoca, de lege ferenda, deverá igualmente estabelecer um prazo para esse uso, pós-falecimento, de material biológico, em apreço ao princípio da segurança jurídica, considerado como direito e garantias fundamentais, sob a ótica do inciso XXXVI, do artigo 5º, da Constituição da República.
 
Conquanto nosso ordenamento jurídico não obrigue a forma pública, o ideal para a segurança jurídica e a concretização da vontade das partes é que esse documento seja exarado em um tabelionato.
 
E as razões são bem simples: o documento público, lavrado pelo tabelião de notas, trata-se de um documento dotado de fé pública, que faz prova plena, a teor do artigo 215, do Código Civil brasileiro, garantindo a identidade e a capacidade da parte.
 
Isso quer dizer que o instrumento público confere extrema segurança e somente será declarada a sua nulidade ou anulabilidade se provado algum vício que o acometa.
 
Outra vantagem do instrumento público é que você poderá perder a certidão do seu testamento ou da sua escritura declaratória, ou esta poderá sofrer algum dano que a deteriore, no entanto, isso não será problema, pois bastará se dirigir ao tabelionato que lavrou o testamento ou a escritura em questão e pedir uma nova certidão, vide inciso II do artigo 425 do Código de Processo Civil e artigo 217 do Código Civil brasileiro.
 
Essa nova certidão terá o mesmo valor do original.
 
Certamente, a declaração autorizando o uso de material genético após a morte do declarante é de extrema importância, não devendo, portanto, ser efetivada de forma imprudente, suscitando questionamentos e indesejáveis ações judiciais.