Mais de 37 mil casais se separaram oficialmente entre janeiro e junho deste ano. De acordo com especialistas, excesso de convivência fez com que problemas já existentes ficassem ainda mais aflorados
 
O distanciamento social provocado pela pandemia impôs novos desafios aos casais e muitos deles acabaram optando pela separação. De acordo com levantamento do Colégio Notarial do Brasil, entre janeiro e junho de 2021, o país registrou 37.083 divórcios, número 24% maior do que o contabilizado no primeiro semestre do ano passado.
 
Em todo ano de 2020, o registro foi de 76.175 divórcios, 1,5% a mais do que em 2019, quando 75.033 casais decidiram oficializar a separação.
 
Também houve um crescimento no número de casamentos, com uma elevação de 28% em 2021 em relação ao primeiro semestre do ano passado – foram 372.077 registros entre janeiro e junho deste ano, segundo a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). Mas como as grandes festas foram proibidas no auge da pandemia, esse número ainda está longe das 457.139 uniões oficializadas entre janeiro e junho de 2019.
 
Psicóloga e mentora de relacionamentos, Valéria Silveira explica que o excesso de convivência imposto pela pandemia fez com que problemas que já existiam entre os casais ficassem ainda mais aflorados. “Em muitos casos, as pessoas passavam boa parte do tempo fora de casa e só se viam ao fim do dia. Mal tinham tempo para se ver e conversar. Mas a pandemia fez com que eles passassem a ter o dia todo para conviver”, observa.
 
Segundo ela, problemas que antes não eram tão aparentes no relacionamento ficaram mais evidentes no momento em que o casal passou a conviver com maior intensidade. As tarefas domésticas, o cuidado com os filhos e a insegurança econômica são alguns pontos que levaram alguns casais a rever o relacionamento.
 
“Para um casal fazer o trabalho de reconstrução da relação e ter um resultado satisfatório, é necessário ter uma intenção clara e disposição. O problema é que normalmente os casais só buscam ajuda quando a situação já está muito complicada”, afirma Valéria.
 
Na intimidade, problemas se afloram
 
Uma professora de 43 anos, que preferiu não se identificar, espera assinar os papéis do divórcio em breve. Ela e o marido, com quem foi casada por sete anos, decidiram pela separação em fevereiro. A professora conta que a pandemia acabou acelerando um processo de separação que aconteceria de qualquer maneira. “Nós não estávamos bem e, quando ficamos confinados, tivemos a certeza de que era melhor seguir separados. Mas eu acho que, mesmo sem a pandemia, em algum momento chegaríamos a essa posição”, relata.
 
A realidade desse casal é compartilhada por muitos outros, de acordo com o advogado Ronner Botelho, assessor jurídico do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). “Houve um acréscimo nos processos de divórcio porque na intimidade os conflitos aparecem mais. Às vezes, uma pessoa já tinha a separação em mente, mas não tinha coragem para se divorciar. Na convivência mais intensa, enxerga um motivo para uma decisão mais definitiva”.
 
O especialista lembra a Emenda Constitucional nº 66 facilita o processo de divórcio no país desde 2010. A lei acabou com a exigência de uma separação prévia e permitiu que uma pessoa pudesse desejar o divórcio mesmo que a outra parte não concordasse.
 
Para os atritos, há mediação
 
Embora a pandemia tenha colocado muitos desafios aos casais, a grande maioria dos divórcios continua acontecendo de maneira amistosa, de acordo com o juiz Clayton Rosa, coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) de Belo Horizonte. Segundo ele, a demanda de casos litigiosos tende a ser a mesma do período pré-pandêmico.
 
Mas ainda tem uma parcela que briga na Justiça por patrimônio e guarda dos filhos. “O problema é que, em alguns casos, as pessoas têm dificuldade de equacionar a questão do término, da mágoa que fica. Quando essas questões estão mais afloradas, chamamos as partes para uma mediação”, relata o juiz. “Entre esses casos, costuma haver disputa de guarda, estabelecimento de convivência com o genitor que saiu de casa e o valor da pensão, que é mais complicado no momento porque muitas pessoas estão com dificuldade para conseguir o mínimo”.
 
Mulheres querem maior participação dos maridos
 
Uma das referências em direito de família do país, a ex-desembargadora Maria Berenice Dias explica que no primeiro semestre de 2020 houve uma redução no número de divórcios no país porque muitos casais decidiram tentar um processo de conciliação durante o confinamento.
 
Mas a diferença de papéis acabou gerando embates durante o isolamento. Em boa parte das famílias, à mulher cabe o cuidado da casa e dos filhos, enquanto o homem costuma ter maior liberdade para sair de casa e ver os amigos. Consequentemente, houve uma elevação no número de divórcios a partir de meados do ano passado.
 
“Na pandemia, houve um embaralhamento de papéis e as mulheres buscaram por uma maior participação dos homens, especialmente no cuidado dos filhos”, explica Maria Berenice. “O movimento feminista nos levou ao espaço público, ao mercado de trabalho, à independência e à liberdade sexual, mas não tivemos a contrapartida dos homens. Eles não mudaram o comportamento e isso gera atritos”.
 
Para a jurista, a redução das condições econômicas, especialmente das mulheres, e a violência doméstica também foram fatores que interferiram no aumento de separações.