Nos termos da Lei 6.858 de 1980, quando o empregado possui verbas oriundas das relações de trabalho para receber, após sua morte, a legitimidade para pleitear os valores pertence apenas aos dependentes habilitados perante a Previdência Social, sendo que apenas na sua falta é que a legitimidade passa a ser dos sucessores previstos na lei civil.
 
Ou seja, pelo que preconiza o artigo 1º da Lei 6.858/1980, somente inexistindo dependente habilitado perante a Previdência Social é que os sucessores civis terão legitimidade para receberem os créditos trabalhistas do falecido.
 
Não obstante a disposição legal sobre a sucessão dos créditos trabalhistas dos empregados, este tema possui ampla divergência doutrinária e jurisprudencial, em especial quando o dependente habilitado perante a Previdência Social não é o único herdeiro do falecido, considerando que o dependente irá automaticamente excluir o direito de herança dos demais legitimados sucessórios. Os valores provenientes de uma Reclamatória Trabalhista podem, por exemplo, serem destinados exclusivamente à viúva, ainda que o falecido tenha deixado outros herdeiros, como por exemplo, filhos.
 
É fato que a Lei 6.858/1980 foi promulgada na vigência do Código Civil de 1916. Todavia, é fato também que a superveniente e nova redação do Código Civil de 2002 nada dispôs sobre a sucessão de créditos trabalhistas, como fez de forma exclusiva a Lei 6.858/1980. Ou seja, pelo princípio da especificidade previsto no art. 2ª, §2º da LINDB, não tendo o novo Código Civil disposto de forma específica sobre a sucessão dos créditos trabalhistas do empregado, a prevalência da Lei 8.658/1980 é imperativa.
 
Todavia, importante observar que a Lei 6.858/1980 também foi promulgada antes da atual Constituição Federal de 1988. Neste caso, não há que se falar ou discutir sobre eventual inconstitucionalidade das disposições legais, mas sim em recepção ou não do texto legal, ou seja, a análise da sua compatibilidade ou incompatibilidade com a nova realidade da constituição.
 
E é justamente sobre a incompatibilidade das disposições legais da Lei 6.858/1980 com a Constituição Federal de 1988 que mora a problemática, posto que a CF/88 garante o direito de herança aos sucessores e a Lei 6.858/1980 os excluí no caso de existência de dependente habilitado perante a Previdência Social.
 
Na prática, vemos duas posições jurisprudenciais sendo conduzidas por dois diferentes tribunais. A Justiça Especializada, ou seja, a Justiça do Trabalho, tem vasta jurisprudência no sentido de que os créditos trabalhistas decorrem de verbas de natureza salarial que visa suprir as necessidades básicas do empregado e de seus dependentes e sendo esta a natureza jurídica da parcela, justa a exclusão dos demais herdeiros sucessórios e incabível a remessa desses valores ao juízo de sucessões para a partilha com os demais herdeiros do falecido[1].
 
A Justiça Comum, em contrapartida, defende que todos os herdeiros possuem legitimidade para o recebimento dos créditos trabalhistas quando estes representam quantias vultosas. A justificativa para tal entendimento se dá em razão da análise dos objetivos buscados quando da criação da Lei 6.858/1980. Isto porque, a Lei 6.858/80 fazia parte do “Programa Nacional de Desburocratização”, instituído pelo Decreto 83.740/79 que tinha com o objetivo, conforme artigo 3º, “b”, facilitar o acesso das pessoas de modestos recursos aos créditos salariais. Para tanto, supriu-se a necessidade de abertura de inventário ou de arrolamento das verbas supramencionadas devido ao seu demorado e dispendioso procedimento, já que os gastos poderiam superar os valores a serem recebidos.
 
Justamente em razão do conflito de entendimento entre os dois diferentes tribunais é que o STJ enfrentou repetidamente julgamentos em Conflito de Competência entre a Justiça Especializada – onde tramita a Reclamatória Trabalhista – e a Justiça Comum – onde tramita o processo de inventário – se posicionando no sentido de que as verbas trabalhistas, por constituírem patrimônio do de cujus, é direito de todos os herdeiros, ainda que estes não sejam dependentes do falecido.
 
Seja dando uma interpretação à lei que transcende o texto legal, como faz a Justiça Comum, seja considerando os créditos trabalhistas patrimônio do de cujus e, portanto, sujeitos a partilha, como faz o Superior Tribunal Justiça, fato é que ainda existe divergência jurisprudencial e entendimento em todos os sentidos e em diferentes tribunais.
 
O que não se pode perder de vista é a análise crítica acerca da compatibilização ou não das disposições contidas na Lei 6.858/80 em face a CF/88. É notório que a CF/88 resguarda o direito na percepção da herança a todos os sucessores, sendo assim, seria compatível uma Lei conceder apenas ao dependente habilitado perante a Previdência Social a legitimidade para o recebimento dos créditos trabalhistas? Justificar tal solução com base na natureza “alimentar” da parcela não parece razoável, ainda mais quando nos deparamos com valores vultosos obtidos em Reclamação Trabalhista.
 
Em síntese, é notório que o tema é polêmico e está longe de obter um consentimento doutrinário ou jurisprudencial imediato, restando, portanto, aos pesquisadores e operadores do direito que levantem o questionamento e o estudo de tema tão relevante e pouco discutido na justiça do trabalho.