A atuação de uma mãe ao constituir advogados para defesa dos interesses patrimoniais de seus filhos no inventário do pai configura exercício do poder familiar, e é compatível com o conceito de ato de simples administração, ainda que com fixação de honorários incidentes sobre patrimônio do qual ela não é administradora.
 
Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado por dois advogados para afastar a nulidade desse contrato, reconhecida em segunda instância pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
 
O pai, falecido, determinou em testamento que a administração dos bens ficaria ao cuidado exclusivo da tia, testamenteira e inventariante do espólio.
 
A mãe, por sua vez, contratou advogados com remuneração fixada em 3% sobre o valor real dos bens móveis e imóveis inventariados. O contrato foi firmado sem autorização judicial, anuência da inventariante ou prévia oitiva do Ministério Público.
 
Para o TJ-SP, o contrato é nulo porque feriu artigo 1.691 do Código Civil, que proíbe os pais de alienar ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.
 
Por maioria apertada de 3 votos a 2, a 4ª Turma do STJ concluiu que as ações da mãe são compatíveis com o conceito de ato de simples administração, os quais não dependem de autorização judicial. Prevaleceu o voto divergente do ministro Raul Araújo.
 
Aberta a sucessão do falecido, seus filhos — menores de idade, herdeiros legítimos e testamentários — não poderiam deixar de comparecer aos autos. Para fazê-lo, precisariam de advogados. A contratação de patronos passava necessariamente pela pessoa da única legítima para representar os menores: a mãe.
 
“Com isso, afasta-se a nulidade do contrato de prestação de serviços advocatícios, em razão de vício formal, quer decorrente de ausência de legitimidade da mãe para representar os filhos menores na contratação, quer em razão de falta de prévia autorização judicial ou mesmo de outra formalidade inerente ao ato”, concluiu o ministro Raul Araújo.
 
Esse entendimento foi acompanhado pelo ministro Antonio Carlos Ferreira e pelo ministro Marco Buzzi, que proferiu o voto de desempate.
 
“Ainda que com a restrição de gestão patrimonial, o poder familiar exercido pela genitora, em caráter exclusivo, após o falecimento do pai das crianças a autorizava e impunha, nos termos do artigo 1.634, inciso VII, do Código Civil, a promover a contratação de advogados, em nome dos menores, para representar seus interesses”, disse o ministro Buzzi.
 
Melhor checar o valor
 
A batalha judicial sobre o tema começou quando os dois advogados ajuizaram execução de honorários em face da mãe e dois menores herdeiros. A tia, testamenteira e única administradora do espólio, ofereceu exceção de pré-executividade em favor dos filhos do falecido.
 
Apesar de reconhecer a validade do contrato firmado pela mãe, o voto do ministro Raul Araújo reconhece que não é possível aferir, de imediato, a validade de todo o conteúdo material da contratação.
 
Isso porque, ainda que o percentual de 3% sobre o valor dos bens inventariados esteja abaixo dos limites fixados pela OAB-SP em sua tabela de honorários de 2021, é necessário averiguar e liquidez e certeza do valor ajustado, com participação do Ministério Público e eventual arbitramento judicial.
 
Com isso, o acórdão da 4ª Turma afasta o decreto de nulidade formal do contrato de honorários advocatícios, mas mantém a exclusão dos menores do polo passivo da execução do contrato.
 
Restrições desrespeitadas
 
Ficaram vencidos o relator, ministro Luís Felipe Salomão, e a ministra Isabel Gallotti. Para eles, o caso apresenta duas restrições à contratação de advogados pela mãe dos menores.
 
A primeira decorre do artigo 1.693 do Código Civil, que exclui do usufruto e da administração dos pais os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais (inciso III) e os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão (inciso IV).
 
A segunda está no fato de o TJ/SP ter considerado a contratação em montante irrazoável, especialmente porque o contrato foi firmado quando a advogada da testamenteira já havia apresentado plano de partilha amigável.
 
“O negócio entabulado, em relação aos menores, é nulo de pleno direito, pois efetivado em valores totalmente desarrazoados e em desobediência à lei, por se tratar de bens que estavam fora da administração materna, sem que houvesse a prévia oitiva do Parquet, sem anuência da inventariante e gestora do patrimônio e, principalmente, sem a autorização judicial”, disse o ministro Salomão.
 
“Esse contrato de honorários foi feito pela mãe dos menores sem a autorização da inventariante, que estava na administração dos bens do espólio; sem ouvir o Ministério Público; sem a autorização judicial, onerando exatamente esses bens que eram objeto do inventário”, concordou a ministra Gallotti.
 
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REsp 1.566.852