A obrigação de devolver recursos eleitorais aos cofres públicos não pode ser transmitida a herdeiros se o candidato que prestou contas morrer antes de ela se perfectibilizar. Se essa obrigação ainda for alvo de recurso, o falecimento leva à extinção do processo.
 
Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral extinguiu processo que discutia se o advogado e deputado federal Luiz Flávio Gomes (PSB-SP) deveria devolver dinheiro ao Tesouro Nacional e ao diretório nacional de seu partido, por irregularidades na campanha de 2018.
 
Eleito naquele pleito, prestou contas regularmente, mas as teve aprovadas com ressalvas pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. A corte paulista constatou irregularidades e determinou a devolução de R$ 7,3 mil ao Tesouro Nacional e R$ 43,4 mil ao diretório nacional do PSB.
 
Inconformado, Gomes apresentou recurso especial eleitoral contra o acórdão do TER-SP, mas morreu antes do julgamento, em abril de 2020, vítima de leucemia aguda.
 
Para a maioria encabeçada pelo relator do recurso, ministro Luiz Edson Fachin, a obrigação de restituir valores só poderia ser repassada aos herdeiros se ela estivesse perfectibilizada ao tempo da morte do candidato que prestou contas.
 
“A transmissão a terceiros de obrigação com caráter sancionatório pressupõe a formação definitiva de sua culpa, não sendo tolerável que esse procedimento se opere sem a sua presença, em vista do falecimento. A violação ao contraditório e à ampla defesa seria manifesta, com atingimento indevido do patrimônio a ser transmitido, o que não se pode admitir”, afirmou.
 
Como o candidato interpôs recurso contra o acórdão do TER-SP, não houve a constituição definitiva da reprimenda. Assim, não há integração ao patrimônio do candidato, sendo impossível a transmissão aos sucessores ou herdeiros.
 
Essa posição foi acompanhada pelos ministros Luís Felipe Salomão, Alexandre de Moraes, Benedito Gonçalves e Sergio Banhos. O caso teve seguidos pedidos de vista e foi encerrado em novembro de 2021, em sessão por meio eletrônico. O acórdão foi publicado em 15 de dezembro.
 
De pai para filho
 
Dois ministros ficaram vencidos. Abriu a divergência o então integrante do TSE, Tarcísio Vieira de Carvalho, para quem a obrigação é transmissível aos herdeiros, com base na Resolução 23.553/2017, vigente para o pleito de 2018 (e já revogada).
 
Ela indicava que, se o candidato falecer, a obrigação de prestar contas, será de responsabilidade de seu administrador financeiro ou, na sua ausência, no que for possível, da respectiva direção partidária. E isso seria aplicável também ao caso da obrigação de devolver verbas.
 
A divergência foi acompanhada pelo ministro Luís Roberto Barroso. Para ele, a redação da resolução do TSE afasta a natureza personalíssima da prestação de contas.
 
Também afirmou que as obrigações de restituição ao Tesouro Nacional de valores referentes a recursos de origem não identificada e de devolução ao partido político de quantias relativas a sobras de campanha não podem ser caracterizadas como obrigações de natureza personalíssima. Isso porque tais determinações não possuem caráter sancionatório.
 
“Portanto não perecem, com o falecimento do candidato, o dever de prestar contas e a responsabilidade por ressarcir à fonte os recursos irregularmente aplicados. Desse modo, deve o candidato ser substituído na prestação de contas pelo administrador financeiro ou pelo órgão partidário, indicados pela Resolução TSE 23.553/2017 para assumir esse munus por serem aqueles que mais proximamente conhecem as movimentações financeiras da campanha”, concluiu.
 
Clique aqui para ler o acórdão
0607961-81.2018.6.26.0000