A Justiça do Rio de Janeiro deferiu a medida de urgência para conceder a guarda provisória de uma menina de 10 anos ao seu padrinho, pelo período de 120 dias. Desde um ano e dois meses de vida, a menina esteve sob a guarda fática dele e da esposa – o casal era amigo do pai biológico na época do nascimento. A decisão é da 2ª Vara de Família da Comarca de Alcântara.
 
Recentemente, a mãe biológica desejou restabelecer o convívio com a criança, o que deu origem à ação. O autor pede, além da regulação da convivência, a declaração de reconhecimento da paternidade socioafetiva, na forma da multiparentalidade, e a inclusão do seu patronímico paterno no sobrenome da menina.
 
Em dezembro de 2020, morreu o pai biológico, com quem a criança também tinha pouco contato. A menina costumava conviver periodicamente com a genitora, até que esta, recentemente, passou a retirar a filha do seu ambiente familiar a fim de mantê-la consigo para prestar assistência à irmã recém-nascida.
 
Autor da ação pede guarda compartilhada
 
Nos autos, o autor sustentou ainda que a mãe biológica estaria abandonando a menina de forma moral e intelectual, culminando até em evasão escolar. A criança chegou a fugir da casa da genitora, recolhida a uma delegacia de polícia para, posteriormente, ser levada ao Conselho Tutelar, onde foi instaurado procedimento administrativo.
 
No pedido, o padrinho pleiteou o retorno da criança para o seu lar, além da guarda provisória com fixação de uma convivência assistida da genitora até a realização de estudo social do caso. Pediu, ainda, a guarda compartilhada da afilhada juntamente com a parte-ré, com fixação da residência no lar do autor.
 
Além da medida de urgência para conceder a guarda provisória por 120 dias ao padrinho, a decisão da 2ª Vara de Família da Comarca de Alcântara, no Rio, deferiu a convivência com a genitora. Ela poderá ficar com a menina em finais de semana alternados, sem pernoite, até que seja realizado estudo psicossocial do caso.
 
Amor, afeto, carinho e proteção
 
As advogadas Mariana Diaz, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – Ibdfam, e Rose Vitória, atuaram no caso. Para Mariana, a decisão liminar deverá ser mantida pelo melhor interesse da criança. “A menina mora com os padrinhos desde um ano e dois meses de vida, tendo uma relação de amor, afeto, carinho e proteção, além de todo o suporte moral, financeiro e psicológico que o padrinho sempre ofereceu.”
 
Segundo a advogada, o Código Civil de 2002 reconhece, de forma implícita, a paternidade socioafetiva em seu artigo 1.593: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Mariana acrescenta: “O legislador entendeu que a pessoa cuidar, dar carinho e estar presente diariamente na rotina de outra é o que define seu parentesco”.
 
A decisão liminar também encontra respaldo na jurisprudência. “Não é diferente o entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF, que, em seus julgados, tem mostrado apoio e reconhecimento do pai socioafetivo.” A multiparentalidade também já foi admitida, na Repercussão Geral 622 do Recurso Extraordinário – RE 898.060, de 2016. “A Corte decidiu, por maioria, que ‘a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro’, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
 
“Além de acatar a multiparentalidade, a decisão reconheceu que o vínculo de filiação existe independentemente da declaração ou não em registro. Isso nos mostra que ser o responsável legal de uma criança ou adolescente vai muito além do que um mero papel registrado em cartório”, defende Mariana Diaz, que resgata um ensinamento de Maria Berenice Dias, vice-presidente do Ibdfam, em seu Manual de Direito das Famílias:
 

O desenvolvimento da sociedade e as novas concepções da família emprestavam visibilidade ao afeto, quer na identificação dos vínculos familiares, quer para definir os elos de parentalidade. Passou-se a desprezar a verdade real quando se sobrepõe um vínculo de afetividade. A maior atenção que começou a se conceder à vivência familiar, a partir do princípio da proteção integral, aliada ao reconhecimento da posse do estado de filho, fez nascer o que se passou a chamar de filiação socioafetiva. Assim, em vez de se buscar a identificação de quem é o pai ou de quem é a mãe, passou-se a atentar ainda mais ao interesse do filho na hora de descobrir quem é o seu pai “de verdade”, ou seja, aquele que o ama como seu filho e é amado como tal.