Há um bom tempo convivemos com a presença de inúmeros empresários ou executivos estrangeiros que, no exercício de suas atividades profissionais, passaram a residir no Brasil, embora mantenham boa parte de seu patrimônio (e também parte de sua renda) em seus países de origem. No passado mais recente passamos a assistir à situação inversa: de forma bastante crescente vemos a migração de brasileiros para exterior, também mantendo o seu patrimônio (e renda) dividido entre os dois países.
 
A existência de patrimônio pessoal em vários países tem severos reflexos na forma como conduzir a sucessão. Como se pode imaginar, cada país tem a sua legislação específica em matéria de ordem de vocação hereditária (forma como o patrimônio deve ser dividido pelos herdeiros), assim como a respectiva tributação sobre a herança — normalmente mais pesada no exterior do que no Brasil.
 
Dessa forma, tem sido crescente a demanda de planejamentos e soluções para lidar com sucessão envolvendo bens distribuídos em mais de uma jurisdição.
 
Aqui trataremos dos testamentos internacionais, vale dizer, aqueles testamentos e declarações de última vontade relativas a situações conectadas a mais de um sistema legal, tais como a localização do patrimônio em países diferentes, distintas nacionalidades do autor da herança e herdeiros e, o mais importante, o domicílio das partes em países diversos.
 
O primeiro ponto ao se elaborar um testamento internacional consiste em apurar as regras aplicáveis para que a vontade do testador venha a ser implementada. No Brasil, encontramos essas regras na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42, com as alterações da Lei 12.376/2010).
 
Quanto à formalidade de um testamento feito no estrangeiro, aplica-se o artigo 9º, segundo o qual prevalece a formalidade prescrita na legislação do local em que se lavrar e constituir o testamento. Em outras palavras, para a validade formal de um testamento redigido no exterior, será necessária a observância dos requisitos formais da lei do local onde ele foi lavrado.
 
Quanto ao conteúdo do testamento, o artigo 10º determina que “a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”.
 
Como regra geral, portanto, será aplicável a lei do domicílio do testador para a definição da ordem de vocação hereditária, os percentuais da legítima e da parte disponível que caberá a cada herdeiro.
 
Por fim, quanto à competência para o processamento do inventário, o Brasil adota o princípio da pluralidade de juízos sucessórios. Segundo esse princípio, havendo bens a serem partilhados em diferentes nações, estes deverão ser inventariados em cada um deles, pois a Justiça de um país não poderá intervir nos bens que estiverem sob a jurisdição de outro.
 
Dessa forma, a Justiça brasileira apenas aceitará realizar a partilha dos bens situados no território brasileiro e não permitirá partilhar os bens que estão fora do Brasil.
 
Já é possível encontrar decisões no Brasil que tenham determinado o cumprimento de testamentos internacionais, homologando partilhas dos bens existentes em território brasileiro, mas levando em consideração os bens recebidos no exterior. Nessa hipótese, são consideradas compensadas as participações hereditárias existentes em outros países, visando a equilibrar a partilha, tendo em conta o acervo patrimonial global do testador.
 
Nesse sentido, o desafio que se coloca à prova é o de estruturar um planejamento sucessório, ou uma partilha, tomando-se em consideração o patrimônio global, haja vista que a herança é um todo unitário, não importando onde os bens se situem, respeitando a vontade do testador e permitindo a regulação detalhada de acordos de sucessão.