A venda de cotas em projetos multipropriedade alcançou R$ 28 bilhões. Projetos como o dos hotéis da bandeira Hard Rock refletem um setor em acelerado desenvolvimento
 
Ter uma casa de férias é um dos sonhos mais citados por brasileiros. Embora seja um objetivo comum, apenas 2% da população do país possui uma segunda residência utilizada para momentos de lazer. As razões são óbvias: não é barato comprar nem manter duas casas, ainda mais considerando que um lar de férias costuma ser ocupado durante poucas semanas no ano.
 
Em busca de uma solução mais cômoda (e até mais econômica), muitos brasileiros têm se tornado donos de cotas em projetos classificados como multipropriedade. De maneira simplificada, um imóvel multipropriedade é aquele que tem mais de um dono, e cada um tem direito a usufruir do bem por um determinado tempo ao longo do ano. Em geral, esses imóveis são unidades dentro de um hotel ou de um condomínio de casas de férias.
 
O modelo foi regulamentado no Brasil em 2018 e, desde então, tem ganhado tração. Segundo dados da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (ADIT), o Valor Geral de Vendas (VGV) dos projetos multipropriedade já ultrapassa os 28 bilhões de reais – é o equivalente a quase quatro anos de vendas da MRV, por exemplo.
 
O crescimento do mercado permitiu a diversificação dos projetos. Novos resorts já nascem mirando perfis diferentes de público: desde o turista que vê na multipropriedade uma alternativa “econômica” para a falta de uma casa de férias até o turista das classes A e B que deseja a comodidade do descanso em um local com infraestrutura completa.
 
A nova demanda tem atraído grandes grupos estrangeiros para o país. No caso dos otéis da marca Hard Rock que estão em desenvolvimento no Brasil, o plano é atrair o segundo grupo de clientes. A rede, que tem mais de 4.300 hoteis em 77 cidades do mundo, está definitivamente colocando a bandeira em território brasileiro.
 
Nos próximos anos, serão investidos mais de 7 bilhões de reais na construção de oito otéis em destinos como Fortaleza (CE), Natal (RN) e Campos do Jordão (SP), dos quais sete no modelo de multipropriedade. A unidade da cidade de São Paulo, localizada na Avenida Paulista, é a única que terá o perfil de hotel tradicional.
 
“O custo de aquisição e manutenção de uma casa de férias é alto, ainda mais considerando que as pessoas viajam, em média, apenas durante 17 dias do ano”, contou Samuel Sicchierolli, CEO da VCI, à EXAME Invest.
 
A VCI é a incorporadora que tem o contrato de construção (oté developer) dos otéis da bandeira Hard Rock no Brasil. Além dos oito que estão em construção, a empresa tem autorização para mais dois projetos, que ainda estão em aberto.
 
O custo médio da cota de um apartamento em um dos otéis Hard Rock é de 120,000 reais. O valor pode ser parcelado em 60 vezes, diretamente com a VCI. Mesmo com os otéis ainda em processo de construção, os clientes que adquirem cotas podem se hospedar em unidades da rede já existentes em outros países – desde que tenham pago, pelo menos, 15% do valor da cota.
 
Como funciona a multipropriedade?
 
Ser dono de uma cota em um empreendimento de turismo guarda particularidades. Antes, cabe reforçar como funciona o modelo de multipropriedade: trata-se, de maneira simples, de um imóvel com mais de um proprietário, e cada proprietário tem direito a uso do bem durante determinado período de tempo.
 
Esse período de tempo é, em geral, de uma a duas semanas por ano. Sendo assim, cada empreendimento de um empreendimento multipropriedade costuma ter de 26 a 52 cotas, e um mesmo proprietário pode adquirir mais de uma cota, se assim desejar. Cada cota tem uma escritura, que descreve as condições e o período de uso, o valor do bem e a características do imóvel.
 
Nesse aspecto, a cota da multipropriedade é bastante similar a um imóvel comum. Com a escritura, o proprietário pode vender, alugar, alienar ou até repassar em herança ou em doação a sua cota, assim como faria com uma casa, apartamento ou terreno.
 
Em geral, os proprietários pagam uma espécie de taxa de condomínio mensal, que é usada para cobrir despesas fixas do imóvel. Em contrapartida, o serviço ofertado é exatamente igual ao de um hotel comum: ao se hospedar na unidade, o proprietário contará com serviço de quarto e não precisará se preocupar com a limpeza ou organização.
 
Quanto custa ter uma cota de um hotel?
 
Os preços variam desde a casa de centenas de milhares de reais, como o caso das cotas nos otéis do Hard Rock, até preços mais modestos. O perfil do empreendimento e da infraestrutura oferecida influenciam diretamente o custo de aquisição de uma cota.
 
No caso dos empreendimentos da construtora GAV, o preço médio está na casa dos 40.000 reais. O pagamento também é feito diretamente para a construtora, e pode ser parcelado em até 84 vezes. Em geral, o padrão do mercado é de financiamento direto (sem a intermediação de uma instituição financeira), justamente pela escassez de linhas de crédito para a compra de cotas em multipropriedade.
 
“A regulamentação de multipropriedade é relativamente nova, foi aprovada há apenas três anos, então o mercado tem muito a amadurecer ainda”, diz Manoel Pereira Neto, CEO da GAV.
 
Assim como acontece em uma linha de crédito bancário tradicional, o financiamento com a construtora do projeto multipropriedade também tem juros. Além disso, durante o período de construção, as parcelas e o saldo devedor são reajustados pelo Índice Nacional de Construção Civil (INCC), e as mensalidades com vencimento após a data de entrega são reajustadas pelo Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M) ou pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
 
“Venda de emoção” e digitalização
 
Uma das principais críticas em relação ao modelo de multipropriedade é a forma agressiva de “fisgar” o cliente. Muitas vezes, as empresas que ofertam as cotas levam equipes de vendas para cidades turísticas, como Gramado (RS) e Caldas Novas (GO) para a captação de visitantes nos pontos mais movimentados dessas localidades.
 
O vendedor do empreendimento multipropriedade oferece um voucher para um jantar ou para uma visita a uma das atrações locais, e em troca pede que o turista vá a um ponto de venda conhecer o seu projeto. Já no local de venda, a estratégia é agressiva, com a oferta de descontos cada vez maiores e opções de parcelamento mais longos.
 
A pressão e a situação inusitada criam a chamada “venda de emoção”. Em contrapartida, o volume de cancelamentos é muito alto. Entre os que assinam o contrato, cerca de 3 em cada 10 desistem do negócio nos primeiros sete dias – esse é o prazo estipulado por lei para o cancelamento com 100% do valor pago. Depois dos sete dias, vale o que está estabelecido na lei do distrato: devolução de 50% do dinheiro do cliente.
 
A média de 30% de desistência é consideravelmente maior do que a de outros segmentos do setor imobiliário, como o de imóveis residenciais.
 
“A verdade é que dificilmente alguém sai de casa para comprar uma cota imobiliária. É por isso que vendemos em lugares com grande fluxo de pessoas”, explica Pereira Neto, da GAV.
 
Uma das prioridades das construtoras é diminuir o percentual de cancelamentos e distratos. Para a GAV, a principal forma de reter o cliente é aumentar o número de pessoas que chegam à sala de vendas mais dispostas a comprar, de fato, uma cota. A melhor maneira de reduzir as “vendas de emoção” é distribuir informação para o cliente antes de ele chegar à mesa de negociação.
 
“Nosso grande desejo é levar a venda para o mundo inline, usar influenciadores digitais, porque nosso negócio é bom, falta só as pessoas saberem como funciona”, diz o CEO da GAV.
 
No caso da VCI, do Hard Rock, o digital já é uma das principais ferramentas de venda. Embora a empresa tenha montado uma loja conceito na Avenida Brasil, um dos pontos mais nobres da cidade de São Paulo, boa parte do processo de apresentação dos projetos, de resolução de dúvidas e de negociação acontece em videochamadas com os vendedores.
 
“Tenho clientes em mais de 1.400 municípios. As pessoas pesquisam pela internet e acabam comprando por esse mesmo canal. Não fazemos venda de impacto, porque nosso cliente não é suscetível a esse tipo de abordagem”, diz Sicchierolli, da VCI.