A escolha do regime de bens deve ser analisada e feita com cautela, levando-se em conta a situação fática do casal e seus desejos e projeções futuras quanto aos seus respectivos patrimônios
 
O regime de bens é essencial para o planejamento, pois dele decorrem consequências patrimoniais e sucessórias relevantes na medida em que irá impactar (i) na administração do patrimônio; (ii) na necessidade ou não de partilha de bens por ocasião do divórcio ou dissolução de união estável; e (iii) na sucessão do cônjuge ou companheiro.
 
Dessa forma, seja no casamento ou na união estável, ao escolher o regime de bens que regerá a relação, o casal já está iniciando seu planejamento patrimonial e sucessório, na medida em que o tipo do regime de bens eleito é fator determinante para as regras aplicáveis à divisão do patrimônio, seja em vida (divórcio ou dissolução de união estável) ou ainda por ocasião do falecimento de um dos cônjuges/conviventes.
 
Por este motivo, a escolha do regime de bens deve ser analisada e feita com cautela, levando-se em conta a situação fática do casal e seus desejos e projeções futuras quanto aos seus respectivos patrimônios.
 
Em alguns casos, porém, a legislação proíbe a livre escolha do regime de bens pelo casal, impondo à relação a separação obrigatória/legal de bens, notadamente, quando: i) os nubentes decidirem casar-se apesar da existência de alguma causa suspensiva da celebração do casamento, ii) um dos integrantes do casal for maior de 70 anos e iii) dependerem de suprimento judicial para se casar (menores de idade por exemplo).
 
Nessas situações o regime é imposto, seja como sanção à alguma inobservância legal ou ainda como forma de suposta proteção aos envolvidos. Uma vez que o regime decorre da lei, nas situações por ela definidas (art. 1.641 do Código Civil), sequer é necessário pacto antenupcial para sua eleição, pois trata-se de uma exigência legal e não uma prerrogativa/escolha do casal.
 
Assim sendo, quanto à sua origem, a separação legal difere da separação convencional de bens, cuja validade e eficácia da opção do casal deve necessariamente constar de um pacto antenupcial.
 
Quanto aos efeitos da separação legal, para além daqueles existentes no Código Civil, há a incidência da controversa súmula 377 do STF que assim dispõe: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
 
Após o Código Civil de 2002, muito se discutiu sobre a vigência da referida súmula e, muito embora haja forte corrente doutrinária que defenda sua revogação, nossos tribunais têm entendido pela sua aplicação.
 
Com efeito, referida súmula desvirtua a separação patrimonial exigida pela lei, uma vez que, ao determinar a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento, tem-se, na prática, um regime muito semelhante ao da comunhão parcial.
 
Desta forma, a imposição da súmula 377 ao regime da separação obrigatória de bens aproximam os feitos desse regime ao da comunhão parcial de bens, exigindo-se a partilha dos bens amealhados na constância da união.
 
Diante desse cenário, de forma a garantir a efetiva separação de bens exigida pela lei, os casais passaram a elaborar pactos antenupciais para afastar os efeitos da súmula 377, na medida em que não desejavam qualquer comunhão patrimonial, mas tão somente o cumprimento da determinação legal de segregação dos bens.
 
Assim é que surgiram discussões acerca da possibilidade e validade dos pactos antenupciais elaborados com vistas ao afastamento da Súmula 377, sendo certo que muitos cartórios se negavam a lavrar pactos afetos ao regime da separação legal. Com efeito, a validade dos pactos foi apoiada pela maior parte dos renomados juristas brasileiros, dentre eles Flávio Tartuce, que assim assevera:
 
“Todavia, não há qualquer problema em afastar a Súmula 377 pela vontade das partes, o que, na verdade, ampliaria os efeitos do regime da separação obrigatória, passando esse a ser uma verdadeira separação absoluta, em que nada se comunica.”
 
Diante das inúmeras recusas de cartórios em lavrar pactos contendo disposições para afastamento dos efeitos das súmulas, foram suscitadas diversas dúvidas pelos interessados, que culminaram com a aprovação, em abril de 2018, pelo Conselho da Justiça Federal do Enunciado 634 que determina que: “É lícito aos que se enquadrem no rol de pessoas sujeitas ao regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641 do Código Civil) estipular, por pacto antenupcial ou contrato de convivência, o regime da separação de bens, a fim de assegurar os efeitos de tal regime e afastar a incidência da Súmula 377 do STF”.
 
E tal entendimento foi finalmente ratificado e pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça por meio do julgamento do Recurso Especial 1922347, ocorrido no final de 2021, no qual foi reconhecido válido pacto antenupcial de separação obrigatória de bens, afastando a incidência da Súmula 377 do STF.
 
Desta forma, está sedimentado o entendimento acerca da possibilidade de afastamento, via pacto antenupcial, dos efeitos da súmula 377 do Superior Tribunal Federal sobre o regime da separação obrigatória de bens e a possibilidade de tal medida integrar o planejamento patrimonial e sucessório a fim de garantir, caso seja essa a vontade do casal, a inexistência de comunicação de patrimônio havido na constância do casamento regido pela separação legal de bens.