Inicialmente, o artigo 538 do Código Civil estabelece que doação é um contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra [1]. Portanto, a doação é um contrato unilateral, gratuito e formado mediante declaração receptícia da vontade [2], isto é, declaração de vontade que é de conhecimento do destinatário.

 

Em regra, a pessoa pode doar o seu patrimônio para quem quiser. Contudo, a lei coloca a salvo algumas hipóteses, como as doações universal, inoficiosa, colacionável e fraudulenta, e, também, as doações feitas por pessoa casada, por cônjuge adúltero a seu cúmplice, por absolutamente incapaz e por pródigo.

 

A doação universal é aquela que engloba a totalidade de bens do doador, isto é, a pessoa doa todo o seu patrimônio. Entretanto, o artigo 548 do Código Civil veda esta possibilidade ao estabelecer que é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador [3]. Neste caso, busca-se preservar um patrimônio mínimo que possibilite a dignidade do doador.

 

Por outro lado, a doação inoficiosa é aquela que invade a legítima dos herdeiros necessários. Assim, a pessoa somente poderá doar até o limite máximo da metade de seu patrimônio, uma vez que a outra metade, chamada de legítima, pertence aos herdeiros necessários, nos termos do artigo 1.846 do Código Civil.

 

Já na doação colacionável, a pessoa pode doar para os seus ascendentes, descendentes ou cônjuges. Porém, este ato será considerado adiantamento da legítima, isto é, um adiantamento que o donatário iria receber como herdeiro no momento da morte do doador.

 

A doação fraudulenta é aquela realizada pelo devedor insolvente — aquele cujo patrimônio passivo é maior que o ativo — ou que, com a doação, torna-se insolvente. Nestes casos, a doação somente será válida se realizada com o consentimento de todos os credores. Por outro lado, sem o consentimento, estará configurada fraude contra credores.

 

Na doação feita por pessoa casada, o cônjuge necessita da autorização do outro para doar, salvo no regime da separação absoluta, nas doações propter nuptiaes de bens feitos aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada, ou na doação remuneratória.

 

De outro modo, apesar de a doação do cônjuge adúltero a seu cúmplice poder ser realizada, esta doação, nos termos do artigo 550 do Código Civil, poderá ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.

 

A sociedade conjugal estará resolvida com o divórcio, com a anulação, com a morte ou com a separação judicial. Ressalta-se que se a anulação da sociedade conjugal estiver baseada em nulidade absoluta, não houve casamento e, consequentemente, não poderá se falar em doação anulável [4].

 

No tocante ao absolutamente incapaz, ele não pode realizar doações. Caso realize, o ato será considerado nulo. Por fim, o pródigo pode realizar doações, desde que assistido pelo curador, nos termos do art. 1.782 do Código Civil.

 

Analisadas todas as exceções, indaga-se: posso doar todo o meu patrimônio para os meus herdeiros?

 

Se o doador não tiver herdeiros necessários, isto é, se não tiver descendentes, ascendentes e cônjuge, poderá doar livremente o seu patrimônio, desde que não seja doação universal.

 

Como vimos, a  doação universal é aquela que engloba a totalidade de bens do doador e não resguarda o mínimo existencial. Segundo o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, o Código Civil proíbe a doação universal e a doação inoficiosa, aquela que ocorre em prejuízo à legítima dos herdeiros necessários [5].

 

Segundo Fábio Ulhoa Coelho, a doação universal é vedada porque muitas vezes devemos ser defendidos de nós mesmos, de modo que, mesmo os que não possuem herdeiros, não podem doar simplesmente tudo o que têm, motivo pelo qual o doador sempre deve manter em seu patrimônio bens ou renda suficientes para a sua subsistência [6].

 

Seguindo este raciocínio, o ministro Edson Fachin afirma que a vedação à doação universal é como um dos testemunhos da existência de um Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, que impede que a pessoa, ao realizar uma (ou várias) doação, reduza sua situação financeira à miserabilidade [7].

 

Assim, por parte da lei, não há preocupação com o patrimônio (de per se stante), mas sim com a visão de que o patrimônio é um dos meios de se garantir que a pessoa tenha um mínimo existencial que lhe possibilite a dignidade [8].

 

Neste mesmo sentido, o ministro Luis Felipe Salomão afirma que a razão da norma, ao prever a nulidade da doação universal, é a de garantir à pessoa o direito a um patrimônio mínimo, impedindo que se reduza sua situação financeira à miserabilidade. Consequentemente, ao vedar a doação universal, mitiga-se, de alguma forma, a autonomia privada e o direito à livre disposição da propriedade, em exteriorização da preservação de um mínimo existencial à dignidade humana do benfeitor, um dos pilares da Constituição da República [9].

 

Assim, a vedação à doação universal tem caráter de regra inflexível, que considera que o ato de disposição de todo o patrimônio é nulidade absoluta, uma vez que deve ser assegurado o mínimo existencial para a preservação da dignidade da pessoa humana do doador.

 

Raul Bergesch é advogado na área do Direito Empresarial, especialista em proteção patrimonial, sócio fundador do escritório Raul Bergesch Advogados, membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS, Subseção de Novo Hamburgo.

 

Fonte: ConJur

Deixe um comentário