Realizada por tabelionatos, escritura determina, por exemplo, que médicos e família não prolonguem a condição do paciente

 

A incerteza de que tratamentos invasivos garantirão o prolongamento da vida com qualidade tem motivado pessoas a se antecipar e não deixar tais decisões para a família, por meio das Escrituras Públicas de Diretivas Antecipadas de Vontade. O documento de nome extenso tem sido abreviado e conhecido de forma mais popular como Testamento Vital, mesmo que seja usado antes da pessoa morrer, e não o contrário. Nele está a possibilidade de determinar a quais procedimentos o declarante não quer ser submetido em caso de doença ou acidente.

 

Realizado por tabelionatos, o Testamento Vital é, na prática, a garantia dada em vida e em sã consciência de que a pessoa não deseja ser entubada, reanimada ou passar por tratamentos experimentais que prolongarão a sua condição.

 

Garantido por uma resolução do Conselho Federal de Medicina, o documento tem tido procura crescente no Estado, com 75 escrituras realizadas em 2022. Os dados são da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul (Anoreg/RS) que contabiliza quase mil escrituras desse tipo realizadas desde 2007. Nelas ainda podem constar o desejo de ter os órgãos doados e o corpo cremado.

 

O tabelião Márcio Ferrari viu o interesse da população crescer durante a pandemia de covid-19 quando a morte e a possibilidade de ser entubado se tornaram assuntos mais próximos do cotidiano.

 

— Todos os assuntos relacionados à morte cresceram na covid. Planejamento sucessório, doação de órgãos e testamentos ficaram muito mais presentes no período da pandemia — explica.

 

Previsto também no Código Civil, a possibilidade de escriturar desejos de um fim mais digno abre portas para um diálogo lúcido sobre aquela que é uma certeza inevitável, a morte.

 

— Antigamente era feito o máximo possível para o paciente seguir vivo, são discussões mais contemporâneas que evitam um sofrimento inútil. Algumas pessoas que se preocupam mais com isso acabam fazendo o documento — analisa o tabelião substituto Rodrigo Isolan.

 

Realizado pelo declarante diante de um tabelião, o documento abre espaço para que uma pessoa de confiança seja nomeada e garanta sua utilização. Depois de redigido e assinado, pode ser anexado a prontuários médicos e ao documento de identidade.

 

— Alguns acham que a família não cumprirá tais decisões, outros querem deixar claro sua vontade para não haver divergência entre os familiares no momento que será preciso decidir em manter ou não a pessoa viva— conta Isolan.

 

“Acho tão doloroso deixar alguém decidir isso”

 

Por achar injusto que outra pessoa tenha de escolher qual procedimento realizar em caso de acidente ou morte cerebral, a advogada Mônica Montanari, 57 anos, providenciou em julho de 2022 a escritura que determina seus desejos. Nele diz não autorizar a manutenção de sua vida caso dependa de qualquer aparelho que a prolongue.

 

— A morte, muitas vezes, vem precedida de muito sofrimento e de muitas tentativas de sobrevida que não vão garantir nada mais para a pessoa. Nesse processo perdemos qualidade, dinheiro e tantas coisas em busca de uma cura que não virá. É injusto que uma outra pessoa decida por mim — relata.

 

A decisão da advogada não foi motivada por nenhum diagnóstico de doença ou histórico familiar. O que foi levado em conta, nesse caso, foi o desejo de não colocar outras pessoas para decidir algo que, para Mônica, cabe apenas a ela.

 

— Quem nos ama tem o instinto de querer ter mais tempo com a pessoa, mas sempre me perguntei para onde aquele estado vegetativo irá nos levar. É uma garantia de morte digna e de vida digna em não ficar nessa situação por sabe se lá por quantos anos e para que fim — explica.

 

A escritura feita por Mônica está anexada ao seu documento de identidade e consta também o desejo de ser cremada. Um amigo possui uma cópia que garantirá que será executado se necessário.

 

Fonte: Gaúcha ZH

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