A figura jurídica do contrato de namoro, recentemente, foi examinada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. A decisão, de maneira unânime, afastou a incidência de união estável e confirmou a validade do contrato de namoro que havia sido firmado entre as partes. O acórdão em questão foi proferido nos autos de apelação cível n. 0002492-04.2019.8.16.0187, pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, sob a relatoria do Des. Sigurd Roberto Bengtsson. Este texto não fará qualquer menção às iniciais das partes e demais detalhes patrimoniais do deslinde da causa com o objetivo de colaborar com a preservação do segredo de justiça.1
O referido acórdão negou o pedido de reconhecimento de união estável do relacionamento entre as partes mantido de julho de 2016 a junho de 2018. O principal argumento que permitiu ao Tribunal afastar as provas testemunhais produzidas nos autos e outros documentos juntados pela parte autora foi a existência do contrato de namoro. Diversos fundamentos contribuíram para a decisão neste sentido.
Em primeiro lugar, o TJPR afastou a necessidade de o contrato de namoro ser celebrado por instrumento público. Consignou, ainda, que isso só é necessário para que o contrato tenha validade em relação a terceiros. Citou, para tanto, entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp n. 1.988.228, no sentido de que “o contrato particular de união estável com separação total de bens não impede a penhora de patrimônio de um dos conviventes para o pagamento da dívida de outro, pois somente tem efeito entre as partes, não produzindo efeitos em relação a terceiros quando não há registro público”.
Em seguida, o tribunal enfrentou a validade do pacto. A parte ré/apelante defendia a tese de que o contrato de namoro era válido, porque realizado sem vício de consentimento e com acompanhamento de advogados. Já a parte autora/apelada defendia tese mais complexa: dizia ela que o documento não era válido por conta de sua vulnerabilidade.
A tese da vulnerabilidade foi afastada pelos julgadores porque o contrato particular foi firmado por agentes capazes, com reconhecimento de firma e mediante assinatura de advogados. O tribunal desconsiderou, ainda, o argumento da parte autora de que haveria disparidade entre as formações profissionais entre o casal: enquanto a parte autora seria da área da enfermagem, a parte ré seria da medicina. Este argumento não foi capaz de configurar por si só a alegada vulnerabilidade, pois além de ambas as partes terem concluído o ensino superior, o acórdão destaca que exerciam atividade empresária e que a parte autora havia sido aprovada em concurso público.
O acórdão ressalta, em seguida, a ausência completa de provas acerca de eventual vício de consentimento na assinatura do contrato de namoro. Assim, estaria configurada a assinatura do documento por agentes capazes e que conheciam seu conteúdo e consequências jurídicas.
Seguindo, a decisão concluiu que o requisito legal da relação duradoura também não estava demonstrado nos autos. Isso porque o casal teve períodos de rompimento ao longo do tempo, com afastamentos e retomadas.
O acórdão também não constatou a presença do requisito de objetivo de constituir família. Para o TJPR esse elemento “depende da prova de interesse volitivo de ambas as partes em constituir família, uma vez que a affectio maritalis é o requisito que mais se assemelha à figura do casamento, elemento que identifica se o relacionamento se configura como um namoro ou já conviviam como se casados fossem”.
Para o tribunal, as provas testemunhais e documentais trazidas pela parte autora não superam a estipulação contratual. A corte reitera que o contrato foi livremente pactuado pelas partes e que não há nenhuma prova que o invalide. Por isso, deve ser considerado válido naquilo que não afronte a lei. O acórdão também destaca que “os depoimentos testemunhais devem ser sopesados com os demais elementos constantes nos autos, tendo em vista que namorados também frequentam festas juntos, visitam as casas de amigos, realizam viagens, compartilham a vida com o filho do outro (…)”. Ao invés de comprovar a união estável, entendeu o TJPR que a prova testemunhal nada mais fez do que comprovar que havia uma relação de namoro qualificado.
Com esses fundamentos, o tribunal deu provimento ao recurso de apelação, afastando a união estável. A decisão do TJPR é absolutamente adequada e acertada. Felizmente, os julgadores forem sensíveis e bem separaram o joio do trigo. É certo que o contrato de namoro emerge na contemporaneidade como importante instrumento de planejamento patrimonial e sucessório. Além de fornecer segurança jurídica, é uma forma idônea de garantir que as partes exerçam a sua autonomia privada e possam desenhar os exatos termos e efeitos de seus relacionamentos afetivos.
No momento atual, o conceito de união estável captado pelo artigo 1.723 do Código Civil tem gerado muitos embates e decisões conflitantes que demandam uma postura ativa dos casais no sentido de se valer de instrumentos preventivos para aclarar suas reais vontades e anseios, em especial consolidar se o relacionamento tem ou não o objetivo de constituir família.
É fundamental recordar que o momento presente é pródigo, em termos doutrinários e jurisprudenciais, em conferir cada vez mais direitos para a união estável. Dessa forma, resta clara a importância em afastar preventivamente a aplicação de suas normas quando as partes estiverem diante de um namoro ou de um namoro qualificado.
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1 O artigo aborda apenas a questão da validade do contrato de namoro, sem expor outros pedidos e temas julgados na decisão. Essas análises poderão ser objeto de estudos futuros.
Fonte: Migalhas
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