A atipicidade contratual e a precarização do trabalho são temas de constantes debates globais. Diferentes cenários e formas de contratação que buscam atender a finalidade mercadológica colocam em xeque contratos tradicionais de trabalho e dão tônica ao questionamento aos temas como atipicidade contratual e informalidade.

 

De um lado, a flexibilização das relações de trabalho, materializada por meio de instrumentos contratuais atípicos, tem sido apontada como uma resposta às demandas do mercado. De outro, se discute que sua implementação pode conduzir um subterfúgio à normativa e a precarização das condições de trabalho, levando a um cenário de informalidade.

 

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 61% da força de trabalho global está inserida na economia informal [1]. No Brasil, a informalidade chegou a atingir 39,1% dos trabalhadores no ano de 2023 [2], conforme divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

Entretanto, esses dados alertam para o que é definido como informal.

 

Para a OIT, é considerada economia informal todas as atividades econômicas de trabalhadores e unidades econômicas que não são abrangidas, em lei ou no viés prático, por arranjos formais. A definição é ampla por compreender uma análise global e diferentes caracterizações do vínculo formal de trabalho, ou seja, o método de coleta de informações pode incluir contratos atípicos de trabalho que não estejam cobertos pela legislação trabalhista.

 

Para o IBGE os trabalhadores informais são definidos como aqueles sem carteira de trabalho assinada, trabalhadores por conta própria e empregadores que não contribuem para a previdência social.  Similarmente ao Brasil, no México, o Instituto Nacional de Estatística e Geografia (Inegi) define o trabalho informal como aquele realizado em unidades econômicas não registradas ou em condições de emprego que não oferecem proteção social básica [3].

 

De fato, há uma obscuridade na constatação de dados de trabalho informal. Sob uma perspectiva etimológica da palavra informal se tem o prefixo in como rejeição ao elemento de formalidade.  Logo, a discussão reside se a formalidade a ser rejeitada está para o contrato de trabalho ou para o registro da relação laboral em instrumento de controle nacional. Mas isso significa dizer que um contrato de trabalho atípico é informal? E que a informalidade é uma condição para a precarização?

 

Para a primeira pergunta, não há uma resposta definitiva. Ao passo em que um contrato atípico tem seu status jurídico reconhecido pelo ordenamento interno, ele passa a integrar uma possibilidade e adaptabilidade do trabalho como prestação de serviços. Ou seja, o trabalhador não estaria em condições de informalidade, mas de atipicidade. Logo, o cerne da discussão está no registro do contrato em base nacional reconhecida e a forma que ele está sendo considerado no momento da extração de dados para fins de transparência de instrumento de pesquisa.

 

Contratos atípicos

Considerando a retirada de informações sobre o trabalho informal pela análise de controles institucionais, o registro de contratos atípicos se torna uma ferramenta adicional para análise de dados. Por certo que essa afirmação pode levar a uma indagação superveniente: e caso este contrato seja utilizado para mascarar uma relação de emprego, ele se tornaria informal?

 

A resposta merece cautela. Ao afirmar que tal contrato seria informal após a sua descaracterização, provocaria uma retomada a obscuridade atual sobre a informalidade. O que leva a necessidade de adequação a utilização de terminologias mais precisas, como contratos de trabalho descaracterizados ou fraudes aos contratos de trabalho, o que engloba tanto instrumentos típicos e atípicos.

 

Nesse eixo, a etimologia da informalidade fica restrita à condição obrigatória da ausência da formalização do registro, como elemento de transparência e publicidade da relação laboral. Ao passo em que há o reconhecimento jurídico de espécies contratuais típicas e atípicas, não se pode confundir a informalidade com a violação ou descaracterização do contrato.

 

Mas, e sobre o segundo questionamento: o trabalho informal leva a condição de precarização?

 

Estudos comparativos revelam que a informalidade e a precarização do trabalho estão intrinsecamente relacionadas. Os dados anteriormente mencionados, elaborados pela OIT, evidenciam que, em países como o Brasil e o México, onde a informalidade atinge patamares elevados, os trabalhadores informais enfrentam condições de trabalho significativamente mais precárias em comparação aos trabalhadores formais, com salários inferiores, jornadas mais extensas e menor acesso a benefícios sociais.

 

Essa realidade contrasta com a de países europeus, como a França [4] e a Alemanha [5], onde a informalidade é consideravelmente menor. Contudo, é igualmente importante abordar o conceito de informalidade no cenário europeu.

 

Na França e na Alemanha, os contratos atípicos de trabalho, como contratos temporários, trabalho em tempo parcial e contratos de zero hora, geralmente não são considerados informais, desde que estejam em conformidade com a legislação trabalhista vigente. A informalidade está mais associada a situações em que o trabalho é realizado sem registro formal, omitindo os encargos decorrentes da formalidade.

 

Na França, os contratos atípicos são regulamentados pelo Code du Travail, que estabelece as condições em que podem ser celebrados, bem como os direitos e garantias dos trabalhadores. Desde que os empregadores cumpram as obrigações legais, esses contratos são considerados formais. De forma similar, na Alemanha, os contratos atípicos são regidos pela Teilzeit- und Befristungsgesetz  e outras leis trabalhistas, sendo considerados formais quando estão em conformidade com a legislação pertinente.

 

Entretanto, existem diferenças regionais essenciais para a discussão. Enquanto França e Alemanha situam-se em extensões territoriais menores, possuem uma maior facilidade de fiscalização e a existência de uma regulamentação adaptável facilita a extração de dados, para fins do exercício fiscalizatório.

 

Segurança nas relações de trabalho

Diante desse cenário, a regulação assume um papel fundamental na busca pelo equilíbrio entre atipicidade e segurança nas relações de trabalho. A regulamentação adequada dos instrumentos contratuais atípicos, estabelecendo limites e garantias mínimas para prevenir a precarização e salvaguardar os direitos dos trabalhadores.

 

Nesse sentido, o modelo de flexisegurança, adotado em países escandinavos como a Dinamarca e a Suécia, exemplifica como a regulação pode promover a adaptabilidade do mercado de trabalho sem comprometer os direitos dos trabalhadores. Nesses países, a taxa de informalidade é significativamente baixa [6].

 

Contudo, a implementação da flexisegurança demanda um monitoramento e aprimoramento contínuo a ser realizado. Fatores como extensão territorial, dificuldade de fiscalização e adaptabilidade normativa desempenham um papel crucial na eficácia da regulação na promoção da segurança laboral.

 

Nesse contexto, é emergente que os países adotem abordagem holística, que considere as particularidades regionais e setoriais, na elaboração de políticas públicas e na regulamentação das relações de trabalho. A combinação de uma regulação equilibrada, adaptável e efetivamente fiscalizada com políticas direcionadas à formalização e à proteção social é essencial para o combate à precarização e a promoção de um mercado de trabalho mais equitativo. Adicionalmente, a análise de informações deve ser adequadamente tipificada a fim de eliminar obscuridades e conduzir a uma divulgação transparente.

 

Afinal, existe o anseio pela compreensão multidimensional dos desafios impostos que manifesta o  desejo de ser aliada a uma atuação coordenada e adaptativa do Estado e de diferentes atores, na elaboração de arcabouços jurídico-trabalhistas capazes de conciliar a atipicidade necessária ao atendimento das demandas do mercado com a proteção social indispensável para garantir a dignidade e o bem-estar dos trabalhadores.

 

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Referências

 

[1] INTERNATIONAL LABOUR OFFICE (ILO). Women and men in the informal economy: A statistical picture. Geneva: ILO, 2018. Disponível em: https://www.ilo.org/global/publications/books/WCMS_626831/lang–en/index.htm. Acesso em: 6 jun. 2024.

 

[2] AMORIM, Daniela. Quase 39 milhões de brasileiros estão na informalidade, aponta IBGE. CNN Brasil, São Paulo, 29 set. 2023. Economia. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/quase-39-milhoes-de-brasileiros-estao-na-informalidade-aponta-ibge/. Acesso em: 6 jun. 2024.

 

[3] INSTITUTO NACIONAL DE ESTADÍSTICA Y GEOGRAFÍA (INEGI). Encuesta Nacional de Ocupación y Empleo. Ciudad de México: INEGI, 2020. Disponível em: https://www.inegi.org.mx/programas/enoe/15ymas/. Acesso em: 6 jun. 2024.

 

[4] INSTITUT  NATIONAL DE LA STATISTIQUE ET DES ÉTUDES ÉCONOMIQUES (INSEE). Emploi, chômage, revenus du travail. Paris: INSEE, 2019. Disponível em: https://www.insee.fr/fr/statistiques/4504425. Acesso em: 6 jun. 2024.

 

[5] FEDERAL STATISTICAL OFFICE OF GERMANY (DESTATIS). Labour market. Wiesbaden: Destatis, 2020. Disponível em: https://www.destatis.de/EN/Themes/Labour/Labour-Market/_node.html. Acesso em: 6 jun. 2024.

 

[6] EUROPEAN STATISTICAL OFFICE (EUROSTAT). Labour Force Survey. Luxembourg: Eurostat, 2019. Disponível em: https://ec.europa.eu/eurostat/web/lfs. Acesso em: 6 jun. 2024.

 

Fonte: Conjur

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