A Reforma Tributária, veiculada pela EC 132/23, ao alterar o art. 145, da Constituição, inseriu o §3º, que, entre outros, prevê o princípio da cooperação. Porém, não é de hoje que institutos como a transação tributária são previstos pela legislação tributária
Não é uma novidade a busca pela maior eficiência no âmbito da resolução de conflitos. Contudo, é perceptível a ausência de um comprometimento efetivo com a criação e implementação de ferramentas que colaborem com o desafogamento do Poder Judiciário.
Aliás, basta recordar que o instituto da transação tributária remonta ao ano de 1966 e somente nos últimos anos os esforços legislativos lograram o intento de regulamentar aquilo que o Código Tributário já há muito tempo albergava em seu art. 171.
De qualquer forma, todos os esforços no sentido de criar soluções alternativas às resoluções de conflitos que, no âmbito do judiciário, duram anos, é válida.
Historicamente, a visão entre Fisco e contribuinte comporta uma visão binária, que foi criada a partir de um certo antagonismo, em que cada um ocupa, na relação jurídica (sujeito ativo x sujeito passivo), uma posição de fato antagônica. Essa diferenciação, em tempos outros, foi útil para a estruturação do poder de tributar, bem como para a delimitação dos direitos e das garantias dos contribuintes, porém hoje já não mais se sustenta.
Essas posturas inegavelmente gestaram uma cultura de conflito, de adversidade, que acabou cultivando uma constante animosidade entre as partes e culminou na crescente de litígios perante o Poder Judiciário, o que pode ser mais bem apreendido na obra de Alberto Nogueira, cujo título é Os limites da legalidade tributária no Estado Democrático de Direito. Fisco x contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa.
Assim, o sistema tributário impositivo, além de fomentar essa cultura do litígio entre o Fisco e o contribuinte, revela uma baixíssima eficácia das normas tributárias e, como resultado, inclusive da complexidade do sistema tributário brasileiro, tem-se um congestionamento no âmbito judicial, fazendo com que mais de 40% das demandas em tramitação no país sejam referentes a discussões dessa natureza1.
A EC 132/23, que trata da Reforma Tributária, incluiu no art. 145, o §3º, que dispõe que O Sistema Tributário Nacional deve obedecer aos princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.
A própria OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico recomenda inúmeras boas práticas de cooperação tributária entre Fisco e contribuinte, das quais o Brasil já implementou inúmeras orientações do organismo internacional, implementando alternativas ao processo judicial, como a transação, a mediação e a arbitragem em matéria tributária2.
A grande questão que se impõe é saber se a inovação trazida pela reforma tributária, relativamente à inserção do princípio da cooperação no artigo 145, da Constituição Federal, terá o condão de modificar a cultura do litígio tradicionalmente assimilada pelo Fisco e pelos contribuintes.
A resposta não é simples. Aliás, nenhum prognostico o é. A questão a ser refletida é, de fato, as vantagens da litigiosidade. É certo que o prolongamento desmedido de uma discussão judicial impõe ônus a ambos os litigantes, independentemente de qual deles possua a “razão”. Dessa forma, uma mudança paradigmática deverá ser absorvida tanto pelo contribuinte, quanto pelo Fisco.
A tendência, a se considerar a ampliação de instrumentos à disposição dos litigantes (mediação, arbitragem e transação), é uma diminuição da alta litigiosidade, o que pode contribuir para uma diminuição das contendas na seara judicial.
Esperemos os tempos revelarem se se trata de uma utopia ou se, de fato, aquilo que já se nomeou de justiça multiportas será, de fato, uma realidade a contribuir para o desafogamento do Poder Judiciário e a maior colaboração entre o Fisco e o contribuinte.
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1 Conforme um relatório do CNJ, existem 80 milhões de processos em tramitação no Poder Judiciário e destes 40% correspondem aos processos envolvendo litígios tributários. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/08/justica-em-numeros-2023.pdf. Acesso em 21 jun. 2024.
2 O município de Porto Alegre – RS, por exemplo, tem uma legislação que prevê a mediação em matéria tributária, que é a Lei Municipal nº 13.028/2022.
Fonte: Migalhas
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