Ao doar em testamento um imóvel avaliado em R$ 25 milhões ao Fundo Patrimonial da USP, o antropólogo e professor do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros) Stelio Marras disse o seguinte na semana passada: “Na sociedade em que vivemos, a melhor herança que eu poderia deixar é um gesto de solidariedade social”. Pelo que li, o professor foi convencido a tornar a história pública. Não era sua ideia inicial. Inimaginável que alguém prefira a discrição na era da superexposição. Em que você só existe se acontecer. Stelio nos conta outra história possível sobre o mundo.

 

O valor financiará bolsas de permanência estudantil para grupos minorizados em direitos que estudam na Universidade de São Paulo. Ou seja, criará condições para que aquelas pessoas que conseguem passar pelo primeiro portão de uma das mais importantes universidades do mundo, o vestibular, consigam se estruturar para todo o resto que vem pela frente. Por exemplo, como se manter por ali por anos.

 

A pesquisa Percepção e Prática da Doação no Brasil, conduzida pelo Datafolha, revela que aproximadamente 31% das pessoas brasileiras realizaram pelo menos uma doação em dinheiro ao longo de 2022. Importante destacar, era um tempo de pandemia. Os recursos foram para instituições, coletivos, ações beneficentes de igrejas e campanhas de captação de recursos para projetos sociais. Iniciativas como a do professor Stelio ainda não são tão comuns por aqui.

 

O relatório anual produzido pela Charities Aid Foundation diz que somos um dos 20 países mais solidários do mundo. O apoio que chega a quem precisa mais, já que em alguma instância da vida todo mundo precisa um pouco, e de alguma coisa, acontece especialmente ao redor da gestão das urgências. Por exemplo, durante grandes desafios socioambientais coletivos como a covid-19. Ou de maneira pontual, quando a doação tem motivações afetivas. Feito o movimento que acontece nas festas de fim de ano. Importante demais que siga sendo assim. E aumente, inclusive.

 

O que o gesto do professor Stelio faz é nos convidar a abrir uma outra conversa urgente. Aquela sobre o legado de cada uma de nós na construção coletiva da vida e do futuro. Especialmente aquele em que nós não estaremos aqui para desfrutar. Como é o caso dessa história.

 

Neste momento, eu não tenho esperanças de que aconteça aqui o que há em outros lugares do mundo. Quando famílias doam grande parte do que acumularam ao longo da vida para apoiar a equidade no acesso e na permanência dos empobrecidos à educação. O professor Stelio é uma curva, já bastante fora da curva. Pelo que li, ele tem apenas 54 anos. No Brasil, ainda estamos naquele momento da história em que querem criar leis para dificultar as pessoas que alimentam quem tem fome. Imagine só você.

 

“Tornar pública a finalidade dessa minha herança (…) é também uma aposta que faço em parte das elites brasileiras, que podem então passar a conhecer e, quem sabe, agir por orientação dessas iniciativas”, disse Stelio durante a cerimônia que celebrou a doação. A notícia mais importante da minha semana até aqui é que a esperança tem um nome. E o meu agradecimento, também, professor Stelio.

 

Fonte: Ecoa UOL

 

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