O Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP) e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Mário Delgado, é especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor dos cursos de especialização em Direito Privado nas Escolas da Magistratura e da Advocacia. Em 2023, foi nomeado para integrar a Comissão Especial para Reforma do atual Código Civil, por ato do presidente do Senado Federal; depois de haver participado, como assessor na Câmara dos Deputados, da etapa final de elaboração do Código Civil de 2002, há mais de 20 anos.
Em entrevista exclusiva ao Jornal do Notário, Mário Delgado, discorreu sobre a sua trajetória no Direito Civil e como chegou a ser membro da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC), explicou de que forma a tecnologia tem impactado os serviços notariais e o que ele acredita ser essencial para os cartórios de notas se adaptarem a essas mudanças e comentou quais foram as suas principais influências na área do Direito e se existe algum mentor ou figura que o inspirou ao longo da sua carreira. “Tenho muito orgulho da minha participação na etapa final de elaboração do atual Código Civil, por haver convivido com personagens ilustres da nossa história, como o professor Miguel Reale e o ministro José Carlos Moreira Alves. Em razão desse trabalho, cheguei a receber a Medalha do Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados e foi, naquela ocasião, que fiz a opção pela carreira acadêmica.”, pontuou. “De todos os delegatários, certamente foram os cartórios de notas aqueles que mais rapidamente se adaptaram às novas tecnologias. Basta lembrar a lavratura do ato notarial eletrônico e a regulamentação da plataforma e-Notariado”. Leia abaixo a entrevista na íntegra:
Jornal do Notário: Poderia nos contar um pouco sobre a trajetória do senhor no Direito Civil e como chegou a ser membro da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC)?
Mário Delgado: Depois de haver atuado como servidor público no Tribunal Regional Federal, fui convidado pelo saudoso Deputado Ricardo Fiuza para trabalhar na Câmara dos Deputados como assessor da Comissão Especial, que foi criada para examinar o projeto de lei que daria origem ao Código Civil Brasileiro de 2002. Tenho muito orgulho da minha participação na etapa final de elaboração do atual Código Civil, por haver convivido com personagens ilustres da nossa história, como o professor Miguel Reale e o ministro José Carlos Moreira Alves. Em razão desse trabalho, cheguei a receber a Medalha do Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados e foi, naquela ocasião, que fiz a opção pela carreira acadêmica. Concluí o mestrado em Direito Civil pela PUC/SP e o doutorado, também em direito civil, pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), passando, então, a lecionar em diversas instituições a exemplo da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), da Faculdade Autônoma de Direito (FADISP), da Escola Paulista da Magistratura (EPM), da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), da Escola Paulista de Direito (EPD). Entre algumas pequenas contribuições que fiz ao estudo do direito civil, e deixando de lado as dezenas de obras coletivas que organizei, tenho especial apreço por três livros meus, dois deles já esgotados: “Novo Direito Intertemporal Brasileiro: Da retroatividade das leis civis”; “Codificação, descodificação, recodificação do direito civil brasileiro” e “Direito fundamental de herança”. Além de acadêmico da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) e da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ), também sou membro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), do Instituto dos Advogados de Pernambuco (IAP), do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG).
E, finalmente, não posso omitir o fato de que essa longa trajetória no Direito Civil foi coroada em 2023, quando fui nomeado, por ato do presidente do Senado Federal, para integrar a Comissão Especial para Reforma do atual Código Civil. Ou seja, depois de haver participado, como assessor na Câmara dos Deputados, da etapa final de elaboração do Código Civil de 2002, há mais de 20 anos, sou novamente convocado a colaborar na atualização desse mesmo código. Participar, por duas vezes, da reforma de um monumento legislativo, como é o Código Civil, é uma honra e uma emoção que não tenho palavras para definir.
Jornal do Notário: De que forma a tecnologia tem impactado os serviços notariais? O que o senhor acredita ser essencial para os cartórios de notas se adaptarem a essas mudanças?
Mário Delgado: De todos os delegatários, certamente foram os cartórios de notas aqueles que mais rapidamente se adaptaram às novas tecnologias. Basta lembrar a lavratura do ato notarial eletrônico e a regulamentação da plataforma e-Notariado. Aliás, muito antes da edição do Provimento nº 100, foi por meio do notariado que se popularizaram as atas para o registro de fatos produzidos no ambiente virtual. Penso que o uso das novas tecnologias para a prática de atos notariais públicos, com o cumprimento das formalidades e solenidades a eles inerentes, nos trouxe a consciência de que as plataformas digitais constituem realidades inafastáveis e de que inexiste proibição no ordenamento jurídico vigente à sua utilização para a prática de qualquer ato ou negócio jurídico.
Jornal do Notário: Poderia comentar sobre o movimento de desjudicialização e a importância da atuação extrajudicial dos cartórios de notas?
Mário Delgado: A desjudicialização é um movimento sem volta, não só pela burocracia judicial que transforma o simples em difícil e o rápido em demorado, mas, sobretudo, pela necessidade de limitação da intervenção estatal nas relações privadas, especialmente aquelas emergentes das relações de família e sucessões. Ocorre que, em muitas situações, não há como se afastar o Estado e, ao mesmo tempo, manter o mínimo de segurança jurídica sem a participação de um delegatário, notadamente do tabelião de notas. Um bom exemplo disso se deu com a desjudicialização do divórcio e do inventário. Desde o advento da Lei n° 11.441/2007, tornou-se possível o divórcio administrativo ou extrajudicial em cartório de notas. A lei em questão alterou o CPC então vigente de forma a permitir, no âmbito dos inventários e divórcios consensuais, sua realização pela via administrativa, promovendo, de um lado, a celeridade e a informalização dos procedimentos e, de outro, restringindo a intervenção do Estado na vida privada das pessoas. No contexto atual das relações familiares, existe uma tendência crescente para aquilo que se convencionou chamar de “privatização do casamento”, não cabendo ao Estado intervir nas regras de convivência.
Jornal do Notário: Qual é a relevância da ata notarial na constituição de provas eletrônicas? Quais cuidados os notários devem ter ao lidar com essas questões?
Mário Delgado: A ata notarial garante autenticidade, segurança e eficácia jurídica, para fins de prova, a todo tipo de manifestação exarada na internet. O principal cuidado, na produção de uma ata notarial, no que toca a fatos produzidos no mundo virtual, diz respeito à autenticidade daquele a quem é imputada a emissão da manifestação de vontade. Até mesmo a voz e a imagem podem ser objeto de manipulação, especialmente com a tecnologia deepfake, que usa inteligência artificial (IA) para criar vídeos falsos de pessoas falando coisas que elas nunca falaram. E diante da responsabilidade civil do tabelião, é premente a necessidade de que sejam tomadas precauções adicionais, não apenas no sentido de identificar a pessoa a quem se presta o serviço, imputando a ela a indicação dos endereços eletrônicos em que foram manifestados os atos que se quer documentar, mas, igualmente, com o uso de programas de Inteligência Artificial capazes de identificar as fraudes. Somente a tecnologia será capaz de combater a fraude tecnológica.
Jornal do Notário: Quais são as suas perspectivas para o futuro do Direito Notarial no Brasil? Que tendências o senhor prevê para os próximos anos?
Mário Delgado: As minhas perspectivas caminham no sentido de ampliação da desjudicialização, retirando do Judiciário, e transferindo aos delegatários, cada vez mais serviços. O projeto de reforma do Código Civil radicaliza esse movimento, trazendo para os tabelionatos uma série de novos procedimentos, como é o caso da alteração do regime de bens, da apresentação e abertura dos testamentos, do termo de autorização para alienação de bens hereditários, do divórcio e do inventário com menores e incapazes, entre outros.
Jornal do Notário: Quais foram as suas principais influências na área do Direito? Existe algum mentor ou figura que o inspirou ao longo da sua carreira?
Mário Delgado: Tive muitas influências importantes, mas eu gostaria de destacar (e homenagear) neste espaço, apenas uma delas e que tão bem representou o notariado. Em qualquer tema de Direito Civil, minha primeira e principal referência, o autor que sempre me inspirou, me orientou, chamava-se Zeno Augusto Bastos Veloso. Nunca publiquei nada nessa matéria, sem que antes tivesse consultado sua opinião ou mesmo submetido a ele o texto, da mesma forma como Zeno, no exercício da humildade própria dos sábios, muitas vezes me concedeu a honra da leitura prévia de seus trabalhos. Era um entusiasta dos seus amigos, acreditava nos jovens, reconhecia talentos, estimulava a pesquisa, debatia, interagia e era respeitado e admirado por todos, dos catedráticos de Coimbra aos estudantes do Largo de São Francisco. Foi o grande incentivador da minha carreira acadêmica.
Jornal do Notário: Por fim, que mensagem o senhor gostaria de deixar para os leitores do Jornal do Notário e para os profissionais da área?
Mário Delgado: Uma mensagem de admiração pela excelência do trabalho que os notários brasileiros realizam e por sua contribuição decisiva para a segurança jurídica e para a paz social.
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Fonte: Jornal do Notário
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