Mesmo assim ele tem custos, saiba como fazer

 

O trabalho é dobrado para quem não nasceu herdeiro. O que um dos memes mais famosos da internet não fala, no entanto, é a conta que os herdeiros têm de pagar para receber a herança. Uma lei promulgada há 17 anos até vem melhorando esse caminho, desburocratizando o complicado processo de inventário e partilha de bens no Brasil.

 

Ao permitir a realização desses procedimentos diretamente em cartório, a Lei Federal nº 11.441 facilitou a vida para que alguns herdeiros tivessem acesso mais rapidamente a seus direitos. Assim, o número de inventários extrajudiciais no Brasil saltou de modestos 37.637 registrados naquele primeiro ano para 242.853 atingidos em 2023, conforme dados Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR).

 

Ao permitir que o procedimento fosse realizado por meio de Escritura Pública, sem a necessidade de recorrer ao poder Judiciário, a lei não só simplificou e acelerou o processo, sem exigência da tramitação judicial, como reduziu os custos envolvidos.

 

Na 5ª edição do relatório “Cartório em Números”, finalizada em 2023, a Anoreg/BR indica que mais de 2,3 milhões de inventários extrajudiciais já foram realizados no Brasil desde 2007, o que gerou uma economia aproximada de R$ 5,6 bilhões. Em 2022, logo após o período de pandemia, foram realizados 250.023 inventários extrajudiciais no Brasil, considerado um recorde.

 

Conforme o relatório, o tempo médio de um processo de inventário no Judiciário é de pelo menos dois anos e no cartório pode ser resolvido em até um dia. Já o custo estimado pela Anoreg é de uma média de R$ 2.369,73 por processo no Judiciário e de R$ 324 em média no cartório. Isso porque na Justiça há várias etapas, desde a petição inicial, contestação, réplica, fase probatória, sentença, fase recursal e o cumprimento final da sentença. Ante uma única fase no cartório.

 

Os estados que mais realizaram inventários nesse período de 2007 a 2023 foram: São Paulo (880.751), Paraná (265.508) e Rio Grande do Sul (261.173). O estado do Rio de Janeiro registrou 145.701 inventários extrajudiciais.

 

Quais as diferenças entre os modelos?

No modelo tradicional, que tramita na Justiça, por exemplo, a pessoa precisa arcar não só com as custas judiciais, que variam de estado para estado, mas também com o Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação (ITCMD), que é um percentual cobrado dos herdeiros e que pode oscilar entre 4% e 8% do valor da herança, dependendo do estado. Isso sem falar nos honorários advocatícios pelos serviços prestados todo esse tempo, que é cobrado em cima da complexidade da causa e da competência do profissional contratado.

 

Já o extrajudicial, realizado no Cartório de Notas, tem os custos bem menores para elaboração da Escritura Pública. Mesmo assim não exime os inventariantes de pagar o ITCMD nem os honorários advocatícios. Além disso, os advogados ouvidos pelo InfoMoney dizem que pode ocorrer ainda multas por causa de perdas de prazo, uma vez que é obrigatório dar entrada no inventário dois meses após a data do óbito.

 

Se o prazo já passou, haverá além da multa, juros e correção monetária que podem variar de 10% sobre o valor do ITCMD até 20% para atrasos maiores de 180 dias. O tempo também é bem diferente. Um inventário leva em média 12 meses para ser concluído na Justiça, se tudo correr bem, mas pode ser prorrogado por determinação do juiz ou requerimento das partes. Mas há inventários que chegam a durar até 20 anos, em função de complexidade ou briga entre os herdeiros.

 

Apesar de facilitar a vida dos herdeiros, o procedimento extrajudicial ainda não é amplamente conhecido pela maior parte da população, segundo o advogado Rodrigo Forlani Lopes, sócio do Machado Associados. “Desde a promulgação da lei, que alterou o artigo 982 do Código de Processo Civil, ainda há pessoas que, mesmo sabendo da via extrajudicial, optam pelo inventário judicial devido à falta de recursos financeiros para custear as despesas de cartório e o pagamento do imposto de forma mais rápida. No processo, pode se pedir um alvará para venda de bens a fim de cobrir os custos”, diz o especialista.

 

“Mesmo assim, as pessoas podem acabar gastando até 20% do valor do patrimônio num processo normal ou, se optar pelo extrajudicial, poderá sair por 10% a 15% mais barato”, explica Daniel Duque, co-fundador e CEO da Herdei.

 

Quem viu a oportunidade?

De olho no potencial de negócios que poderiam surgir desse filão da população ainda mal atendido, que deixa de fazer o inventário por falta de recursos, Duque se uniu com o advogado Gustavo Costa para criar a fintech que antecipa justamente esses recursos para pagamentos dos custos de um processo de inventário extrajudicial, destravando a herança. Com o projeto estruturado no final do ano passado, a Herdei conseguiu receber R$ 1,5 milhão de aporte de investidores e já conta com uma equipe de 12 pessoas para atender os clientes.

 

“A demanda é tanta que estamos crescendo mais do que o previsto no plano inicial e já temos o número de clientes planejado para o ano inteiro. Atacamos um segmento desassistido”, Duque. Ao adiantar os recursos, ele diz que a empresa ajuda a liberar inventários simples e dá acesso ao patrimônio que, muitas vezes, pode mudar as vidas dos herdeiros.

 

Segundo o executivo, a situação ainda pode piorar com a mudança das alíquotas do ITCMD e a tributação progressiva, que deve começar no ano que vem, especialmente para quem tem direito a bens menos valiosos. “Quem tem grandes patrimônios já está correndo para fazer planejamentos sucessórios, mas quem não tem fica difícil”, explica.

 

De acordo com o advogado Leandro Chiarottino, sócio fundador de Chiarottino e Nicoletti Advogados, especialista em Direito Societário e Planejamento Sucessório, de forma geral, a falta de recursos financeiros é realmente um gargalo importante para a finalização de inventários. “Especialmente porque o pagamento dos tributos incidentes sobre a sucessão é indispensável para a finalização, tanto dos inventários judiciais quanto dos extrajudiciais.”

 

O advogado Rodrigo Forlani Lopes lembra, no entanto, que no Judiciário é possível requerer a expedição de alvará para a venda de bens, com o intuito de cobrir as despesas do inventário extrajudicial. “O inventariante pode, por meio de um advogado, solicitar um alvará judicial para a venda, com objetivo de levantar dinheiro, justificando a necessidade de acesso aos recursos antes do término do inventário”, explica.

 

De acordo com as advogadas especializadas em tributário, gestão patrimonial, família e sucessões do Trench Rossi Watanabe, Flávia Gerola e Marcella Albanez, os herdeiros ainda precisam considerar os custos com Imposto de Renda, que deve ser cobrado caso haja ganho de capital entre o valor do ativo e o valor recebido pelo herdeiro.

 

O ponto principal, no entanto, é que não há dados que quantifiquem o alto número de pessoas que não entram com inventário nem pelas vias judiciais nem extrajudiciais por causa do custo, que pode ser significativo para quem tem dificuldades financeiras. “Isso cria uma grande barreira ao acesso a um patrimônio que poderia facilitar sua vida”, ressalta Daniela Poli Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados & Associados, os dados.

 

Veja os dados de inventários extrajudiciais ao longo do tempo:

 

Ano      Número de inventários extrajudiciais desde a lei

2007    37.637

2008    65.399

2009    65.399

2010    85.812

2011    107.489

2012    113.737

2013    131.241

2014    135.392

2015    140.081

2016    143.641

2017    148.102

2018    161.055

2019    173.743

2020    163.409

2021    251.979

2022    250.783

2023    242.853

2024    98.611*

Fonte: Anoreg *Soma equivalente até junho

 

Fonte: InfoMoney

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