Apelação nº 1063977-03.2024.8.26.0100

 

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1063977-03.2024.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

 

PODER JUDICIÁRIO

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

 

Apelação nº 1063977-03.2024.8.26.0100

 

Registro: 2024.0000868085

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1063977-03.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESPÓLIO DE OLIVEIRA SERAFIM, é apelado 17º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

 

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

 

São Paulo, 12 de setembro de 2024.

 

FRANCISCO LOUREIRO

 

Corregedor Geral da Justiça

 

Relator

 

APELAÇÃO CÍVEL nº 1063977-03.2024.8.26.0100

 

APELANTE: Espólio de Oliveira Serafim

 

APELADO: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

 

VOTO Nº 43.559

 

Registro de Imóveis – Formal de Partilha – Escritura de retificação e ratificação de partilha processada judicialmente – Mera correção da fração ideal de um imóvel a ser partilhada, com decorrente retificação dos quinhões dos herdeiros – Possibilidade de retificação por escritura pública de partilha processada judicialmente – Aplicação analógica do item 122 do Capítulo XVI das NSCGJ, que trata da sobrepartilha – Precedente da Corregedoria Geral da Justiça – Existência de testamento que não impede o inventário e a partilha por escritura (item 130 do Capítulo XVI das NSCGJ) – Integral preservação da vontade da testadora, com mera correção de erro material da partilha judicial já realizada, que torna desnecessária a autorização do juízo sucessório (item 130 do Capítulo XVI das NSCGJ) e a obtenção de alvará – Dúvida julgada improcedente – Recurso provido.

 

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Espólio de Oliveira Serafim, devidamente representado, contra a sentença de fls. 166/173, que manteve o óbice ao registro do formal de partilha extraído dos autos de inventário de bens deixados por Nair Pereira Serafim (processo nº 446/91, que tramitou perante a 9ª Vara de Família e Sucessões da Capital).

 

Sustenta o apelante, em resumo, que todas as disposições testamentárias foram respeitadas; que a escritura pública lavrada serviu para corrigir erro material constante no formal de partilha; e que a retificação extrajudicial de título judicial foi admitida por esta Corregedoria Geral em precedente recente. Pede, ao final, o provimento do recurso (fls. 179/191).

 

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 212/214).

 

É o relatório.

 

Atendidas as duas primeiras exigências constantes na nota devolutiva de fls. 13/15 (cf. fls. 3) a dúvida diz respeito apenas à necessidade, ou não, de se usar a via judicial para a retificação de formal de partilha extraído de processo de inventário ajuizado em 1991.

 

O apelante busca o registro de formal de partilha dos bens deixados por Nair Pereira Serafim, envolvendo o imóvel da matrícula nº 27.051 do 17º Registro de Imóveis da Capital (fls. 37 e seguintes). A falecida deixou testamento, lavrado em 7 de dezembro de 1990, por meio do qual dispôs que a parte disponível de seus bens iria para seu marido, Oliveira Serafim, e gravou a parte da legítima a ser recebida pela herdeira neta Karina Augusto Serafim com cláusula de incomunicabilidade vitalícia (fls. 59/61).

 

De acordo com a matrícula nº 27.051 (fls. 161/164), a falecida Nair e seu marido, casados pelo regime da comunhão universal de bens, eram proprietários de metade do imóvel.

 

Ocorre que por ocasião da partilha judicial nos autos do inventário, ante a informação incorreta constante nas primeiras declarações, considerou-se que a falecida era proprietária de 1/4 (um quarto) do imóvel.

 

Essa inconsistência levou à desqualificação do título judicial no ano de 2014 (cf. fls. 14). Como apontado pelo Oficial e pela MM. Juíza Corregedora Permanente (fls. 170), considerada a fração ideal correta do imóvel (1/2) e em cumprimento ao testamento deixado, caberia ao viúvo 3/8 (três oitavos) do bem – correspondentes a meação (2/8) e a parte disponível herdada por força do testamento (1/8). No formal de partilha, porém, constou que ao viúvo caberia 3/16 (três dezesseis avos) do imóvel (fls. 91).

 

O mesmo ocorreu com a herdeira neta Karina Augusto Serafim, que, de acordo com a partilha judicial, recebeu 1/16 (um dezesseis avos) do imóvel (fls. 93), quando o correto seria 1/8 (um oitavo).

 

A qualificação analisada neste procedimento diz respeito a esse mesmo formal de partilha, que desta vez foi apresentado a registro acompanhado da “escritura pública de retificação e ratificação de partilha judicial de Nair Pereira Serafim” (fls. 26/29), lavrada em 28 de fevereiro de 2024. Por meio dela, o espólio de Oliveira Serafim e a herdeira neta Karina Augusto Serafim retificaram o formal de partilha, a fim de ajustar a incorreção percebida pelo registrador no ano de 2014. Com a partilha de metade do bem, coube ao espólio de Oliveira Serafim a fração ideal de 3/8 (três oitavos) do bem e à herdeira neta Karina Augusto Serafim 1/8 (um oitavo) (fls. 28). As partes fizeram constar na escritura, ainda, que ratificavam “todos seus demais termos e cláusulas do Formal de Partilha, por exprimirem suas vontades e realidade dos fatos” (fls. 28).

 

Mais uma vez o título foi desqualificado e a dúvida suscitada, julgada procedente.

 

No entanto, a reforma da decisão de primeiro grau se impõe.

 

A retificação de partilha judicial por meio de escritura pública foi recentemente objeto de análise na Corregedoria Geral da Justiça, em parecer por mim aprovado, assim ementado:

 

“Tabelionato de Notas – Escritura de retificação de partilha processada judicialmente – Pretensão de substituição de partilha de unidades autônomas não existentes no registro imobiliário pela divisão entre os mesmos herdeiros de frações ideais do terreno -Tabelião que se recusa a lavrar a escritura – Erro que pode ser retificado por meio de escritura (item 55 do Capítulo XVI das NSCGJ) – Desnecessidade de comparecimento de herdeiro a quem o bem não foi atribuído na partilha – Retificação extrajudicial de partilha processada judicialmente – Possibilidade – Aplicação analógica do item 122 do Capítulo XVI das NSCGJ, que trata da sobrepartilha – Parecer pelo provimento do recurso para autorizar a lavratura da escritura de retificação” (CGJ/SP – Recurso Administrativo nº 1143240-21.2023.8.26.0100, parecer elaborado pelo MM. Juiz Assessor da Corregedoria Carlos Henrique André Lisboa, j. em 10/4/2024).

 

E colhe-se do parecer aprovado:

 

“A questão é saber se a retificação pode ser realizada extrajudicialmente quando o inventário e a partilha foram feitos em processo judicial. E a reposta, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, é positiva, por analogia a item das Normas que trata da sobrepartilha. Preceitua o item 122 do Capítulo XVI das NSCGJ:

 

  1. É admissível a sobrepartilha por escritura pública, ainda que referente a inventário e partilha judiciais já findos, mesmo que o herdeiro, hoje maior e capaz, fosse menor ou incapaz ao tempo do óbito ou do processo judicial.

 

Se a partilha judicial não impede a sobrepartilha de bens pela via extrajudicial, não se vê motivo para que a mera retificação da partilha judicial deva obrigatoriamente ser analisada em processo arquivado há décadas. A retificação solicitada não prejudica terceiros, não encontra óbice nas NSCGJ e não infringe princípio notarial ou registral.

 

Percebe-se que a hipótese se enquadra como retificação de erro material; os interessados na modificação – ou seja, os herdeiros que possuem direito sobre o bem imóvel – estão dispostos a participar da lavratura do ato; e a retificação de partilha judicial, embora sem previsão expressa nas NSCGJ, pode, sim, ser feita extrajudicialmente por analogia à regra da sobrepartilha” (Recurso Administrativo nº 1143240-21.2023.8.26.0100).

 

É certo que no caso aqui analisado há, ainda, a questão do testamento, que, de acordo com o art. 610 do CPC [1], tornaria necessário o inventário judicial. É sabido, todavia, que, desde a edição do Provimento CGJ nº 37/2016, havendo autorização do juízo sucessório competente, viável a realização de escritura pública de inventário e partilha mesmo tendo o falecido deixado testamento. Nesse sentido, o item 130 do Capítulo XVI das NSCGJ:

 

  1. Diante da expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública, que constituirá título hábil para o registro imobiliário.

 

A questão da autorização do juízo sucessório aqui pode ser relevada, uma vez que houve mera retificação de partilha judicial, sem modificação das cláusulas testamentárias. A declaração de última vontade da testadora foi plenamente respeitada e o formal extraído dos autos do inventário, como se viu, foi desqualificado em virtude da indicação errônea da parte do bem a ser partilhada.

 

Destaque-se, também, que a autorização do juízo sucessório competente é imprescindível para o caso de inventário e partilha por escritura pública. No caso, porém, o inventário e a partilha já foram realizados judicialmente, restando apenas a retificação de fração ideal de bem específico, de modo a possibilitar o registro do título.

 

A obtenção de alvará autorizando a inventariante do espólio de Oliveira Serafim – viúvo de Nair que faleceu em 2013 (fls. 26) – também não era necessária. Com efeito, por decisão datada de 29 de janeiro de 2024, proferida no processo nº 1019803-55.2014.8.26.0100, Vera Lúcia Sousa Serafim foi nomeada inventariante do espólio de Oliveira Serafim e autorizada a “proceder o necessário perante ao cartório extrajudicial para finalização da partilha” (fls. 142). Essa autorização é suficiente para legitimar Vera Lúcia a representar o espólio na lavratura de uma simples escritura de retificação, que da partilha judicial altera apenas aquilo que impossibilita a inscrição do título.

 

Também não vinga o argumento de que a omissão da cláusula de incomunicabilidade vitalícia na escritura altera a vontade da testadora (fls. 171).

 

Ora, se houve ratificação de todos os termos da partilha judicial, com exceção das frações do imóvel matriculado sob nº 27.051 atribuídas aos herdeiros (fls. 28), conclui-se que a incomunicabilidade vitalícia sobre a fração ideal do mesmo bem que coube à Karina Augusto Serafim constante no formal de partilha (fls. 93) produzirá todos os seus efeitos, sem desvirtuamento algum da vontade da testadora (fls. 59/61).

 

É o caso, portanto, de afastamento da exigência apresentada pelo Oficial e mantida pela MM. Juíza Corregedora Permanente na r. sentença proferida.

 

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.

 

FRANCISCO LOUREIRO

 

Corregedor Geral da Justiça

 

Relator

 

Nota:

 

[1] Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. (DJe de 18.09.2024 – SP)

 

Fonte: DJE/SP

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