Ao concluir julgamento, Suprema Corte estabeleceu critérios rigorosos para a concessão de remédios registrados na Anvisa, mas não incorporados ao SUS. Decisão visa equilibrar escassez de recursos e a igualdade de acesso à saúde
O STF concluiu a definição dos parâmetros a serem observados para a concessão judicial de medicamentos registrados na Anvisa, mas não incorporados ao SUS, independentemente do custo. O mérito do RE 566.471, com repercussão geral (Tema 6), foi julgado em março de 2020. A tese, proposta em um voto conjunto dos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, foi levada ao plenário virtual, em julgamento encerrado no dia 20 (íntegra abaixo).
O Tribunal definiu, como regra geral, que, se o medicamento registrado na Anvisa não constar das listas do SUS (Rename, Resme e Remune), independentemente do custo, o juiz só pode determinar seu fornecimento em situações excepcionais. Nesses casos, o autor da ação judicial deve comprovar, entre outros requisitos, que não possui recursos financeiros para adquirir o medicamento, que o mesmo não pode ser substituído por outro fármaco disponível na lista do SUS, que sua eficácia é comprovada por evidências científicas e que seu uso é imprescindível para o tratamento. Caso todos esses requisitos sejam cumpridos, caberá ao Judiciário, em caso de deferimento judicial do medicamento, oficiar os órgãos competentes para que avaliem a possibilidade de incorporação do medicamento no âmbito do SUS.
A tese construída no voto conjunto se baseia em três premissas: a limitação de recursos e a busca por eficiência nas políticas públicas, a igualdade de acesso à saúde e o respeito à expertise técnica e à medicina baseada em evidências. Os ministros argumentam que os recursos públicos são finitos e que a judicialização excessiva pode comprometer a sustentabilidade do sistema de saúde. A concessão de medicamentos por decisão judicial, embora beneficie indivíduos, pode gerar impactos negativos para a maioria da população que depende do SUS. Diante disso, torna-se necessário estabelecer políticas e parâmetros aplicáveis a todos os cidadãos.
De acordo com o voto, a concessão judicial de medicamentos deve ser respaldada por avaliações técnicas, com base na medicina baseada em evidências. Isso porque os órgãos técnicos possuem o conhecimento especializado para avaliar a eficácia, a segurança e a relação custo-efetividade de um medicamento. A posição do ministro Marco Aurélio (aposentado) foi vencida.
Tese de repercussão geral
A partir de voto conjunto dos ministros Barroso e Gilmar, foram fixados vários critérios para o fornecimento. Veja:
1 – A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do Sistema Único de Saúde – SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo.
2 – É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação:
(a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item ‘4’ do Tema 1.234 da repercussão geral;
(b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011;
(c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas;
(d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise;
(e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e
(f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento.
3 – Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente:
(a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato administrativo;
(b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação; e
(c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS.
Processo: RE 566.471
Fonte: Migalhas
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