A extrajudicialização dos procedimentos de inventário, partilha, divórcio e separação consensuais é uma história de sucesso. A Lei nº 11.441/2007 e a Resolução nº 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça foram o primeiro passo de um processo normativo que parece constante e irrefreável e que já revolucionou o sistema jurídico brasileiro, com notáveis economias de tempo e de recursos públicos e privados.

 

Esse sucesso tem sido tão grande que o exemplo vem sendo expandido para outros temas, como a autorização de viagem de crianças e adolescentes, e não é difícil antever a desjudicialização de todos os procedimentos de jurisdição voluntária. Aliás, essa “onda” já permite até mesmo a usucapião e a adjudicação compulsória extrajudiciais quando não houver “lide”, que seriam consideradas contradições em termos até há pouco tempo atrás.

 

A mais recente evolução é a Resolução nº 571/2024 do CNJ, complementada por uma resolução já aprovada pelo Conselho Superior do Ministério Público, que ainda não foi publicada, tampouco numerada.

 

Nessas alterações recentes, a escritura pública de declaração da separação de fato e de extinção da união estável substituem, como subespécies, a “separação consensual”.

 

Fica permitida a emissão de certidão da escritura por quesitos, específica sobre alguns bens, para manter alguma privacidade sobre a titularidade de outros bens cuja propriedade não depende de registro público, desde que assim requerido pelas partes. Essa possibilidade permite o registro da transmissão patrimonial no registro de imóveis ou em instituições financeiras sem que o valor total do “monte mor” ou dos quinhões de cada herdeiro seja amplamente publicizado, por exemplo. Mas a publicidade da escritura pública não fica prejudicada e ainda é possível a consulta pela Censec e a obtenção de certidão de inteiro teor por terceiros, diretamente no tabelionato.

 

Poderes de inventariante

Foram ampliados os poderes do inventariante, que pode buscar as informações bancárias e fiscais necessárias, levantar valores, concluir negócios e pagar despesas. Os herdeiros podem autorizar por escritura pública a alienação de bens do espólio pelo inventariante, de comum acordo e sem autorização judicial, com a cautela necessária para que não seja prejudicado o pagamento das dívidas e despesas do espólio e nem prejudicados os direitos de eventuais credores do espólio ou dos herdeiros ou do(a) meeiro(a).

 

O inventariante deve prestar caução real ou fidejussória de que o produto da venda será destinado ao pagamento das dívidas e despesas do inventário, no prazo máximo de um ano. Uma vez pagas as dívidas, a garantia prestada pelo inventariante fica extinta.

 

O bem alienado deve ser relacionado no acervo hereditário, para cálculo dos tributos e quinhões, mas não é objeto de partilha (pois somente o produto da venda que não tenha sido consumido por dívidas ou despesas será partilhado).

 

Estão autorizados os inventários e partilhas extrajudiciais mesmo que haja interesses patrimoniais de incapazes, desde que haja aprovação do Ministério Público. Mas essa autorização ainda não é plena. Os atos de disposição são proibidos, pois é necessário que o incapaz receba a fração ideal de seu quinhão hereditário ou a meação correspondente a cada um dos bens inventariados.

 

Se houver um potencial herdeiro nascituro, é preciso esperar o registro de nascimento, com indicação da parentalidade ou de nascimento sem vida. Além disso, existe um aparente conflito entre a redação do caput e do § 3º do artigo 12-A, pois, num primeiro momento, a aprovação do Ministério Público é um requisito (“desde que” “haja”) para a possibilidade de celebrar a escritura, enquanto mais adiante é mera condição de eficácia da escritura pública.

 

Ação do Ministério Público

Se o Ministério Público ou terceiro interessado fizer(em) impugnação, o procedimento deve ser encaminhado ao juízo competente — mais uma vez, parece que a aprovação é requisito para a celebração da escritura (caso contrário, deveria ser encaminhada a escritura e não o “procedimento”). Além disso, essa impugnação ainda não parece ser a “via ordinária”, pois, no § 2º do artigo seguinte, quando há referência ao “Juízo competente”, fica claro que se trata do “Juízo competente em matéria de registros públicos” para a solução de dúvidas.

 

Os expedientes das escrituras públicas com interesses de incapazes devem ser remetidos na íntegra para análise e manifestação do Ministério Público. Tanto a remessa quanto a manifestação devem ser feitas por meio eletrônico interoperável e preferencialmente por meio da plataforma E-notariado.

 

O membro do Ministério Público tem prazo de 15 dias para aprovação do ato, para sua impugnação ou para requisição de documentos complementares. A fluência desse prazo sem manifestação do Ministério Público, entretanto, não implica anuência, pois é exigida a aprovação do Ministério Público. Portanto, trata-se de prazo impróprio e não preclusivo que, quando muito, poderia gerar alguma consequência disciplinar, pelo descumprimento do prazo.

 

Também estão autorizados inventários e partilhas extrajudiciais mesmo que o autor da herança tenha deixado testamento, mas todos os interessados devem estar representados por advogado. Como foi revogada a regra que permitia expressamente um advogado comum para as partes do divórcio (artigo 47), pode haver insegurança quanto a essa possibilidade. Entretanto, se não houver conflito de interesses entre as partes parece possível a representação por apenas um advogado.

 

Cumprimento de testamento

O inventário e a partilha extrajudiciais precisam ser autorizados na ação de abertura e cumprimento do testamento, com trânsito em julgado. Se houver menores ou incapazes, também é necessária a aprovação do Ministério Público nos mesmos moldes.

 

Nos casos de ineficácia ou nulidade do testamento, deve haver reconhecimento judicial transitado em julgado na ação de abertura e de cumprimento do testamento. Se no testamento for reconhecido filho ou houver outra declaração irrevogável, fica inviabilizado o inventário e partilha extrajudicial. As dúvidas do tabelião devem ser suscitadas ao Juízo competente em matéria de registros públicos.

 

Está permitida a eficácia da união estável incontroversa entre os interessados ou já comprovada em ação judicial, escritura pública ou termo declaratório registrados no registro civil, caso em que ficam garantidas a meação e a condição de herdeiro do convivente.

 

A aprovação da escritura pública pelo Ministério Público é necessária sempre que houver menor ou incapaz.

 

É do inventariante a responsabilidade pela correta estimativa do valor dos bens do espólio e permitida a cobrança de emolumentos adicionais, se a Fazenda Pública discordar da avaliação.

 

Casamento e união estável

Foram reorganizadas e atualizadas as regras sobre divórcio consensual, separação de fato (que pode ser unilateral) e extinção da união estável, também atualizadas pela possibilidade de partilha com filhos menores ou incapazes, desde que haja prévia resolução judicial de todas as questões referentes à guarda, visitação e alimentos, caso em que as eventuais dúvidas devem ser submetidas ao Juízo prolator da decisão (diferentemente das anteriores).

 

Finalmente, perdeu sentido a regra sobre a alteração unilateral do nome de casamento, que já pode ser feita diretamente no registro civil.

 

Como visto, o processo de extrajudicialização continua avançando firme e forte, pois os seus resultados superam quaisquer expectativas. A sociedade civil já se acostumou às economias de tempo de recursos públicos e privados proporcionados pela extrajudicialização e não foram sentidos quaisquer efeitos prejudiciais nesse processo, pois todas as cautelas necessárias para a preservação da segurança jurídica dos envolvidos, a prevenção de fraudes e o  correto recolhimento de tributos vêm sendo adotadas.

 

Com a consolidação dessas evoluções, é provável que em breve até mesmo a autorização judicial para a alienação de bens de menores ou de incapazes venha a seguir esse modelo de escritura pública previamente aprovada pelo Ministério Público.

 

Fonte: Conjur

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