O Telegram, uma das principais plataformas de comunicação social do mundo ao lado do WhatsApp, WeChat, Instaram, YouTube e TikTok, se tornou um aplicativo amplamente utilizado ao redor do mundo para facilitar a prática de diversos tipos de crimes.

 

Isso acontece porque os usuários do aplicativo podem utilizar números virtuais (VoIP) para criar contas sem manusear seu número real, que, quando usado para realizar o cadastro na plataforma, pode ser propositalmente ocultado pelo usuário, que se vale tão somente de um apelido identificador.

 

Além disso, o Telegram foi pioneiro no uso de criptografia nas suas mensagens, uma característica que posteriormente foi copiada por seus rivais e que garante que  as mensagens só possam ser lidas no dispositivo que as envia e que a recebe.

 

O aplicativo também foi o primeiro a se valer do uso de mensagens autodestrutivas e da característica de que os usuários podem integrar grupos e canais sem que seu nome ou número apareça publicamente para os demais integrantes do chat.

 

Por esse motivo, não é difícil encontrar grupos públicos voltados para a venda dos mais diversos serviços e mercadorias ilícitas. Encontram-se facilmente grupos que vendem serviços de hacking, cartões de crédito roubados, drogas, documentos falsificados, armamento e pornografia infantil, além daqueles que promovem variados golpes com criptomoedas. Isso fez com que o Telegram passasse a ser conhecido por muitos como “a dark web no seu bolso [1]“e chamado de “paraíso da liberdade” pelo O Estado de S. Paulo [2].

 

Em 2022, de maneira semelhante com o que aconteceu recentemente com o X, o ministro Alexandre de Moraes, no âmbito dos autos da Petição 9.935/DF, sob a alegação de estar coibindo a disseminação de notícias fraudulentas, determinou a suspensão completa e integral do funcionamento das atividades do Telegram no Brasil, até que o aplicativo de mensagens cumprisse as decisões judiciais exaradas pelo STF [3].

 

Em maio de 2023, no Inq 4.933 [4], instaurado para apurar a atuação de diretores do Google e do Telegram em suposta campanha contra o PL 2.630/2020, que ficou popularmente conhecido como “PL das Fake News”, o ministro estabeleceu o prazo de 24 horas para que o Telegram indicasse, em juízo, sua representação oficial no Brasil, sob pena de suspensão do funcionamento dos serviços no país e de multa diária de R$ 500 mil pelo descumprimento.

 

O Telegram também enfrentou problemas com autoridades de vários países por questões de segurança, ausência de moderação de conteúdo e de recusa de envio de informações às autoridades, tanto que, em agosto de 2024, o presidente-executivo do Telegram, o russo Pavel Durov, foi preso em Paris sob a acusação de ser cúmplice de diversos crimes ao não tomar medidas para o conter o uso criminoso do Telegram [5], sobretudo no que concerne ao tráfico de drogas, crime organizado, lavagem de dinheiro, promoção de terrorismo e abuso sexual infantil. Do outro lado da argumentação, os defensores do Telegram alegam que a prisão de Pavel é um duro golpe à liberdade de expressão, argumentando que a plataforma, que é apenas uma ferramenta de comunicação, não deve ser considerada responsável pelas ações de seus usuários, que muitas vezes residem em países autoritários cujas plataformas de comunicação são dotadas de grande controle estatal.

 

Até hoje o Telegram não possui registro de CNPJ no Brasil, operando sem representação formal ou filial registrada, o que tem gerado diversas críticas e desafios, especialmente no que concerne à forma como se dá sua representação judicial e seu diálogo com as autoridades brasileiras. Não obstante, por força de procuração com poderes específicos, os representantes da plataforma no Brasil têm recebido intimações, citações e, consequentemente, respondido às demandas que são propostas contra o Telegram em território nacional.

 

Crimes com uso de ativos digitais

Não obstante a grande quantidade de processos que versam sobre bloqueio de canais com conteúdo criminoso, personificação de celebridades e influenciadores, crimes contra a honra, exposição da intimidade sexual, identificação de usuários anônimos e violação de direitos autorais e propriedade intelectual, notamos um substancial aumento de demandas em face do Telegram que versam sobre o cometimento de esquemas de investimentos fraudulentos em sua plataforma que usam, ou que simulam, a utilização de criptomoedas e ativos digitais.

 

Grande parte da criminalidade que se vale do uso dessa plataforma para perpetrar fraudes envolvendo ou simulando o uso de ativos virtuais operam sob pseudônimos, perfis falsos ou contas que ocultam informações como seu nome real e número de telefone. Esse anonimato é intencional, já que os delinquentes confiam na suposição de que o Telegram, dada sua notória postura de defesa privacidade e em razão da ausência de representação oficial no Brasil, não irá, sob circunstância alguma, fornecer dados que revelem suas identidades às autoridades persecutórias. Tal percepção, contudo, é tão distorcida quanto a visão que boa parte das pessoas possuem acerca das criptomoedas, que, supostamente, seriam ferramentas destinadas à criminalidade.

 

O Telegram, na qualidade de provedor de aplicações de internet, por força da redação do artigo 15, da Lei nº 12.965/14 (Marco Civil da Internet), tem a obrigação de armazenar e fornecer dados de seus usuários quando solicitados por ordem judicial:

 

Art. 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.

 

Direito à privacidade não é absoluto

Além disso, segundo a pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o direito à privacidade e sigilo de dados, garantido pelos incisos X, XI e XII do artigo 5º da Constituição, não é absoluto e deve ceder diante de relevante interesse público ou social, no interesse da justiça quando a violabilidade do sigilo visa impedir ou punir pela prática de crimes graves, como vem reiteradamente acontecendo na plataforma.

 

Não só isso, mas a própria política de privacidade do Telegram, recentemente modificada após a prisão de Pavel Durov [6], assegura que a plataforma possui acesso aos dados identificadores dos usuários cadastrados em sua plataforma, firmando seu compromisso de disponibilizá-los para colaborar com medidas criminais tão logo receba uma ordem judicial nesse sentido:

 

“8.3. (…) O Telegram é um serviço seguro que protege ativistas e pessoas comuns de monopólios de dados e governos autoritários. No entanto, caso o Telegram receba uma ordem judicial de um país democrático, como o Brasil, em relação ao uso da plataforma pública do Telegram para atividades proibidas pelos Termos de Uso como terrorismo e abusos contra crianças e adolescentes os endereços de IP e números de telefone de suspeitos podem ser disponibilizados para as autoridades competentes.”

 

Dessa forma, mesmo considerando que a proposta de negócio do Telegram é justamente a de ser uma plataforma de comunicação de alto alcance que minimize a coleta de dados de seus usuários e que garante uma maior camada de defesa da sua privacidade, há de convir que a virtualidade não é um território livre onde vigora um novo contrato social, criado e gerido pelos próprios criadores das plataformas que ali operam, de forma que o Telegram é obrigado a fornecer dados e informações personalíssimas dos usuários que cometem crimes em sua plataforma.

 

[1] https://www.bbc.com/news/articles/cdey4prn3e1o

 

[2] https://www.conjur.com.br/2024-set-01/apresentado-como-paraiso-da-liberdade-telegram-e-abrigo-de-grupos-criminosos/

 

[3] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=483659&ori=1

 

[4] https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/INQ493321despacho.pdf

 

[5] https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3ej0gk2157o

 

[6]https://www.forbes.com/sites/thomasbrewster/2024/09/24/the-wiretap-telegram-will-start-giving-data-to-cops/

 

Fonte: Conjur

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