Apelação Cível nº 1094448-02.2024.8.26.0100
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1094448-02.2024.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1094448-02.2024.8.26.0100
Registro: 2024.0001125676

ACÓRDÃO -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1094448-02.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante VICKY BARCELONA COMERCIAL IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 13 de novembro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1094448-02.2024.8.26.0100
APELANTE: Vicky Barcelona Comercial Importação e Exportação Ltda
APELADO: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 43.626

Apelação – Dúvida – Registro de Imóveis – Negativa de inscrição no fólio real de contrato de locação e seu aditamento para assegurar observância da cláusula de vigência e do exercício do direito de preferência em caso de alienação da coisa locada – Exigência de assinaturas eletrônicas qualificadas dos signatários – Óbice mantido – Assinatura eletrônica qualificada exigível por força do disposto no artigo 5º, §1º, inciso II, da lei nº 14.063/2020, e nos itens 365 e 366 das NSCGJ – Regramento da Corregedoria Nacional que não instituiu regra diversa para a prática de atos de registro, como ocorre na espécie – Recurso a que se nega provimento.

Trata-se de apelação interposta por Vicky Barcelona Comercial Importação e Exportação Ltda. contra a r. sentença proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que negou o pedido de registro de instrumento particular de locação e seu respectivo aditamento, envolvendo o imóvel objeto da matrícula nº 181.531 daquela serventia.

A apelante insiste na aptidão do título a registro/averbação, defendendo a suficiência das assinaturas eletrônicas avançadas produzidas por meio da plataforma digital DocuSign, invocando o artigo 4º, II, da Lei nº 14.063/2020 e o artigo 10, §2º, da Medida Provisória nº 2200-2 de 2001. Pede, portanto, a reforma da sentença.
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 112/114).

É o relatório.

A apelante apresentou o contrato de locação e respectivo aditamento (fls. 23/26 e 27/37) referentes ao imóvel objeto da matrícula nº 181.531 do 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, por meio do e-protocolo disponível no site do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – ONR, para fins (i) de registro por ter sido consignada a cláusula de vigência (cláusula 14.1.2, fls. 32), nos termos do artigo 167, I, 3, da Lei nº 6.015/1973, e (ii) de averbação para o exercício do direito de preferência (cláusula 15, fls. 33), conforme artigo 167, II, 16, da mesma lei.

Conforme consta dos autos, o instrumento particular de locação foi firmado em 16 de agosto de 2021, aditado em 27 de fevereiro de 2023, e as assinaturas apostas em ambos os instrumentos foram obtidas eletronicamente por meio da plataforma “DocuSign”, de modo que não são passíveis de validação e de confirmação de conformidade aos padrões da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil no site validar.iti.gov.br.

O pedido foi negado pelo Oficial, conforme a nota de devolução relativa à prenotação de nº 663.914 (fls. 40/41), contendo a seguinte exigência:

“Exigências constantes da Nota Devolutiva anterior não satisfeitas: i) O instrumento particular de contrato de locação datado de 16 de agosto de 2021, e respectivo aditamento datado de 27 de fevereiro de 2023, foram assinados digitalmente por todas as partes do contrato, inclusive testemunhas, portanto, por tratar-se de título nato digital, deverá ser apresentado o arquivo assinado, nos termos do item 366 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, para que se possa realizar a validação no sítio eletrônico verificador.iti.gov.br, de todas as assinaturas, as quais deverão obedecer o padrão ICPBrasil.
No presente caso, as assinaturas do contrato junto ao site verificador.iti.gov.br, não foram confirmadas. ii) Outrossim, nada impede que seja apresentado o ‘título físico’, na sua via original, subscrito pelas partes contratantes e com todas as firmas reconhecidas, inclusive das testemunhas. (Art. 221, inciso II, da Lei nº 6.015/73).”.
O ingresso do título foi obstado porque as assinaturas eletrônicas constantes do instrumento particular de locação e seu aditamento não são qualificadas, já que não foram produzidas com certificado digital de padrão ICP-Brasil, e, quanto a isso, não há controvérsia.
Diante da manutenção da exigência com o julgamento procedente da dúvida (fls. 60/64), a apelante insiste na aptidão do título a registro/averbação, defendendo a suficiência das assinaturas eletrônicas avançadas produzidas por meio da plataforma digital “DocuSign”.

Em abono a sua pretensão, alega que as partes admitem o contrato como válido e que a solicitação é de menor impacto porque postulam a “mera averbação do contrato de locação”.
Mas não tem razão.

É incontroverso e a r. sentença bem pontuou que as assinaturas das partes e das testemunhas apostas no contrato de locação e seu aditamento apresentados ao Oficial de Registro não foram produzidas com certificado digital ICP-Brasil, como exige o artigo 5º, § 2º, IV, da Lei nº 14.063/2020.
A Lei nº 14.063/2020, que, entre outras coisas, “dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos”, classifica, no artigo 4°, a assinatura eletrônica em 03 (três) modalidades:

(i) assinatura eletrônica simples; (ii) assinatura eletrônica avançada; e (iii) assinatura eletrônica qualificada. Confira-se:

“Art. 4º Para efeitos desta Lei, as assinaturas eletrônicas são classificadas em:

I – assinatura eletrônica simples:

a) a que permite identificar o seu signatário;

b) a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário;

II – assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características:

a) está associada ao signatário de maneira unívoca;

b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo;

c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável;

III – assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.

§ 1º Os 3 (três) tipos de assinatura referidos nos incisos I, II e III do caput deste artigo caracterizam o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, e a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos.

§ 2º Devem ser asseguradas formas de revogação ou de cancelamento definitivo do meio utilizado para as assinaturas previstas nesta Lei, sobretudo em casos de comprometimento de sua segurança ou de vazamento de dados”.

Nos termos do decidido no RESP 2159442-PR, julgado em 24/09/2024, “A intenção do legislador foi de criar níveis diferentes de força probatória das assinaturas eletrônicas (em suas modalidades simples, avançada ou qualificada), conforme o método tecnológico de autenticação utilizado pelas partes, e – ao mesmo tempo – conferir validade jurídica a qualquer das modalidades, levando em consideração a autonomia privada e a liberdade das formas de declaração de vontades entre os particulares”.

E a diferença principal entre as três modalidades de assinatura eletrônica está no nível de segurança e na forma de verificação da identidade do signatário.

A assinatura eletrônica simples é a que anexa ou associa os dados de quem subscreve no formato eletrônico e, dessa forma, possibilita a identificação do signatário. Exemplos de assinatura eletrônica nesse formato é a assinatura de um e-mail e a escolha da opção “concordo” ou “assine aqui” numa caixa de seleção. Ela, todavia, não garante que o subscritor do documento seja legítimo.

A assinatura eletrônica avançada é aquela hábil a se associar ao signatário de maneira única, como, por exemplo, por meio de token, biometria ou senhas únicas e temporárias recebidas por e-mail ou mensagem de texto. No RESP supra referido, reconheceu-se que “a assinatura eletrônica avançada seria o equivalente à firma reconhecida por semelhança”.

Por fim, a assinatura eletrônica qualificada é a que utiliza o certificado digital e ostenta o nível mais elevado de confiabilidade, tendo sido equiparada “à firma reconhecida por autenticidade” no julgamento do RESP mencionado. Segundo o artigo 4º, III, da Lei 14.063/2020, a assinatura eletrônica qualificada é a que utiliza o certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, ou seja, aquele disponibilizado pela ICP-Brasil.

No caso em análise, as assinaturas lançadas no título apresentado não possuem padrão ICP-Brasil, tratando-se de assinaturas eletrônicas avançadas e, à luz do artigo 5º, §2º, IV, da Lei 14.063/2020, não são aceitas nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, exigindo-se a assinatura eletrônica qualificada, ressalvado o registro de atos perante as juntas comerciais:

“Art. 5º No âmbito de suas competências, ato do titular do Poder ou do órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo estabelecerá o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público.

(…)
§ 2º É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada:
(…)
IV – nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvado o disposto na alínea “c” do inciso II do § 1º deste artigo;
(…)
§ 4º O ente público informará em seu site os requisitos e os mecanismos estabelecidos internamente para reconhecimento de assinatura eletrônica avançada.
§ 5º No caso de conflito entre normas vigentes ou de conflito entre normas editadas por entes distintos, prevalecerá o uso de assinaturas eletrônicas qualificadas”.

Relativamente à Medida Provisória n. 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP-Brasil, muito embora ela não impeça o uso de outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica (artigo 10, § 2º), é certo que, em se tratando de atos de transferência e de registro de bens imóveis, diante do disposto no artigo 5º, §2º, IV, da Lei 14.063/2020, é necessário que a assinatura eletrônica seja qualificada.

Trata-se de lei especial que permanece em vigor e não foi alterada pela Lei nº 14.620/23, a qual modificou o artigo 784 do CPC para tratar de assinatura eletrônica nos títulos executivos.
No âmbito da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, a matéria é tratada nos itens 365 e 366, do Capítulo XX, das Normas de Serviço:

“365. A postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico, para remessa às serventias registrais para prenotação (Livro nº 1 – Protocolo) ou exame e cálculo (Livro de Recepção de Títulos), bem como destas para os usuários, serão efetivados por intermédio da Central Registradores de Imóveis.
366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”.

No mesmo sentido, dispunha o artigo 324 do Provimento CNJ nº 149/2023, que disciplinava a matéria ao tempo da apresentação do título no fólio real:

“Art. 324. Todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados ou do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), e processá-los para os fins do art. 182 e §§ da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

§ 1º Considera-se um título nativamente digital:

I – o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com Certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários e testemunhas…”.
Muito embora a revogação do artigo 324 do Provimento nº 149/2023 do CNJ pelo recente Provimento 180, de 16 de agosto de 2024, não se alterou a exigência de que os documentos nato-digitais apresentados à prática de ato de transferência e de registro no fólio real contenham assinaturas eletrônicas qualificadas.
Confira-se:

“Art. 208. Os oficiais de registro e os tabeliães deverão recepcionar diretamente títulos e documentos nato-digitais ou digitalizados, observado o seguinte:

I – a recepção pelos tabeliães de notas e de protestos ocorrerá por meio que comprove a autoria e integridade do arquivo;

II – a recepção pelos oficiais de registro ocorrerá por meio:

a) preferencialmente, do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – Serp e dos sistemas que o integra (especialmente os indicados nos incisos I a III do § 1º do art. 211 deste Código); ou

b) de sistema ou plataforma facultativamente mantidos em suas próprias serventias, desde que tenham sido produzidos por meios que permitam certeza quanto à autoria e integridade.

§ 1º Consideram-se títulos nato-digitais, para todas as atividades, sem prejuízo daqueles previstos em lei específica:

I – o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado, por todos os signatários (inclusive testemunhas), com assinatura eletrônica qualificada ou com assinatura eletrônica avançada admitida perante os serviços notariais e registrais (art. 17, §§ 1º e 2º, da Lei n. 6.015/1973; art. 38, § 2º, da Lei n. 11.977/2009; art. 285, I, deste Código);
(…)”

No caso concreto, porém, não se está diante do acesso ou envio de informações aos registros públicos (art. 17, §1º, da Lei 6.015/1973), assim como não se trata de atos expedidos pelos registros públicos (art. 38, da Lei 11.977/2009) nem de assinatura eletrônica notarizada (art. 285 do Provimento nº 149/2023), e, por fim, a Corregedoria Nacional já expediu regras de admissão da assinatura avançada em atos que envolvam imóveis, como facultam o artigo 17, §2º, da Lei 6.015/1973 e o artigo 38, §2º, da Lei 11.977/2009, mas não para os atos de transferência e registro, que continuam submetidos à exigência do artigo 5º, §2º, IV, da Lei 14.063/2020.

Por oportuno, como o registro da cláusula de vigência da locação impedirá que o contrato seja denunciado pelo adquirente, ex vi do disposto no artigo 8º da Lei nº 8.245/91 e no artigo 576 do Código Civil, inviável a flexibilização pretendida pelo recorrente quanto à modalidade de assinatura eletrônica exigida para a prática do ato, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.

Em suma, tratando-se de títulos nato-digitais que ensejam ato de registro em matrícula imobiliária, mas que não contam com a assinatura eletrônica qualificada, exigida pelo artigo 5º, §2º, IV, da Lei 14.063/2020, a recusa do Oficial de Registro deve prevalecer.

A interessada pode, alternativamente, apresentar o original em meio físico, como observado pelo Oficial.
Assim, o óbice deve ser mantido.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJe de 26.11.2024 – SP)

Fonte: 29° Tabelionato de Notas

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