*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Direito Empresarial 2024, lançado nesta segunda-feira, na Fiesp. A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui). Acesse a versão digital pelo site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br).

De um lado, empresas precisam de capital para garantir liquidez e expandir suas atividades e, de outro, investidores com apetite financeiro para apostar em determinados mercados em busca de rentabilidade. Essa junção da fome com a vontade de comer é o que forma o mercado de capitais, meio pelo qual as sociedades empresariais e o poder público prospectam recursos para captar investimentos.

Abrir capital da empresa na bolsa de valores, com a emissão de ações (títulos de participação), é uma das possibilidades de obtenção de investimentos. Nesse caso, ao fazer uma IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês) na bolsa, a companhia deixa de ser limitada (Ltda), com dois ou mais sócios, e passa a contar com vários sócios anônimos, tornando-se uma sociedade anônima (S/A).

Mas a venda de ações não é a única opção. As companhias também podem recorrer a financiamentos, por exemplo, por meio da negociação de debêntures e outros títulos de dívida – nesses casos, quem investe não se torna sócio, mas credor da empresa. Os papéis, chamados de valores mobiliários, são negociados na B3 (Brasil, Bolsa, Balcão), em São Paulo, que é a única bolsa de valores que opera no país, com supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda responsá-vel por fiscalizar e regular o setor. Toda oferta pública de distribuição de valores mobiliários deve ser submetida previamente a registro junto à CVM, conforme dispõe a Lei 6.385/1976, que regulamentou o mercado de capitais e criou a autarquia, e a Resolução CVM 160.

Em julho de 2024, o Rio de Janeiro anunciou a chegada da nova bolsa de valores, que será operada pela ATG (Americas Trading Group), empresa de tecnologia controlada pela Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos. A promessa é a de competir com a B3, a partir de 2025, com a expectativa de reduzir os custos para abrir capital na bolsa. Entre essas despesas estão, por exemplo, comissões e custos de quem assessora a oferta, advogados e auditores. “Não existe um valor fixo a ser pago para esses serviços e profissionais, mas a estimativa calculada pela B3 é de uma média de 6% do valor da oferta. Uma empresa que capta R$ 100 milhões no IPO, por exemplo, deve ter um custo médio de R$ 6 milhões para abrir o seu capital”, informa a B3.

O mercado de capitais no Brasil vem arrefecendo nos últimos anos. As emissões na bolsa atingiram R$ 463,7 bilhões em 2023, uma queda de 14,9% em relação ao ano anterior, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Dados operacionais da B3, divulgados em fevereiro de 2024, indicam que, em janeiro, a bolsa tinha 445 empresas listadas – o menor nível desde 2021.

Na movimentação de curto prazo, o Ibovespa fechou o primeiro semestre de 2024 com uma queda de 7,6%, o pior resultado do período desde 2020. A reação veio no fim de agosto, quando o índice fechou acima dos 137 mil pontos, o maior patamar da história, após a divulgação de dados otimistas sobre a economia dos Estados Unidos e, consequentemente, o fim do temor de recessão naquele país. Os juros nos EUA influenciam no mercado global e, quando estão elevados, atraem investidores para títulos do governo, considerados os mais seguros do mundo. A iminência de corte da taxa básica por parte do Federal Reserve (Fed), o banco central norte-americano, portanto, abre caminho para outros mercados, como o Brasil.

A seca de IPO que a bolsa de valores registrava há três anos só foi interrompida em julho de 2024, com a oferta de 32% das ações da Sabesp – 15% foram arrematados pela Equatorial (R$ 6,9 bilhões) e os outros 17%, vendidos a pessoas físicas, jurídicas e investidores. A privatização da maior empresa de saneamento do país – até então majoritariamente controlada pelo governo paulista– resultou em uma captação de R$ 14,7 bilhões, a maior oferta pública de 2024 das Américas, segundo o governo do Estado.

Como órgão regulador do mercado de capitais, a CVM é o agente do Estado com poder de polícia, nos termos do artigo 174 da Constituição Federal e da Lei 6.385/1976. Nesse papel, a autarquia pode agir tanto de ofício quanto por meio de apuração de denúncias externas.

Os processos de investigação e julgamento de irregularidades cometidas pelos agentes do mercado de capitais tramitam de forma segregada na CVM e são divididos entre as áreas técnicas (superintendências) do órgão e o colegiado. “Cabe às superintendências da CVM a investigação de infrações administrativas, a instrução processual e a instauração de processo administrativo sancionador destinado a apurar atos ilegais e práticas não equitativas de participantes de mercado alcançáveis pela atividade sancionadora da CVM. Já o colegiado da CVM tem a função exclusiva de julgar as acusações feitas pelas áreas técnicas, após a apresentação das respectivas defesas dos acusados”, explicou o presidente da CVM, João Pedro Nascimento, ao Anuário da Justiça. “Os atos relacionados à fase investigatória, incluindo a realização de todas as diligências úteis ou necessárias à instrução processual, a decisão pela instauração de um processo administrativo sancionador (ou não), assim como a decisão pela elaboração das respectivas peças acusatórias e o seu conteúdo, não são previamente analisadas e/ ou aprovadas pelo colegiado da CVM”, emendou.

Dados do relatório anual de atividade sancionadora da CVM mostram que em 2023 o órgão aplicou R$ 832 milhões em multas contra 186 pessoas acusadas de cometer irregularidades no mercado de capitais – alta de 1.771% em relação ao ano anterior, quando as sanções somaram R$ 44,4 milhões (117 acusados).

“A CVM também atua em permanente cooperação com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Veja-se que a CVM tem a responsabilidade de comunicar aos órgãos competentes a ocorrência de indícios de ilícito penal de ação pública por ela detectados”, frisou o presidente da autarquia. Só no primeiro trimestre de 2024, a CVM encaminhou 14 comunicados aos Ministérios Públicos dos estados e ao Ministério Público Federal sobre indícios de crime no mercado – a maioria deles relacionada a pirâmides financeiras e um sobre uso de informação privilegiada (insider trading).

O escândalo da fraude contá-bil na Americanas que resultou em um rombo de R$ 40 bilhões à companhia levantou debate sobre limitações e eventuais deficiências na atuação coercitiva da CVM. O presidente da autarquia não quis comentar o caso, mas o órgão admitiu à Agência Brasil que, entre os desafios, estão o orçamento e o quadro de pessoal limitados.

Ao Anuário da Justiça, o presidente João Pedro Nascimento falou em “processo sancionador estruturado” para evitar que as irregularidades passem impunes. “Naturalmente, trata-se de um trabalho que se aperfeiçoa com o tempo, por meio dos aprendizados da experiência prática e do emprego de novas tecnologias, dentre outros. As ações de fiscalização da entidade, bem como a atividade sancionadora da autarquia, são desempenhadas com a atenção necessária.”

Anuário da Justiça Direito Empresarial 2024
2ª edição
188 páginas
Editora Consultor Jurídico
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Fonte: Conjur

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