O abono de permanência foi instituído pela Emenda Constitucional nº 41, de 2003, com o propósito de incentivar a permanência dos servidores públicos em atividade, mesmo após cumprirem os requisitos para aposentadoria voluntária.

A introdução desse benefício gerou um extenso debate jurídico, especialmente no que diz respeito à sua natureza jurídica: seria ele uma verba remuneratória ou uma compensação indenizatória?

A resposta a essa questão possui profundas implicações sobre a forma como o abono de permanência deve ser tratado no contexto da legislação tributária e das verbas salariais, como o décimo terceiro salário e o adicional de férias.

Natureza jurídica do abono de permanência

A EC nº 41/2003, ao instituir o abono de permanência, visou não apenas manter os servidores no serviço público após o cumprimento dos requisitos para aposentadoria, mas também prevenir uma possível perda de experiência e qualificação na administração pública.

O benefício consiste em um pagamento ao servidor, equivalente ao valor de sua contribuição previdenciária, sendo devido enquanto ele não atingir a idade para aposentadoria compulsória, nos termos do artigo 40, § 19, da Constituição.

Desde sua criação, questiona-se se o abono deve ser considerado uma compensação pela não aposentadoria ou se, ao contrário, integra a remuneração do servidor, constituindo-se como um acréscimo à sua retribuição habitual. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado a compreensão de que o abono de permanência possui natureza remuneratória.

A decisão proferida no Recurso Especial nº 1.192.556/PE, que tratou da incidência do imposto de renda sobre o abono, corrobora essa tese ao reconhecer que o benefício deve ser considerado parte da remuneração do servidor.

O tribunal concluiu que, como o abono é uma verba de caráter permanente, deve ser tratado de forma semelhante aos demais componentes da remuneração para fins tributários:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ABONO DE PERMANÊNCIA. INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA.
1. Sujeitam-se incidência do Imposto de Renda os rendimentos recebidos a título de abono de permanência a que se referem o § 19 do art. 40 da Constituição Federal, o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional 41/2003, e o art. 7º da Lei 10.887/2004. Não há lei que autorize considerar o abono de permanência como rendimento isento.

(STJ, Primeira Seção, REsp n. 1.192.556/PE, relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 6/9/2010, grifos aditados)

O Tribunal, ao decidir que o abono deve ser tributado como rendimento, reconheceu que ele faz parte da remuneração do servidor, ou seja, trata-se de uma vantagem de caráter permanente e não uma compensação temporária ou indenizatória.

Gratificação natalina e adicional de férias

O citado entendimento, consolidado pelo STJ, evidencia que o abono de permanência não pode ser tratado de forma diferenciada em relação a outras parcelas salariais.

A gratificação natalina, popularmente conhecida como décimo terceiro salário, e o adicional de férias são direitos previstos pela Constituição e pela legislação infraconstitucional, aplicáveis tanto aos servidores públicos quanto aos trabalhadores da iniciativa privada.

O artigo 7º, inciso VIII, da CF, assegura que o décimo terceiro salário deve ser calculado sobre a remuneração integral do trabalhador. Da mesma forma, o artigo 39, § 3º, da CF estende aos servidores públicos os mesmos direitos trabalhistas dos trabalhadores privados, incluindo o cálculo do décimo terceiro e do adicional de férias sobre a remuneração integral.

Neste contexto, a Lei nº 8.112/1990, que estabelece o regime jurídico dos servidores públicos, também consagra que essas verbas devem ser calculadas sobre a remuneração integral, excluindo apenas as parcelas de caráter eventual.

Como o abono de permanência é entendido como uma verba de natureza permanente para fins tributários, ela deveria, portanto, ser incluída na base de cálculo dessas verbas, em consonância com a legislação vigente e com a jurisprudência consolidada sobre o tema.

O não reconhecimento dessa integração tem gerado discussões judiciais, como veremos a seguir.

Jurisprudência sobre tema

A prática administrativa, especialmente no âmbito da União, tem demonstrado uma inconsistência quanto ao tratamento do abono de permanência, uma vez que, em alguns casos, apesar de sua natureza remuneratória ser reconhecida para fins tributários, o valor do abono tem sido excluído das bases de cálculo de verbas como o décimo terceiro salário e o adicional de férias.

Nesse contexto, o STJ, ao julgar o AgInt no REsp nº 1.971.130/RN, reforçou a natureza remuneratória do abono de permanência, afirmando que o benefício deve, sim, integrar a base de cálculo do terço constitucional de férias e da gratificação natalina:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. ABONO PERMANÊNCIA. NATUREZA REMUNERATÓRIA. BASE DE CÁLCULO. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. GRATIFICAÇÃO NATALINA. INCLUSÃO.

O abono de permanência é uma vantagem de caráter permanente, incorporando-se ao patrimônio jurídico do servidor de forma irreversível, e insere-se no conceito de remuneração do cargo efetivo, devendo, por isso, integrar a base de cálculo do terço constitucional de férias e da gratificação natalina, por incidirem tais rubricas sobre a remuneração dos servidores.

(STJ, Primeira Turma, AgInt no REsp n. 1.971.130/RN, Relator Ministro Gurgel de Faria, DJe de 6/9/2023).

Além disso, diversos Tribunais Regionais Federais (TRFs) têm seguido a mesma linha, reforçando que, conforme o entendimento do STJ, o abono de permanência se insere no conceito de remuneração do cargo efetivo e deve, portanto, ser incorporado na base de cálculo dessas rubricas.

Decisões recentes do TRF-1 têm consolidado essa interpretação, refletindo a uniformidade na abordagem do tema em instâncias inferiores. Entre os precedentes relevantes, destacam-se a Apelação Cível nº 1078045-83.2021.4.01.3400, relatada pelo desembargador federal Eduardo Morais da Rocha (DJe de 30/07/2024), a Apelação Cível nº 1005025-93.2020.4.01.3400, relatada pelo desembargador federal Marcelo Velasco Nascimento Albertaz (DJe de 06/09/2023), e a Apelação Cível nº 1000592-39.2021.4.01.3100, também sob a relatoria do desembargador federal Eduardo Morais da Rocha (DJe de 11/09/2024).

Portanto, a inclusão do abono de permanência nas bases de cálculo dessas rubricas é uma prática respaldada pela jurisprudência, que visa a garantir o cumprimento integral dos direitos dos servidores, assegurando a correção nos valores pagos a título de décimo terceiro e adicional de férias.

Conclusão

O abono de permanência, criado pela Emenda Constitucional nº 41 de 2003, possui natureza remuneratória e deve ser incluído nas bases de cálculo da gratificação natalina e do adicional de férias, conforme a legislação vigente e a jurisprudência do STJ.

A exclusão do abono dessas bases de cálculo pela União é uma prática administrativa equivocada e contrária aos direitos dos servidores públicos, que devem ser garantidos de acordo com a Constituição e as leis infraconstitucionais.

Portanto, o reconhecimento da natureza remuneratória do abono de permanência e sua inclusão nas bases de cálculo do décimo terceiro salário e do adicional de férias são direitos constitucionais dos servidores públicos e devem ser respeitados pela administração pública, garantindo a justiça no tratamento das remunerações e benefícios devidos aos servidores.

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Referências bibliográficas

Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003. Altera dispositivos do art. 40 da Constituição Federal, que dispõe sobre o regime de previdência dos servidores públicos. Diário Oficial da União, 19 dez. 2003.

Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da União, 11 dez. 1990.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Recurso Especial n. 1.192.556/PE. Relator: Min. Mauro Campbell Marques. Decisão: 06 set. 2010. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 06 dez. 2024.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.971.130/RN. Relator: Min. Gurgel de Faria. Decisão: 06 set. 2023. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 06 dez. 2024.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO (TRF1). Apelação Cível n. 1078045-83.2021.4.01.3400. Relator: Desembargador Federal Eduardo Morais da Rocha. Decisão: 30 jul. 2024. Diário de Justiça Eletrônico (DJe).

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO (TRF1). Apelação Cível n. 1005025-93.2020.4.01.3400. Relator: Desembargador Federal Marcelo Velasco Nascimento Albertaz. Decisão: 06 set. 2023. Diário de Justiça Eletrônico (DJe).

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO (TRF1). Apelação Cível n. 1000592-39.2021.4.01.3100. Relator: Desembargador Federal Eduardo Morais da Rocha. Decisão: 11 set. 2024. Diário de Justiça Eletrônico (DJe).

Fonte: Conjur

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