As pesquisas para encontrar bens passíveis de penhora do devedor e, consequentemente, tentar a quitação de débitos em execuções e cumprimentos de sentenças, muitas vezes se tornam não só cansativas e onerosas para o credor, mas muito previsíveis pela parte contrária.
Alguns tipos de pesquisa, como Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud), Sistema de Informações ao Judiciário (Infojud) e Sistema de Restrição Judicial de Veículos (Renajud), podem ser até mesmo enquadradas como pesquisas de praxe pelos credores e que todo devedor espera que ocorra, o que pode contribuir para execuções frustradas.
Em que pesem as inovações das pesquisas supramencionadas, especialmente com a nova modalidade de Sisbajud — a chamada “teimosinha”, que permite as tentativas repetidas de bloqueios de ativos do devedor durante determinado período, bem como o novo Sistema Nacional de Investigação Patrimonial de Ativos (Sniper) —, é certo que as buscas por bens penhoráveis do devedor estão se tornando cada vez mais difíceis, principalmente diante das diversas formas de proteção patrimonial.
Integralização do capital social é alternativa
Esta interminável busca também contribui para a demora do trâmite processual, aumentando o número de ações perante o Poder Judiciário. Para corroborar o exposto, o relatório Justiça em Números 2024 [1], disponibilizado pelo Conselho Nacional de Justiça, traz expressivos números, divulgando a taxa de congestionamento das ações, o tempo médio dos processos, entre outros.
Por esta razão, é de extrema importância buscar outras formas de pesquisa, além das já convencionais. A título de exemplo, e que pode ser eficaz para casos de devedoras pessoas jurídicas de responsabilidade limitada e sem ativos visíveis, o pedido de comprovação da integralização do capital social pelos sócios é uma opção.
Isto porque, nos termos do artigo 1.052 do Código Civil, na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
Para que o sócio possa ser alcançado e ter o seu patrimônio atingido, é necessária a desconsideração da personalidade jurídica, por meio da comprovação do abuso de personalidade pelo desvio de finalidade ou da confusão patrimonial, nos termos do artigo 50 do Código Civil [2], uma vez que na sociedade limitada há separação entre o patrimônio do sócio e o patrimônio da sociedade.
De forma resumida, os credores da sociedade não podem atingir o patrimônio pessoal dos sócios da sociedade devedora, considerando a separação acima mencionada e a proteção que é criada pelo instituto da sociedade limitada.
Mas há uma exceção.
Em que pese os sócios não responderem solidariamente pelas dívidas contraídas pela sociedade limitada perante terceiros, estes respondem solidariamente pela integralização do capital social, nos termos do artigo 1.052 do Código Civil acima colacionado.
Sendo assim, uma interessante forma de busca de satisfação de créditos em face das sociedades limitadas devedoras, sem precisar socorrer-se à tentativa de desconsideração da personalidade jurídica, é o pedido de comprovação da integralização do capital social.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já decidiu pela possibilidade de intimação dos sócios para que comprovem a integralização do capital. Vejamos:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE. LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE INTIMAÇÃO DOS SÓCIOS PARA COMPROVAREM A INTEGRALIZAÇÃO DE COTAS SOCIAIS. INCIDÊNCIA DO ART. 1.052 DO CC. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DOS SÓCIOS PARA COMPROVAREM A INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL, SOB PENA DE RESPONDEREM SOLIDARIAMENTE, NÃO SENDO NECESSÁRIA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTE E. TJSP. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA. Agravo de instrumento provido [3].
Agravo de Instrumento – Execução de título extrajudicial – Pedido de intimação do sócio da executada para comprovar que o capital subscrito foi devidamente integralizado – Indeferimento – Sociedade limitada – Responsabilidade solidária do sócio pela integralização do capital social – Inteligência do art. 1.052 do CC – Ausência de bens penhoráveis e encerramento irregular da pessoa jurídica que se mostra suficiente para o deferimento da pretensão a fim de dar efetividade à execução – Desnecessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica – Precedentes jurisprudenciais – Intimação do sócio para comprovar a integralização do capital social é medida que se impõe – Recurso provido [4].
Agravo de instrumento. Pretensão de intimação de sócios para comprovação de integralização do capital social. Possibilidade de responsabilização pessoal caso não integralizado o capital, nos termos do artigo 1.052 do CPC. Cabimento da medida que tem pertinência na persecução de patrimônio para a execução. Precedentes desta Corte. Recurso provido” [5].
Insta salientar que, para a comprovação da integralização, não basta a mera indicação no respectivo contrato social:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – Execução de título extrajudicial – Indeferimento de pedido de determinação aos sócios da executada de comprovação da efetiva integralização do seu capital social – Recurso da exequente – Possibilidade – Executada que se trata de empresa de responsabilidade Limitada – Responsabilidade solidária e pessoal dos sócios caso a integralização não se encontre regular – Inteligência do art. 1.052 do CC – Não basta como evidência a mera menção no contrato social – Efetividade da medida de intimação dos sócios para comprovarem a integralização do capital social subscrito – Precedentes desta E. Corte e desta C. Câmara – Decisão reformada – Recurso provido” [6].
Portanto, não sendo comprovada integralização do capital social, os sócios podem ser obrigados, de forma solidária, a realizar a consequente integralização:
“EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – Decisão que indeferiu o pedido de intimação da sócia da empresa devedora para que comprovasse a integralização do capital social – Insurgência da exequente – Cabimento – No caso, observa-se que a exequente pleiteou o atingimento do patrimônio pessoal dos sócios da devedora caso o capital social da sociedade limitada não tenha sido totalmente integralizado – Sócios que respondem solidariamente pela integralização do capital social, nos termos do art. 1.052, do Código Civil – Ausência de integralização que permite, em tese, a responsabilização dos sócios pelas dívidas sociais, observado o limite do valor faltante para complementação do capital social – Sócios que, portanto, devem ser intimados especificamente para comprovar a integralização do capital social – RECURSO PROVIDO PARA ESTE FIM” [7].
Neste sentido, pode o credor requerer diretamente a penhora de patrimônio dos sócios até o montante do valor necessário à integralização do capital social. Tudo nos termos do artigo 790, III do Código de Processo Civil [8], pois será crédito da sociedade limitada, não se confundindo com execução dos sócios por dívida da sociedade sem a desconsideração da personalidade jurídica, o que não seria permitido.
Este pedido de penhora pode ser feito, inclusive, com a tentativa de penhora de ativos do próprio sócio até o limite do valor a ser integralizado.
Apesar de não ser uma situação corriqueira, não deixa de ser relevante para as buscas de bens penhoráveis em geral, especialmente por dispensar a desconsideração da personalidade jurídica.
[1] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024.pdf
[2] Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
§1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
[3] TJSP; Agravo de Instrumento 2261376-32.2024.8.26.0000; Rel.: Cristina Zucchi; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 24/10/2024
[4] TJSP; Agravo de Instrumento 2204970-59.2022.8.26.0000; Rel.: Thiago de Siqueira; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 27/09/2022
[5] TJSP; Agravo de Instrumento 2186010-55.2022.8.26.0000; Rel.: Luis Fernando Camargo de Barros Vidal; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 19/09/2022
[6] TJSP; Agravo de Instrumento 2152857-94.2023.8.26.0000; Rel.: Achile Alesina; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 27/06/2023
[7] TJSP; Agravo de Instrumento 2106911-07.2020.8.26.0000; Rel.: Marco Fábio Morsello; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 11/02/2021
[8] Art. 790. São sujeitos à execução os bens:
III – do devedor, ainda que em poder de terceiros;
Fonte: Conjur
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