Análise de cláusulas especiais nos contratos de compra e venda empresarial, tais como retrovenda, preferência e reserva de domínio.

1. Contrato de compra e venda

De acordo com o art. 481 do CC, pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

Neste sentido, o professor Orlando Gomes define o contrato de compra e venda como “aquele pelo qual uma das partes se obriga a transferir a propriedade uma coisa à outra, recebendo, em contraprestação, determinada soma de dinheiro ou valor fiduciário equivalente”.

2. Elementos essenciais no contrato de compra e venda

A doutrina costuma dividir o contrato de compra e venda em três elementos essenciais, sendo eles: a coisa, o preço e o consentimento.

Neste sentido, o elemento coisa se subdivide em material ou imaterial; atual ou futura e deve estar no comércio (Tomazette).

É importante ressaltar aqui que se a coisa futura não vier há, de fato, existir no futuro, o contrato será considerado inexistente, salvo se for um contrato de natureza aleatória, cujo risco é inerente a essa condição.

Quanto ao preço, este deve ser, necessariamente, uma contraprestação monetária (dinheiro), determinada ou determinável. Se o contrato tiver como objeto a troca de coisas, ele será um contrato de permuta e não de compra e venda.

Ainda sobre o preço, em regra, ele precisa ser estabelecido em moeda nacional. No entanto, a lei 14.286/21 permitiu que os contratos fossem estabelecidos em moeda estrangeira nos seguintes casos: i) contratos referentes à importação ou exportação de mercadorias, seu financiamento e suas garantias; ii) nos contratos de compra e venda de câmbio em geral e; iii) quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliado no exterior.

Vale ressaltar que é possível prever a cotação em operação em bolsa como critério para fixação do preço. Entretanto, para atender a determinabilidade do preço, é imprescindível a indicação de data e local de aferimento da cotação em bolsa. Sem esses critérios, o título não gozará de plena liquidez, não podendo ser satisfeito por meio de execução, mas objeto de ação de cobrança, procedimento que será o adequado para a fixação de todos os critérios essenciais para a determinação do preço da transação. (STJ. 4ª turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.491.537-MT, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 16/5/2023 (Info 779).

Por fim, o terceiro elemento essencial é o consentimento, que deve ser a manifestação livre e válida de vontade das partes quanto ao contrato e suas condições.

3. Características dos contratos de compra e venda

Vamos abordar, em síntese, as características dos contratos de compra e venda:

  • Típico: regulado por lei (arts. 481 a 532 do CC);
  • Consensual: Se aperfeiçoa com o encontro de vontade das partes;
  • Não solene: Não tem forma rígida e nem precisam ser escritos, salvo nos casos de imóveis que custem acima de trinta salários mínimos, situação em que deverá ser, obrigatoriamente, formalizado por escrito;
  • Bilateral: Existem obrigações para ambas as partes e;
  • Oneroso: Necessariamente existirão vantagens para as partes contratantes.

Ainda, os contratos de compra e venda podem ser comutativos – quando tem obrigações pré-definidas – ou aleatórios, que envolvem risco, a exemplo da compra e venda de coisa futura.

4. Contratos de compra e venda empresarial

Os contratos de compra e venda podem ser de três tipos: empresarial, de consumo e civil. Neste artigo, abordaremos as cláusulas especiais dos contratos de compra e venda empresarial.

Sendo assim, nessa relação teremos como partes o vendedor (empresário), o comprador (também empresário), o objeto (mercadoria) e a causa (a própria circulação de mercadorias).

De forma geral, este tipo de contrato é amplamente pactuável e flexível, mas, na falta de estipulação, ou seja, no silêncio do contrato, algumas regras serão aplicáveis por força da própria lei.

A entrega da coisa deve ser feita no tempo combinado no contrato. Caso nenhum prazo seja estabelecido, a coisa deverá ser entregue após o pagamento, nas vendas à vista e antes do pagamento, nas vendas a crédito.

O local onde a coisa (objeto da contratação) deve ser entregue, se não pactuado, será o do local onde a respectiva coisa estiver, por força do art. 493 do CC.

5. Cláusulas especiais

5.1 Retrovenda

Também conhecida como direito de retrato, a cláusula de retrovenda está prevista nos arts. 505 e 506 do CC e se consubstancia como uma cláusula expressa, aplicável nos contratos de compra e venda de imóveis, que permite ao vendedor recomprar o imóvel vendido em um prazo determinado, desde que este não ultrapasse três anos.

Para que a retrovenda tenha efeito em relação a todas as pessoas, ela deve ser registrada no registro de imóveis, juntamente com a escritura pública de compra e venda.

5.2 Venda sujeita a prova

Se o contrato contiver esta cláusula, o vendedor dará um prazo para que o comprador comprove se a coisa comprada tem as qualidades anunciadas e se cumpre o objetivo para o qual foi destinada. Se verifica a qualidade do produto (objetiva).

O prazo e a modalidade de prova devem estar previamente estabelecidos no contrato.

É importante ressaltar que, enquanto o comprador não manifestar que aceita a coisa, suas obrigações são as mesmas de um comodatário.

5.3 Venda a contento

É idêntica à venda sujeita à prova, exceto que sua condição é a aceitação da coisa pelo comprador, ou seja, depende de um critério subjetivo – quem adquiriu deve manifestar estar contente ou não com aquilo que recebeu.

Como dito no item anterior, na venda sujeita a prova, o critério é objetivo, ou seja, avalia-se a qualidade do produto e não necessariamente o contento da parte compradora.

5.3 Cláusula de preferência (preempção)

Muito utilizada em acordo de sócios, consiste no direito do vendedor de recomprar, com prioridade, a coisa vendida – seja ela móvel ou imóvel – caso o comprador queira vendê-la.

O exercício dessa cláusula pode se dar pelo próprio comprador, que ofertará o bem ao vendedor ou pelo vendedor, intimando-se o comprador, quando souber que este vai vender a coisa.

Ressalta-se que, se o contrato contiver esta cláusula e o comprador vender a coisa sem ter dado a chance de prioridade prevista, responderá por perdas e danos.

Se o terceiro comprar a coisa sem respeitar o direito de preferência, de má-fé e sabendo da condição, responderá juntamente com comprador, de maneira solidária.

O vendedor, além de estar disposto a pagar ao comprador o preço que ele tiver conseguido com terceiros, deve estipular um prazo para o exercício da preferência. Este prazo não pode passar de 180 dias para bens móveis e 2 anos para bens imóveis.

Caso nenhum prazo seja estipulado, serão aplicados os prazos previstos em lei, quais sejam, 3 dias para bens móveis e 60 dias para bens imóveis.

5.3.1 Diferenças entre a retrovenda e a cláusula de preferência

A retrovenda tem o prazo máximo de 3 anos, só pode ser estipulada em contratos de compra e venda de bens imóveis e o comprador se submete, mesmo que não tenha a intenção de vender.

Por sua vez, a preferência tem prazo máximo de 180 dias para bens móveis e 2 anos para bens imóveis, se aplica não só a bens imóveis e o comprador só se submete se existir o desejo de vender.

5.4 Cláusula de reserva de domínio

Esta cláusula, que deve ser escrita, determina que o domínio de um bem móvel deve permanecer com o vendedor, até que a última prestação seja paga pelo comprador.

O autor Gagliano Pamplona conceitua a reserva de domínio como a compra venda de coisa móvel, em que se subordina a efetiva transferência da propriedade ao pagamento integral do preço.

Neste sentido, tem-se a transferência da posse pelo vendedor de forma imediata, mas a propriedade em si, só será transferida no momento em que o preço for totalmente pago.

Caso ocorra o atraso no pagamento, o vendedor deve constituir o comprador em mora, via notificação ou protesto. Em seguida, pode decidir cobrar o que falta ou reaver a pesse da coisa, por meio de reintegração de posse.

Neste sentido, inclusive, já se posicionou o STJ dizendo que “a mora do comprador, na ação ajuizada pelo vendedor com o intuito de recuperação da coisa vendida com cláusula de reserva de domínio, pode ser comprovada por meio de notificação extrajudicial enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos (RTD). Assim, em caso de cláusula de reserva de domínio, existem três formas pelas quais o vendedor (credor) poderá comprovar a mora do comprador (devedor): a) mediante protesto do título; b) por meio de interpelação judicial; c) por notificação extrajudicial enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos”. STJ. 3ª Turma.REsp 1629000-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/3/2017 (Info 601).

5.5 Venda sobre documentos

Ao utilizar esta cláusula, a tradição (entrega) da coisa é substituída pela entrega de um título que a representa e de outros documentos exigidos pelo contrato.

Este tipo de cláusula é muito utilizada em contratos realizados no âmbito do agronegócio, como naqueles que envolvem armazenamento de grãos.

Conclusão

Este artigo buscou trazer, de forma sintética, explicações sobre as principais cláusulas especiais nos contratos de compra e venda empresarial, que podem ser flexibilizados para atender às necessidades específicas das partes envolvidas.

A escolha das cláusulas deve ser feita de forma estratégica, considerando o objeto do contrato, a relação entre as partes e os objetivos pretendidos.

Portanto, a elaboração de contratos de compra e venda empresarial exigem conhecimento atenção aos detalhes, de modo a minimizar riscos, garantir a execução do contrato e atender às expectativas dos envolvidos.

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1 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Para atender a determinabilidade do preço, em contrato de compra e venda com eleição de cotação em operação em bolsa de valores, é imprescindível a indicação de data e local de aferimento da cotação. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: . Acesso em: 12/12/2024

2 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Em caso de compra e venda com reserva de domínio, é possível a comprovação da mora por meio de notificação extrajudicial enviada pelo RTD. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: . Acesso em: 12/12/2024

3 TOMAZETTE, Marlon. Contratos empresariais. 2. ed. Brasília: STJ, 2014. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/171386/contratos_empresariais_tomazette_2.ed.pdf. Acesso em: 12 dez. 2024.

Fonte: Migalhas

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