A teoria da perda de uma chance, um conceito jurídico criado para regular situações de risco, afeta diretamente o cotidiano de consumidores e empresas. Essa teoria pode ser aplicada a casos em que o consumidor perde a chance de obter um benefício significativo, como uma oferta promocional ou um contrato vantajoso, por falhas ou erros do fornecedor. Mesmo sem garantia de sucesso, a perda dessa chance pode gerar direito a indenização.
É de conhecimento público que há um projeto de lei em discussão para alteração do Código Civil. Dentre as inúmeras modificações, destaca-se a proposta de positivar a teoria da perda de uma chance. Neste artigo, explicaremos como essa teoria jurídica protege suas expectativas e o que mudará com as novas disposições do Código Civil brasileiro.
A perda de uma chance é um conceito originário do direito francês que foi incorporado ao sistema jurídico brasileiro. Ele busca garantir a reparação para quem teve a oportunidade real de obter um benefício, ou evitar um prejuízo, mas foi impedido de alcançá-la por ação ou omissão de outra pessoa.
Apesar de a teoria ser reconhecida nos tribunais, não há farta jurisprudência favorável ao tema, sendo essa mais restrita a casos em que o dano foi causado por terceiro que impediu a concretização de uma oportunidade real de sucesso. Para as empresas, esse cenário também tem implicações relevantes. No ambiente de consumo, a responsabilidade sobre falhas que prejudiquem oportunidades para os clientes pode gerar indenizações com base nessa teoria.
Não é raro haver diversas ações judiciais movidas por consumidores que perderam a chance de participar de uma promoção especial devido a falhas em sites de compras ou por perderem eventos importantes devido a cancelamentos ou atrasos de voos. Nesses casos, a indenização é pela perda da oportunidade, pela frustração da expectativa do consumidor.
O que muda no projeto do novo Código Civil?
Com a inclusão expressa da teoria da perda de uma chance no projeto do novo Código Civil, o cenário ganha maior clareza e segurança jurídica, devendo, inclusive, ocorrer uma mudança no entendimento jurisprudencial atual. O artigo 944-B [1], que aborda diretamente o tema, prevê que a perda de uma oportunidade séria e real poderá ser considerada um dano reparável, consolidando o entendimento que já vinha sendo adotado pela jurisprudência.
O anteprojeto consagra a perda de uma chance como um dano autônomo, separando-a dos danos emergentes e lucros cessantes e desvinculando-a da necessidade de provar o dano final. A abordagem visa a proporcionar uma maior proteção às vítimas, reconhecendo a perda de oportunidades valiosas como um prejuízo em si.
Essa mudança representa um avanço significativo, pois estabelece, claramente, que as chances perdidas — desde que demonstradas como viáveis — devem ser compensadas. Isso amplia a proteção de direitos e facilita o reconhecimento judicial desse tipo de dano, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas.
A indenização pela perda de uma chance será calculada com base na probabilidade de sucesso que a oportunidade oferecia. Se as chances de um desfecho favorável eram elevadas, a compensação será maior; se a probabilidade era menor, o valor da indenização será proporcional. Essa regra busca equilibrar a reparação, evitando indenizações exageradas, mas assegurando o reconhecimento devido do dano.
Outra novidade importante abordada pelo projeto é a flexibilização na produção de provas e na estimativa do dano. Muitas vezes, é difícil ou até impossível demonstrar de forma exata o valor da oportunidade perdida. Pensando nisso, a nova legislação permite que o juiz faça essa estimativa com base em critérios de equidade, utilizando os indícios apresentados no caso.
Isso representa uma evolução relevante, pois garante proteção em situações em que a dificuldade de produção de provas poderia inviabilizar o reconhecimento do direito à indenização.
A positivação da teoria da perda de uma chance garante maior segurança jurídica a consumidores e empresas afetados por perdas de oportunidades causadas por erros ou omissões de terceiros. Agora, a lei protegerá não apenas o resultado, mas também a possibilidade concreta de sucesso retirada, consolidando um meio eficaz de reparar injustiças.
Entendimento atual e expectativas
Atualmente, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) adota uma postura cuidadosa, mas favorável à aplicação da teoria da perda de uma chance. O entendimento da Corte firmou-se no sentido de que a perda de uma chance somente se configura quando demonstrado que a chance perdida é real e séria. Encontram-se casos específicos como a perda de um prazo processual por um advogado, a demora excessiva para se realizar um diagnóstico ou tratamento médico ou, ainda, a impossibilidade de continuar em um concurso [2]. Assim, não é suficiente a mera esperança ou expectativa da ocorrência do resultado para que o dano seja indenizado, como na maioria dos casos em que é fundamentada a teoria em ações consumeristas. [3]
Com a positivação da teoria no novo Código Civil, a posição jurisprudencial, ao que tudo indica, deverá permitir uma maior flexibilidade na análise dos casos, o que deverá resultar em um maior número de condenações.
Com isso, é imprescindível que as empresas estejam preparadas para lidar com essa mudança no cenário jurídico. A previsão da teoria da perda de uma chance no novo Código Civil exige uma postura proativa na gestão de riscos e na solução de conflitos. Isso significa implementar práticas preventivas e consultivas, adotando estratégias para prevenir litígios e adequar-se aos padrões de resposta exigidos pelos consumidores.
O tratamento das reclamações deve ser reavaliado, buscando não apenas resolver as demandas, mas também garantir que a atuação da empresa esteja em conformidade com essa nova abordagem da responsabilidade civil, fortalecendo assim a confiança do consumidor e reduzindo a exposição a potenciais condenações.
[1] “Art. 944-B. A indenização será concedida, se os danos forem certos, sejam eles diretos, indiretos, atuais ou futuros.
§ 1º A perda de uma chance, desde que séria e real, constitui dano reparável.
§ 2º A indenização relativa à perda de uma chance deve ser calculada levando-se em conta a fração dos interesses que essa chance proporcionaria, caso concretizada, de acordo com as probabilidades envolvidas.
§ 3º O dano patrimonial será provado de acordo com as regras processuais gerais.
§ 4º Em casos excepcionais, de pouca expressão econômica, pode o juiz calcular o dano patrimonial por estimativa, especialmente quando a produção da prova exata do dano se revele demasiadamente difícil ou onerosa, desde que não haja dúvidas da efetiva ocorrência de danos emergentes ou de lucros cessantes, diante das máximas de experiência do julgador.”
[2] Oportunidades perdidas, reparações possíveis: a teoria da perda de uma chance no STJ https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09082020-Oportunidades-perdidas–reparacoes-possiveis-a-teoria-da-perda-de-uma-chance-no-STJ.aspx
[3]AgInt no AREsp n. 2.164.827/RJ, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 5/9/2024
Fonte: Conjur
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