Tema de recente e intensa discussão no meio jurídico diz respeito à produção antecipada de provas no âmbito da arbitragem. Desde o advento do CPC/15, que alçou a produção antecipada de provas à verdadeira ação autônoma1, os pontos de discussão a respeito desse meio processual se alargaram e, finalmente, chegaram ao campo do processo arbitral. Surge, no entanto, o questionamento: Como lidar com a eventual necessidade de produção antecipada de provas em determinada relação jurídica, cujas controvérsias deverão ser dirimidas pelo juízo arbitral?
A problemática decorre do fato de que, por um lado, a lei 9.307/96 – lei de Arbitragem, em seu art. 22-A, estabelece que, antes da constituição do Tribunal Arbitral, a jurisdição estatal deve ser acionada apenas nos casos de urgência, o que limita o acesso ao Poder Judiciário quando as partes optam pela arbitragem. Por outro lado, a produção de provas antecipada, conforme prevista nos incisos II e III do art. 381 do CPC, não exige a comprovação de urgência, já que pode ser utilizada como meio para viabilizar a autocomposição ou para evitar o ajuizamento de ações, mesmo em situações que não envolvem risco iminente ou perecimento da prova.
A discussão a respeito desse assunto chegou ao STJ, que, no julgamento do caso Renova, fortaleceu a competência do árbitro para decidir sobre a produção antecipada de provas quando ausente o requisito da urgência. O STJ reafirmou que, diante da existência de cláusula compromissória, a competência para determinar a produção de provas antecipadas é do árbitro2. O posicionamento do STJ, nesse caso, pode ser extraído pela leitura de parte de sua ementa:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS, COM FUNDAMENTO NOS INCISOS II E III DO ART. 381 DO CPC/15 (DESVINCULADA, PORTANTO, DO REQUISITO DE URGÊNCIA/CAUTELARIDADE) PROMOVIDA PERANTE A JURISDIÇÃO ESTATAL ANTES DA INSTAURAÇÃO DE ARBITRAGEM. IMPOSSIBILIDADE. NÃO INSTAURAÇÃO DA COMPETÊNCIA PROVISÓRIA DA JURISDIÇÃO ESTATAL, EM COOPERAÇÃO (ANTE A AUSÊNCIA DO REQUISITO DE URGÊNCIA). RECONHECIMENTO. INTERPRETAÇÃO, SEGUNDO O NOVO TRATAMENTO DADO ÀS AÇÕES PROBATÓRIAS AUTÔNOMAS (DIREITO AUTÔNOMO À PROVA) PELO CPC/15. RECURSO ESPECIAL PROVIDO”.
O referido entendimento foi posteriormente reforçado em outra decisão da Corte no âmbito do julgamento do conflito de competência 197.4343-4. Uma vez mais, o STJ negou pedido de produção antecipada de prova e fez consignar que “Em razão da mudança implementada pelo diploma processual civil, fez-se necessária uma interpretação adequada do art. 22-A da lei 9.307/96, diante da possibilidade de as partes vinculadas por compromisso arbitral recorrerem ao Poder Judiciário, antes de instituída a arbitragem, apenas para a concessão de medida cautelar ou de urgência, hipóteses que em nada se confundem com aquelas previstas nos incisos II e III do art. 381 do CPC.”
Diante de tais precedentes, e apesar desse entendimento não ser unânime na doutrina5-6, importantes instituições arbitrais brasileiras resolveram adaptar seus regulamentos a fim de incorporar o tema da produção antecipada de prova. Esse movimento, embora recente, reflete a necessidade de enfrentar os desafios práticos surgidos com a sedimentação do entendimento jurisprudencial7.
O CAM-Amcham – Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara Americana de Comércio foi pioneiro nesse sentido, adotando a resolução administrativa 3/23, que encontra respaldo nos precedentes acima citados. Nesse sentido, a referida resolução expede a seguinte diretriz: “O CAM-Amcham, no exercício de suas atribuições, previstas no estatuto social, decide expedir a seguinte resolução sobre a possibilidade de utilização do procedimento de árbitro de emergência para a hipótese de necessidade de produção antecipada de provas nas arbitragens administradas pelo CAM-Amcham.”8
Em termos gerais, na linha da referida resolução, caso haja necessidade de produção antecipada de provas, mas sem que haja urgência, tal pretensão deve ser deduzida perante árbitro de emergência. A competência e atribuição do árbitro de emergência, no entanto, se limitará à condução do processo antecipatório, não podendo este participar da arbitragem principal eventualmente instaurada após a produção antecipada de provas, e sua decisão sobre o pedido de produção de provas deverá se dar sob a forma de ordem processual9.
Em seguida, a Câmara do CMA Ciesp/Fiesp publicou a resolução 14/24, estabelecendo as diretrizes para a produção autônoma de provas. Dentre as principais disposições da resolução, destaca-se o art. 1º, o qual estabelece que “a parte que pretenda produzir autonomamente provas poderá requerer ao presidente da Câmara Ciesp/Fiesp a instauração do procedimento de produção autônoma de provas.”10
Esse procedimento é iniciado com o requerimento formal à presidência da Câmara, que deve conter informações detalhadas sobre a qualificação das partes, a prova requerida e os fatos a serem comprovados. A decisão do árbitro de prova, deve ser, então, proferida em até 30 dias, passíveis de prorrogação, e se dará por meio de sentença11.
Mais recentemente, o tradicional CAM-CCBC – Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil Canadá, lançou consulta pública a respeito da produção de prova antecipada na arbitragem. A consulta visa ao futuro lançamento de regras específicas sobre esse procedimento, refletindo a importância do tema atualmente.
A tônica de regulamentação, tanto por parte da CMA Ciesp/Fiesp quanto da CAM-Amcham (e, futuramente, do CAM-CCBC), é bastante clara: Visa-se que a parte interessada, em casos de existência de cláusula compromissória, valha-se de procedimento especial e expedito visando a produção de determinada prova (seja oral, documental ou técnica) em âmbito arbitral e conduzido por árbitro a ser designada especialmente para tal tarefa. Trata-se de procedimento que pode ser assemelhado a uma arbitragem de emergência, no qual as partes litigantes, abdicando-se do processo estatal e solicitam a intervenção de um árbitro, que irá processar a causa e definir a produção antecipada das provas.
Percebe-se, no entanto, uma diferença relevante entre os citados regulamentos, especialmente no que tange à forma de proferir as decisões finais no âmbito da produção antecipada de provas. Esse ponto processual, que será certamente objeto de futuras discussões.
Enquanto o regulamento do CAM-Amcham estabelece que a decisão a ser proferida pelo “árbitro da prova” deverá se dar por meio de decisão interlocutória (ordem processual), o regulamento do CMA-Ciesp/Fiesp dispõe que a decisão final que homologará a prova dar-se-á por sentença.
Tal peculiaridade processual é de vital importância pois possui consequências diretas na eficácia e nos efeitos da decisão que se pronunciará sobre a prova cuja produção antecipada é pretendida.
Isso, pois, por um lado, as decisões interlocutórias, por sua natureza, resolvem questões incidentais e possuem caráter provisório, o que as torna passíveis de revisão e limita sua executabilidade, visto que, em regra, não encerram a fase de instrução nem a análise do mérito da disputa. Assim, embora tenham eficácia dentro do procedimento de produção antecipada de provas, essas decisões não vinculam, por natureza, um Tribunal Arbitral futuro, não possuem força de título executivo judicial tornando a execução pelo Judiciário em caso de descumprimento voluntário muito mais complexa, além de poderem ser modificadas ou revistas a qualquer tempo.
Por outro lado, a sentença arbitral, conforme o art. 31 da lei de Arbitragem, produz os mesmos efeitos de uma sentença judicial, constituindo-se como título executivo, podendo ser executada como tal a qualquer tempo no Poder Judiciário. Ademais, as hipóteses de anulabilidade da decisão são taxativas, conforme dispõe o art. 32 da lei de Arbitragem.
Assim, a decisão proferida na forma de sentença, em tese, garante mais segurança jurídica à determinação da produção antecipada de provas, tanto no que se refere à eficácia da medida quanto à proteção dos direitos da parte, evitando incertezas que poderiam advir de constantes revisões ou tentativas de anulação.12
Em razão das diferentes roupagens dadas pelos regulamentos citados à decisão que defere a produção da prova antecipada no âmbito da arbitragem, deve o usuário da arbitragem estar atento nos casos em que se faz necessário recorrer ao procedimento especial de produção antecipada de prova. Em primeiro lugar, o usuário deverá, doravante, se conformar em discutir tal ponto em sede arbitral e não mais em âmbito judicial, notadamente após o advento do precedente emanado do STJ no caso Renova. Em segundo lugar, deverá o usuário estar atento à escolha do regulamento a ser adotado na clausula compromissória, notadamente em razão da diferença de tratamento das consequências da decisão da qual advém a produção antecipada da prova. Há severas e relevantes diferenças processuais quando uma simples ordem processual ou decisão interlocutória determina a produção da prova, ou quando essa produção é homologada por meio de uma sentença, sendo diretos os impactos dessas modalidades na eficácia e na execução das medidas determinadas.
1 TERASHIMA, Eduardo Ono. A produção autônoma da prova na arbitragem. Tese (Doutorado em Direito das Relações Econômicas Internacionais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2024, p. 236.
2 Nesse sentido, cita-se STJ, REsp 2.023.615-SP, Terceira turma, rel. min. Marco Aurélio Belizze, j. em 14.3.23.
3 STJ, CC 197434, segunda seção, rel. min. Moura Ribeiro, j. em 5.10.23.
4 Para uma ampla investigação da jurisprudência sobre produção antecipada de provas, ver: RANZOLIN, Ricardo (Org.); GALAN, Lorenzo; WERLE, Vitória Kreutz (Ed.). Arbipedia. Porto Alegre: Arbipedia, 2024. Disponível aqui. Acesso em 15 dez 2024.
5 Nesse sentido, Carlos Alberto Carmona afirma “Afilio-me ao entendimento hoje minoritário. Com efeito, o atual art. 381 admite a utilização do mecanismo em três hipóteses: a) quando haja fundado receio de tornar-se difícil ou impossível a produção da prova no momento oportuno; b) quando a prova a ser produzida possa viabilizar a composição das partes; e c) quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento da ação. O primeiro cenário é semelhante ao preconizado no Código revogado e corresponde a uma medida cautelar verdadeira e própria, havendo pretensão resistida a ser dirimida (em sede principal), enquadrando-se a prova (produzida antecipadamente) no quadro do conflito. Já nos dois outros casos, o legislador processual criou mecanismo processual (atinente ao sistema processual estatal) que objetiva prevenir litígios, e que se situa fora das paragens da arbitragem.” In: CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à lei 9.307/96, 4. ed. São Paulo: Atlas 2024. p. 79.
6 Marcus Victor Mezzomo detalha que a argumentação apresentada pela doutrina contrária à jurisdição arbitral sobre a ação antecipada de provas pode ser sistematizada em cinco argumentos: “(i) a convenção de arbitragem deve ser analisada restritamente, por se caracterizar como renúncia à jurisdição estatal; (ii) a onerosidade do procedimento arbitral é óbice à produção antecipada de provas; (iii); a desvinculação do direito à prova da relação coberta pela cláusula compromissória; (iv) a ausência de conflito na ação de produção antecipada de provas; e (v) a produção antecipada de provas pode superar os limites objetivos e subjetivos da convenção arbitral. (MEZZOMO, Marcus Victor. Ação probatória autônoma e arbitragem. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2024).
7 TAVELA LUIS, Daniel; ROCHA, Gustavo Henrique Torres. A produção antecipada de provas em arbitragem: nova alternativa criada pela Câmara Ciesp/Fiesp. Migalhas, 25 nov. 2024. Disponível aqui. Acesso em 15 dez. 2024.
8 A íntegra da resolução administrativa 3/23 pode ser acessada em disponível aqui. Acesso em 08 dez. 2024.
9 Nesse sentido: Artigo 1.4. – As decisões do(a) árbitro(a) único(a) responsável pela análise sobre o pedido deverão ter a forma de ordens processuais, ficando afastado o prazo especificado no art. 21.3.3 do regulamento de arbitragem.
10 A íntegra da resolução 14/24 pode ser acessada em disponível aqui. Acesso em 11 dez. 2024.
11 3.4. Encerrada a produção da prova, o árbitro de prova homologará, por sentença, a prova produzida, e decidirá sobre a alocação das custas e despesas do procedimento, ficando vedada a fixação de honorários de sucumbência, o reembolso de honorários advocatícios contratuais e de eventuais outras despesas incorridas por cada parte. O árbitro de prova não se pronunciará sobre a ocorrência ou a inocorrência do fato, nem sobre as respectivas consequências jurídicas.
12 Essa modalidade de decisão é a que a doutrina julga ser a mais adequada, nesse sentido: “Dado o caráter contencioso das demandas probatórias autônomas desvinculada da urgência, no âmbito de uma arbitragem probatória autônoma, caso a parte tenha seus direitos ao contraditório e ao devido processo legal violados, vislumbra-se que ela teria interesse, inclusive, em arguir a nulidade da sentença arbitral com base no inciso VIII, art. 32, LAB. Nessa linha de ideias, preservado entendimento contrário, parece correto afirmar que a decisão proferida na arbitragem probatória vincula as partes e o tribunal arbitral na arbitragem principal. Nessa toada, parece que os árbitros não poderiam, de forma injustificada, determinar a mera repetição da prova, até porque isso violaria os princípios da eficiência e da celeridade. Além disso, caso a produção de determinada prova seja indeferida em arbitragem probatória autônoma, o Tribunal Arbitral, pelo menos em princípio, deverá respeitar tal decisão, salvo alteração nas circunstâncias fáticas apresentadas” (TERASHIMA, Eduardo Ono. A produção autônoma da prova na arbitragem. Tese (Doutorado em Direito das Relações Econômicas Internacionais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2024, p. 249-250).
Fonte: Migalhas
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