O ano de 2024 foi marcado por transformações significativas no cenário jurídico brasileiro, especialmente no campo notarial e registral. O fortalecimento do papel do CNJ na modernização e harmonização de normas foi o grande destaque. O Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra) -provimento 143/23, que entrou em vigor o ano passado, passou por implementação ao longo de 2024, e novos provimentos surgiram para promover maior uniformidade nos procedimentos adotados pelas serventias em todo o território nacional.

Nesse viés, pode ser destacado o provimento 161/24 que atualizou disposições relacionadas a deveres de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa – PLD/FTP, além de atualizar regra de cumulação da atividade notarial e de registro com o exercício de mandato eletivo. Em seguida, regulamentado pelo provimento 162/24 do CNJ, o TAC surgiu para evitar a instauração de PADs – Processos Administrativos Disciplinares, quando as infrações forem passíveis de repreensão ou multa e estabeleceu requisitos claros para sua celebração, como o reconhecimento de conduta inadequada pelo notário ou registrador e o cumprimento de obrigações específicas (reparação de dano, retratação, aumento de produtividade, capacitações, entre outros). O TAC, ao alinhar-se à modernização dos serviços extrajudiciais, reforça sua importância na eficiência administrativa e na segurança jurídica, tornando-se uma ferramenta estratégica no Direito Notarial e Registral.

Destaca-se também a discussão acerca da obrigatoriedade de escritura pública na AFG – Alienação Fiduciária em Garantia de bens imóveis. O provimento 172/24, de 5/6/24, incluiu no CNN o art. 440-AO e estabeleceu uma interpretação restritiva ao art. 38 da lei 9.514/97, ao dispor que “a formalização, por instrumento particular, com efeitos de escritura pública, de AFG sobre imóveis e de atos conexos, é restrita a entidades autorizadas a operar no âmbito do SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário (art. 2º da lei 9.514/97), incluindo as cooperativas de crédito” e demais exceções previstas no sistema.

Na sequência, o provimento 175, de 17/7/24, acrescentou um parágrafo ao referido art. 440-AO, definindo que “são considerados regulares os instrumentos particulares envolvendo AFG sobre imóveis e os atos conexos celebrados por sujeitos de direito não integrantes do SFI, desde que tenham sido lavrados antes de 11/6/24 (data da entrada em vigor do provimento CN 172)”.

Porém, o ministro Gilmar Mendes, em importante voto, proferido no mandado de segurança 39.930/DF, no dia 13/12/24, estabeleceu que o art. 38 da lei 9.514/97, na verdade, não deve conter nenhuma limitação. Não obstante o CNJ tenha prestigiado a atividade impondo a obrigatoriedade da escritura pública, o STF, visando desburocratização, acessibilidade econômica e liberdade contratual, entendeu que nenhum contrato que envolva AFG deve ter a obrigatoriedade do instrumento público.

Assim, extinguiu os provimentos 172, 175 e 177 do CNJ, garantindo a “possibilidade de formalização, por instrumento particular com efeitos de escritura pública, de AFG sobre bens imóveis e de atos conexos, em todas as suas operações, nos termos autorizados pela lei 9.514/97”.

Ainda, na seara dos provimentos, merece destaque o ENAC – Exame Nacional dos Cartórios, regulamentado pelo provimento 184/24 do CNJ, que representa uma inovação no sistema de seleção para as serventias extrajudiciais no Brasil. Trata-se de um processo seletivo nacional e unificado que confere habilitação como pré-requisito para inscrição em concursos públicos de provimento e remoção referentes à titularidade dos serviços notariais e de registro declarados vagos, realizados pelos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios. O regulamento estabelecido pelo provimento 184/24 detalha as diretrizes e critérios para a realização do exame, além disso, reforça a necessidade de critérios claros de avaliação, prazos uniformes e a supervisão direta da CNJ na condução do processo, o que contribui para uma maior confiança da sociedade no sistema de avaliação dos candidatos às serventias extrajudiciais.

Por fim, merecem destaque as novas perspectivas com relação ao inventário extrajudicial com incapazes. Uniformizando os procedimentos a serem adotados, o art. 12-A da resolução 35/07, incluído pela resolução 571/24, trouxe avanços significativos ao permitir que o inventário ou partilha seja realizado por escritura pública ainda que inclua interessado menor ou incapaz, desde que o pagamento de seu quinhão ou meação ocorra em parte ideal em cada um dos bens inventariados e haja manifestação favorável do MP.

Essa iniciativa representa um equilíbrio moderno entre a agilidade processual e a segurança jurídica, oferecendo uma solução prática e eficiente para os casos de inventário com incapazes. Além disso, é um primeiro passo para que todos os procedimentos relacionados ao divórcio, inventário e partilha e que envolvam incapazes possam ser realizados no extrajudicial.

Ademais, com o fim da separação judicial em 2023 – RE 1.167.478, Tema 1.053 do STF – havia sido criada uma lacuna no sistema, a qual foi brilhantemente sanada pela resolução 575/24, que autorizou a lavratura de escrituras públicas de declaração de separação de fato. Tais instrumentos passaram a ser considerados títulos aptos tanto para o registro civil quanto para o registro imobiliário, possibilitando a transferência de bens e direitos, bem como a efetivação de todos os atos necessários para a concretização dessas transferências e o levantamento de valores. Assim, a separação de fato passa a constituir um estado civil passível de registro no RCPN e RI, substituindo integralmente a separação judicial.

Tendo em vista o princípio da concentração dos atos na matrícula, a lei 14.825/24 alterou a lei 13.097/15, para garantir a eficácia dos negócios jurídicos relativos a imóveis em cuja matrícula inexista averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial incidente sobre o imóvel ou sobre o patrimônio do titular do imóvel, inclusive a proveniente de ação de improbidade administrativa ou a oriunda de hipoteca judiciária. Nesse sentido, foi inserido o inciso V no art. 54 da lei 13.097/15.

O ano de 2024 também foi amplamente dedicado às discussões sobre a reforma do CC/02, com propostas que buscam modernizar e simplificar o ordenamento jurídico nacional, refletindo a necessidade de atualização frente às transformações sociais, tecnológicas e econômicas das últimas décadas. Entre os pontos centrais debatidos estão a modernização das relações contratuais, a responsabilidade civil, o direito digital e as novas configurações familiares. Destaca-se ainda a preocupação em alinhar o CC aos princípios constitucionais e aos direitos fundamentais.

Não obstante haja inúmeras críticas à reforma (a qual ainda será analisada com muito cuidado nos órgãos legislativos), destaca-se que as novas redações propostas prestigiaram a atividade, demonstrando a importância que as serventias ganharam ao longo das últimas duas décadas.

Com a chegada de 2025, espera-se que novas evoluções marquem a atividade notarial e registral, trazendo inovações positivas e desafios a serem enfrentados. Além disso, o próximo ano promete intensificar os debates em torno da reforma do CC, com mais rumores e discussões ganhando espaço, refletindo o esforço contínuo de adaptação do ordenamento jurídico às demandas atuais.

Deixamos, por fim, um agradecimento especial aos colaboradores da nossa Coluna Registralhas, que foram essenciais para os nossos artigos do ano: Fernando K. Mady; Natália Sóller; Thaíssa Hentz de Carvalho e Ohanna de Freitas Perigo!!!

Desejamos a todos um excelente fim de ano com muito estudo, foco e dedicação plena a aqueles que trabalham no extrajudicial e/ouse preparam para os concursos de outorga de delegação e que vem tornando a atividade notarial e registral um destaque na vida da sociedade brasileira.

Fonte: Migalhas

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