Como modificar a realidade dos contratos indiretos a partir das boas práticas das PPPs?
Recém-publicado, o Acórdão 2.600/2024 TCU-Plenário apresenta a realidade amarga das contratações indiretas de obras públicas, em mais um levantamento hercúleo feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A conclusão de que 11.941 obras no país, do total de 22.958 (52%,), se encontram paralisadas revela cenário distante das parcerias público-privadas que, apesar de seus desafios, vêm cada vez mais se consolidando como modelos de contratação exitosos em termos de cumprimento contratual.
O número de obras paralisadas vem reduzindo a passos lentos e a própria Corte de Contas aponta para a incerteza do total, diante da dificuldade de obtenção de informações fidedignas, o que significa que o volume pode ser ainda maior.
A desafiadora iniciativa de mapeamento das obras públicas federais paralisadas país afora, iniciada em 2007, foi aprofundada em 2018, por meio da implementação do Painel de Obras Paralisadas, plataforma de acompanhamento da carteira de obras públicas, que tem como fonte de recursos o Orçamento Geral da União.
O objetivo principal é a consolidação dos dados dos “contratos de obras públicas extraídos das bases de dados dos órgãos setoriais, incluindo os empreendimentos vinculados às áreas da saúde, educação, mobilidade, infraestrutura, habitação entre outros”[1].
Em 2019, o Acórdão 1.079/2019- TCU-Plenário apontou, de forma inédita, as principais causas das 14.403 obras paralisadas à época: a) deficiência técnica; b) deficiências nos fluxos orçamentário/financeiro; e c) abandono das obras pelas empresas contratadas.
O “ultrassom” feito pelo TCU revelou o que os operadores da infraestrutura já sabiam pela vivência prática: projetos deficientes, com graves equívocos técnicos encareciam significativamente o valor final da obra, impactavam o orçamento inicialmente previsto e, muitas vezes, provocavam o abandono das obras, culminando no cenário apurado.
A adequação do projeto técnico talvez seja o “pulo do gato” que diferencie as contratações indiretas das parcerias público-privadas, não só pela transferência das soluções ao privado, nesta última, que fica por ela responsável, como pelo volume de investimentos envolvidos.
No âmbito das contratações indiretas discute-se há anos os impactos de um projeto deficiente e medidas de mitigá-los, vide as alterações legislativas ao longo dos anos: regime diferenciado de contratações; contratação integrada e semi-integrada, fornecimento e prestação de serviços associados, contrato de eficiência – justamente por se tratar da principal causa de paralisação de obras, aditivações vultosas e abandono dos projetos.
As inovações trazidas pela nova lei de licitações e o levantamento feito pelo TCU no Acórdão 2.600/2024 evidenciam que a deficiência técnica ainda é o ponto fulcral a ser contingenciado nas obras públicas por contratação indireta.
Mas, além das ferramentas normativas, que tentaram conferir elementos das PPPs aos contratos indiretos, como: a transferência de responsabilidades e riscos ao privado contratado e a necessária alocação de recursos orçamentários para conclusão das obras, como apontou o Ministro Relator Vital do Rêgo em suas conclusões, nos parece fundamental a disseminação de boas práticas aos órgãos federais setoriais.
A elaboração de manuais orientativos, realização de workshops, apoio na estruturação de “projetos paradigma” que possam servir de base para elaboração dos projetos, criação de comissões setoriais de acompanhamento e apoio aos entes, sobretudo na organização orçamentária e distribuição adequada dos recursos, são alguns exemplos dos quais a União pode ser valer, com o apoio do TCU para concretização de medidas modificativas do atual cenário.
Beber da fonte das parcerias público-privadas, que estão em constante evolução no que tange às modelagens e desenhos técnicos mais eficientes, com atração de privados qualificados, que garantam nível de qualidade de serviços, garantias de pagamento robustas e menor risco de completion, também pode servir de ferramenta para cumprimento das diretrizes do TCU.
Outro ponto que nos parece essencial é a coordenação dos projetos com a definição de prioridades socioeconômicas e orçamentárias, até mesmo com a avaliação acerca da vantajosidade de conclusão das obras paralisadas no mesmo formato de contratação.
Considerando o volume de obras paralisadas e os recursos necessários para a sua conclusão (R$ 20 bilhões pela estimativa do TUC), a adoção de um estudo de vantajosidade (value for money) ou mesmo de novos formatos de contratação, em detrimento da continuidade dos contratos, deve ser avaliada pelo Tribunal em conjunto com os órgãos setoriais.
Apesar de se tratar de mecanismo de avaliação afeto ao mundo das PPPs, pode se mostrar muito útil nesse contexto para avaliação aprofundada dos gargalos, necessidades, investimentos necessários, deficiências técnicas identificadas e providências para reversão do cenário.
Vale pontuar, por fim, que algo parece comum às duas realidades, os projetos de infraestrutura social (educação, saúde), parecem ser os mais afetados, seja pelo maior índice de paralisações nas contratações diretas (4.380-saúde e 4.094-educação[2]), seja pelo menor percentual de investimentos nas parcerias público-privadas (projeção de R$ 2,2 bilhões em 2025[3]).
A despeito de parecerem mundos distintos, as contratações indiretas e as parcerias público-privadas buscam o mesmo: desenvolvimento da infraestrutura do país e prestação de serviço adequada aos cidadãos, de forma que as expertises devem se somar para que os objetivos comuns sejam atingidos.
[1]
Acórdão 2.600/2024 – TCU – Plenário
[2]
https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/diagnostico-do-tcu-mostra-que-metade-das-obras-contratadas-com-recursos-federais-estao-paralisadas.htm
Acesso em 06/12/2024.
[3]
https://www.abdib.org.br/wp-content/uploads/2024/12/Livro-Azul-da-Infraestrutura-2024-ABDIB-pg-a-pg-1.pdf
Fonte: Jota
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