O artigo examina o PBIA 2024-2028, destacando diretrizes estratégicas, desafios jurídicos e ações para soberania tecnológica, inclusão social e ética na regulação da IA no Brasil.
A IA – inteligência artificial tem se consolidado como um dos principais motores de transformação econômica e social do século XXI. Diante disso, o Brasil lançou o PBIA – Plano Brasileiro de Inteligência Artificial 2024-2028, um marco estratégico que busca alavancar a capacidade tecnológica do país em cinco áreas prioritárias: infraestrutura, capacitação, serviços públicos, inovação empresarial e regulação. O investimento significativo de R$ 23 bilhões reflete a ambição do Brasil em posicionar-se como uma potência global em IA.
Este artigo tem como objetivo realizar uma análise jurídica do PBIA, avaliando seus impactos normativos e práticos. Discute-se, também, a integração entre o PBIA e outras iniciativas legislativas, como o PL 2338/23, que institui o marco regulatório da IA no país.
1. Estrutura do PBIA e suas ações estratégicas
O PBIA é estruturado em cinco eixos principais, com ênfase em
- Infraestrutura: Destacam-se iniciativas para ampliar o acesso a tecnologias emergentes, como a criação de centros nacionais de pesquisa em IA. Esses centros atuarão como hubs de inovação, conectando universidades, instituições públicas e privadas, e startups. Além disso, o PBIA propõe a modernização da infraestrutura digital no país, incluindo a expansão do acesso à internet de alta velocidade em regiões periféricas, bem como a implementação de data centers sustentáveis. Essas iniciativas visam democratizar o uso da IA, garantindo que setores tradicionalmente excluídos também possam se beneficiar dos avanços tecnológicos.
- Capacitação: Ações voltadas à formação de profissionais especializados, incluindo programas de treinamento em parceria com universidades e instituições privadas. O PBIA prevê a implementação de cursos específicos em inteligência artificial e análise de dados, além de incentivar a criação de centros de excelência em pesquisa aplicada. Esses centros terão como objetivo formar profissionais altamente qualificados para atender às demandas do mercado, incluindo setores como saúde, educação e segurança. Também estão previstos programas de capacitação continuada para profissionais em atividade, garantindo atualização constante em relação às novas tecnologias e legislações pertinentes.
- Serviços públicos: O uso de IA em áreas como saúde e educação destaca-se pela implementação de tecnologias voltadas à melhoria da eficiência e da qualidade dos serviços prestados à população. Na saúde, estão previstos sistemas de diagnóstico assistido por IA, capazes de analisar exames com rapidez e precisão, além de plataformas para monitoramento remoto de pacientes, especialmente em regiões com baixa densidade de profissionais de saúde. Na educação, a IA será usada para criar plataformas de aprendizagem personalizadas, adaptando conteúdos ao ritmo e às necessidades de cada estudante. Além disso, a automação de processos administrativos, como agendamento de consultas e gestão de matrículas, promete otimizar recursos e reduzir burocracias, permitindo maior foco nas atividades-fim.
- Inovação empresarial: Criação de incentivos fiscais e fundos para startups focadas em soluções tecnológicas. O PBIA prevê um ecossistema integrado que conecta startups a investidores e instituições de pesquisa, promovendo a colaboração em projetos de alto impacto social e econômico. Além disso, incentivos incluem a desburocratização de processos de registro e regulação para empresas inovadoras, bem como o acesso facilitado a linhas de crédito especiais. Outra medida importante é a criação de plataformas digitais para incubadoras e aceleradoras, oferecendo suporte técnico, jurídico e financeiro para a consolidação de soluções tecnológicas.
- Regulação: O PBIA reforça a importância de um marco regulatório robusto para assegurar o uso ético e seguro da IA. Nesse contexto, destaca-se a necessidade de implementar mecanismos claros de supervisão e fiscalização, que garantam a transparência e a responsabilidade na utilização de sistemas de IA. Além disso, o plano enfatiza a relevância da criação de diretrizes específicas para categorizar riscos associados a diferentes aplicações tecnológicas, garantindo a proteção de direitos fundamentais, como privacidade e não discriminação. Outro ponto central é o alinhamento das regulamentações nacionais às normas internacionais, permitindo uma integração mais efetiva do Brasil ao cenário global de governança em IA.
O art. 38 do PBIA estabelece diretrizes específicas para a adoção de sandboxes regulatórios, que permitem o teste de soluções inovadoras em ambientes controlados. Essa iniciativa é essencial para mitigar riscos e fomentar a inovação com segurança jurídica.
2. Integração com o marco regulátorio da IA no Brasil
O PBIA complementa o PL 2338/23, que estabelece as bases regulatórias para o uso da IA no país. Essa sinergia é fundamental para alinhar políticas públicas e criar um ecossistema favorável à inovação.
Principais pontos de conexão:
- Proteção de dados: Ambos os instrumentos destacam a necessidade de conformidade com a LGPD, garantindo a privacidade e a segurança dos titulares de dados. A LGPD, como um pilar fundamental para regulação da IA, estabelece princípios como transparência, finalidade e segurança, que devem ser observados em todas as aplicações de IA previstas no PBIA. Além disso, o plano incentiva a adoção de soluções tecnológicas que garantam a anonimização de dados sensíveis e a implementação de auditorias regulares para monitorar a conformidade legal. Essa abordagem também visa fortalecer a confiança dos cidadãos no uso de IA, promovendo um equilíbrio entre inovação e proteção de direitos fundamentais.
- Classificação de riscos: O PBIA apoia a implementação de categorias de risco para sistemas de IA, seguindo exemplos internacionais, como o EU AI Act. Essas categorias permitem diferenciar aplicações de IA com base no potencial impacto à sociedade, classificando-as em baixo, médio e alto risco. Por exemplo, sistemas de diagnóstico médico seriam categorizados como alto risco, exigindo maior supervisão e conformidade regulatória. O PBIA também prevê a criação de mecanismos de avaliação de risco em tempo real, utilizando soluções baseadas em IA para monitorar a segurança e eficiência dessas tecnologias. Essa abordagem busca garantir que as aplicações de IA sejam desenvolvidas e utilizadas de maneira ética e responsável, minimizando impactos negativos.
- Inclusão social: A priorização de soluções voltadas para comunidades vulneráveis reflete o compromisso do Brasil com a redução das desigualdades. Entre as iniciativas destacam-se projetos de acessibilidade tecnológica que utilizam IA para promover a inclusão de pessoas com deficiência, garantindo acesso a serviços públicos e educação personalizada. Além disso, o PBIA prevê o uso de IA em programas sociais, como a identificação automatizada de grupos em situação de vulnerabilidade, otimizando a alocação de recursos. Essa abordagem busca não apenas minimizar as desigualdades existentes, mas também criar oportunidades para que comunidades desfavorecidas participem do ecossistema tecnológico, promovendo desenvolvimento inclusivo e equitativo.
3. Comparativos internacionais e boas práticas
O PBIA inspira-se em modelos de sucesso, como o EU AI Act, que prioriza a transparência e a responsabilidade no uso de IA. Contudo, a realidade brasileira exige adaptações para enfrentar desafios específicos, como desigualdade de acesso à tecnologia e limitações de infraestrutura.
Exemplo: Na União Europeia, sandboxes regulatórios têm sido usados para testar soluções em áreas sensíveis, como saúde e segurança. O Brasil pode adotar medidas similares, com ênfase em setores prioritários definidos no PBIA.
O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial 2024-2028 representa um marco estratégico para o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Contudo, sua implementação requer uma abordagem integrada, que alinhe inovação tecnológica, regulação ética e inclusão social. A sinergia entre o PBIA e o marco regulatório de IA é essencial para garantir a segurança jurídica e fomentar um ecossistema de inovação responsável.
Para o futuro, é imprescindível:
- Fortalecer a infraestrutura: Investir em tecnologia e conectividade para ampliar o acesso às soluções de IA. Isso inclui a ampliação da cobertura de internet de alta velocidade em regiões remotas, a modernização de data centers para comportar tecnologias de IA de maneira segura e eficiente, e a criação de hubs tecnológicos regionais que funcionem como centros de inovação e capacitação. Além disso, o PBIA enfatiza a necessidade de investimentos públicos e privados em infraestrutura de ponta, como redes 5G e tecnologias de computação em nuvem, essenciais para suportar a expansão das aplicações de IA no país. O objetivo é garantir que tanto setores urbanos quanto rurais tenham acesso equitativo aos benefícios da inteligência artificial.
- Promover a capacitação: Criar programas abrangentes de treinamento para formar uma força de trabalho preparada. Essa capacitação deve incluir tanto habilidades técnicas, como análise de dados e desenvolvimento de algoritmos, quanto competências éticas e legais relacionadas ao uso da inteligência artificial. Além disso, é essencial integrar o aprendizado de temas como segurança cibernética, proteção de dados e impacto social das tecnologias. O PBIA propõe parcerias com instituições educacionais para criar programas de educação continuada e capacitar profissionais em todos os níveis de formação, assegurando que a mão de obra nacional esteja apta a atender às demandas de um mercado altamente competitivo e tecnológico.
- Incentivar a colaboração internacional: Aprender com experiências globais e adaptar boas práticas ao contexto brasileiro. Essa colaboração deve incluir a participação em consórcios internacionais de pesquisa em inteligência artificial, permitindo que o Brasil tenha acesso às mais recentes inovações tecnológicas e boas práticas regulatórias. Além disso, o PBIA incentiva a assinatura de acordos bilaterais e multilaterais com outros países, visando o intercâmbio de conhecimento e a promoção de parcerias público-privadas que fortaleçam o ecossistema de IA. Também é essencial que o Brasil participe ativamente de discussões globais sobre ética e governança da IA, contribuindo para a formulação de normas internacionais que reflitam os interesses e as necessidades locais.
O PBIA tem o potencial de consolidar o Brasil como uma referência global em inteligência artificial, mas seu sucesso depende de uma implementação eficaz e de uma governança jurídica robusta.
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1 BRASIL. Plano Brasileiro de Inteligência Artificial 2024-2028. Disponível em: http://www.gov.br. Acesso em: 18 dez. 2024
Fonte: Migalhas
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