A reforma tributária e o IBS prometem simplificação, mas ampliam a carga tributária e o poder estatal. A análise de Bastiat alerta para alguns efeitos ocultos
Frédéric Bastiat, economista francês do século XIX, é amplamente conhecido por sua alegoria sobre “O que se vê e o que não se vê”, um conceito que permanece relevante ao se analisar políticas econômicas modernas, como a reforma tributária brasileira e a implementação do IBS – Imposto sobre Bens e Serviços. Bastiat argumenta que as políticas públicas frequentemente apresentam efeitos visíveis que são facilmente percebidos pelo público, mas ocultam consequências não intencionais que podem ser igualmente, ou até mais, impactantes. Este princípio nos convida a olhar além do imediato e a considerar as implicações de longo prazo e menos aparentes das decisões políticas.
No contexto da recente reforma tributária no Brasil, o IBS é frequentemente defendido como um “imposto sobre o valor agregado” (o que se vê), sendo aclamado como uma medida de modernização do sistema tributário, que visa simplificar a cobrança e evitar a cumulatividade dos tributos. A reforma é apresentada como uma resposta às complexidades e ineficiências do atual sistema tributário, oferecendo uma promessa de maior transparência e eficiência econômica.
Contudo, ao aplicar a alegoria de Bastiat, devemos questionar o que não se vê nessa nova estrutura tributária. Embora o IBS seja promovido como um imposto sobre o valor agregado, sua base de incidência não se limita às operações comerciais que efetivamente agregam valor aos bens e serviços. Ao contrário, o imposto abrange uma ampla gama de operações envolvendo bens e serviços, independentemente do valor adicionado, o que amplia significativamente a matriz de incidência tributária.
Essa ampliação pode parecer benigna ou até vantajosa à primeira vista, mas, conforme sugere Bastiat, o impacto menos visível dessa mudança pode ser uma crescente violação à liberdade individual e privada. Ao expandir a base de incidência, o Estado aumenta seu poder arrecadatório, o que, na prática, pode significar uma maior intervenção estatal na economia e na vida dos cidadãos. Esse fortalecimento dos cofres públicos, embora justificado como necessário para financiar políticas públicas, pode também restringir a liberdade econômica dos indivíduos e empresas, ao impor uma carga tributária mais pesada e onerar o consumo de bens e serviços essenciais.
Além disso, juridicamente, velhos problemas de interpretação de normas tributárias (por exemplo, o que envolve o conceito de “operação”, “circulação”, e “mercadorias”, no caso do ICMS), podem voltar à tona ao se tratar de IBS, posto que o PLP 68/24 que regulamenta o novo imposto volta a utilizar o termo “operação” por várias vezes. O termo “operação” terá a mesma delimitação semântica que lhe foi dada anteriormente para o caso pacificado pelas Cortes Superiores quando se deparam com as “operações de ICMS”?
Portanto, enquanto os defensores do IBS apontam os benefícios visíveis – a simplificação e modernização do sistema tributário -, a análise sob a ótica de Bastiat nos alerta para os efeitos invisíveis ou não intencionais. A expansão da base tributária pode resultar em uma maior concentração de poder nas mãos do Estado, com potenciais consequências negativas para a liberdade econômica e individual, aliado a um previsível aumento do contencioso tributário brasileiro.
Assim, ao considerar a implementação de novas políticas, como a reforma tributária, é relevante que tanto os legisladores nacionais quanto o próprio público em geral que sofrerá os efeitos da nova matriz tributária levem em conta não apenas os benefícios aparentes, mas também os custos ocultos e as possíveis repercussões de longo prazo. O que se vê – um sistema tributário aparentemente mais eficiente – pode mascarar o que não se vê: um aumento na carga tributária que, ao fim, compromete a liberdade e a prosperidade econômica da sociedade, aumentando ainda mais as prateleiras de processos do Poder Judiciário nacional.
Fonte: Migalhas
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