Um braço poderoso anticorrupção e com alta efetividade é o instituto da indisponibilidade de bens com raízes patrimoniais romanas potencializado em 2024 pelo CNJ.

Historicamente, o provimento 39 trouxe a criação da CNIB – Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, que centralizou e modernizou esse processo, permitindo comunicações eletrônicas em tempo real. Isso aumentou a eficiência e a segurança jurídica no registro de indisponibilidades1.

O provimento 188, de 4/12/24, modificou o art. 320 do Código Nacional de Normas; para incluir os arts. 320-A ao 320-N; revogar o provimento 39/14; e estabelecer novas diretrizes para o funcionamento da CNIB – Central Nacional de Indisponibilidade de Bens.

O vocábulo “indisponibilidade”, em sentido jurídico, designa a qualidade do bem que não pode ser alienado ou onerado, ante o encargo ou ônus que lhe foi atribuído2. Seja qual for a hipótese que autorize a indisponibilidade de bens – pela via judicial ou extrajudicial – a natureza é dúplice: acautelatória e inibitória. É acautelatória, pois tem por fim assegurar o resultado prático de não dispor do imóvel enquanto persistir aquela situação jurídica3. Por outro lado, também será inibitória, ante o efeito constitutivo do registro stricto sensu, porquanto provoca a imediata proibição do registro de atos de alienação e oneração prenotados após a averbação da constritiva4.

Conforme dito acima, a disponibilidade é gênero composto por alienar ou gravar (onerar), logo a inalienabilidade, enquanto cláusula, decorre exclusivamente de negócio jurídico gratuito (doação ou testamento), enquanto a indisponibilidade é gravame de origem legal, administrativa ou judicial que objetiva garantir a impossibilidade de ato de disposição ao sujeito jurídico que, em tese, pratica ato improbo ou equiparado5.

Caso algum instrumento de disposição (alienação ou gravame) venham a ser lavrado já averbada a indisponibilidade na matrícula imobiliária, compete ao registrador qualificar negativamente o título (ausência do princípio da disponibilidade) e cancelar a prenotação.

A CNIB é a plataforma digital administrada pelo ONR – Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis, tendo como finalidade precípua o cadastramento e cancelamento de ordens de indisponibilidade de bens específicos ou do patrimônio indistinto. Foi criada pelo Termo de Acordo de Cooperação Técnica 084/10, de 14/6/106, e funciona como ramo da Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados dos Registradores de Imóveis e pode ser utilizada por todos os Tribunais do país, órgãos públicos, Tabeliães de Notas, Oficiais de Registros de Imóveis e outros interessados, abrangendo serventias de todo o território nacional.

Na hipótese de alienações judiciais (arrematações ou adjudicações), pelo provimento 39 – CNJ, remanesciam na matrícula os gravames anteriores sob a figura do cancelamento indireto. Na atual normativa, o próprio juízo expropriante pode terminar o cancelamento direto de constrições oriundas de outros processos, cabendo ao registrador as comunicações respectivas e ao interessado o custeio emolumentar correspondente (art. 320-G).

A inclusão do provimento 39/14 no Código Nacional de Normas (provimento 149/23) da CNJ trouxe nova roupagem aos procedimentos para o cadastramento e acesso às ordens de indisponibilidade, incluindo a necessidade de uso de certificado ICP-Brasil; a possibilidade de consultar os dados de origem das ordens cadastradas em nome do atingido pela restrição, desde que vigentes; e obter relatório circunstanciado, com uso de assinatura eletrônica avançada. Ademais, estabeleceu que todas as ordens de indisponibilidade e cancelamento devem ser encaminhadas exclusivamente por meio da CNIB, proibindo o uso de outros instrumentos (desburocratização).

Além disso, o acesso ao sistema é garantido de forma gratuita para órgãos públicos, notários, registradores e para os próprios interessados, os quais podem consultar os dados referentes às restrições por meio de assinaturas eletrônicas avançadas ou qualificadas. Outros interessados, como entidades de proteção ao crédito, acessam os referidos dados mediante identificação e custeio do serviço.

Notários e registradores devem, obrigatoriamente, consultar o banco de dados da CNIB antes de praticar quaisquer atos de seu mister. Todavia, importa ressaltar que a existência de ordem de indisponibilidade averbada na matrícula não impede a lavratura de escritura pública. Compete ao tabelião de notas informar as partes envolvidas acerca dessa situação antes da confecção ato notarial (art. 320-F, parágrafo único).

A retificação administrativa e outras operações relacionadas a imóveis com o referido gravame averbado, bem como a necessidade de comunicação imediata à autoridade ordenadora após a averbação do gravame, foram medidas relevantes incluídas no cumprimento das ordens pelos oficiais de registro, cujo intuito é conferir eficiência e celeridade ao procedimento.

As novas normas detalham situações que não eram abordadas de forma tão minuciosa no provimento 39 de 2014 da CN-CNJ, como: i) o poder da autoridade judicial de determinar o cancelamento da indisponibilidade ordenará também o cancelamento dos demais gravames, imputando para o requerente os respectivos emolumentos (art. 320-S); ii) a indisponibilidade será transportada para as matrículas abertas e comunicada à autoridade ordenadora (art. 320-H, caput e §1º); iii) os titulares de direitos reais poderão escolher quais imóveis devem ser, preferencialmente, afetados por futuras ordens de indisponibilidade, conforme manual operacional do ONR (art. 320-K); e iv) o acesso por entidades e pelo interessado é gratuito. Todavia, os terceiros e as entidades de proteção ao crédito deverão se identificar e arcar com custos específicos previstos nas leis estaduais de emolumentos (art. 320-B, § 1º).

Os titulares de direitos reais sobre bens imóveis podem eleger bens de seu patrimônio sobre os quais devam recair, preferencialmente, uma ordem de indisponibilidade, formando uma base indicativa disponível para consulta no momento do cadastramento do gravame. A indicação tornar-se-á sem efeito com sua revogação ou com a alteração do proprietário ou titular de direito, salvo se decorrer de constituição de propriedade resolúvel por alienação fiduciária em garantia; e não vincula os órgãos do Poder Judiciário ou autoridades administrativas, que poderão determinar a indisponibilidade de bens imóveis não integrantes daquela base indicativa.

A norma também enfatiza a importância da interoperabilidade, usabilidade7 e dos aspectos técnicos do sistema, consectários que seguem a transformação digital dos registros públicos e dos serviços notariais com a SERP, o e-notariado e a CENPROT.

No Registro de Imóveis, a ordem de indisponibilidade pode ser aplicada de duas formas: de maneira genérica ou direcionada a um imóvel específico. Geralmente, a indisponibilidade genérica atinge todos ou alguns bens do devedor, discriminados pelo juiz – sejam imóveis, veículos, ações, joias etc – restringindo sua alienação e oneração. Assim, a totalidade do patrimônio fica comprometida, independentemente de sua individualização, podendo, porém, sofrer restrição. Nesse cenário, a medida não interfere na qualificação dos títulos que foram prenotados previamente, em conformidade com o princípio da prioridade. É por esse motivo, aliás, que o oficial conclui a análise dos títulos já em curso na serventia utilizando um número de protocolo anterior ao da ordem judicial que restringe genericamente os bens.

No sistema atual do provimento 188/24 da CN-CNJ, a restrição de bens foi modernizada e centralizada por meio da CNIB 2.0, gerida pelo ONR. Como já antecipado, as medidas podem ser impostas de duas formas: de maneira genérica, afetando indistintamente todo o patrimônio do devedor ou parte dele, ou de forma específica, incidindo sobre um bem individualizado.

No caso da indisponibilidade genérica, que abrange todos os bens ou parte deles, é cadastrada na CNIB utilizando o CPF ou CNPJ, o que diminui o risco de homonímia e assegura a identificação correta do sujeito. Os oficiais de registro devem consultar o sistema diariamente para localizar e prenotar, com a devida averbação na matrícula ou transcrição, os bens que já constam na serventia.

Se, contudo, os bens não forem localizados no órgão de registro, a restrição permanece ativa no banco de dados da CNIB, de modo que, ao ser apresentado posteriormente um título aquisitivo, o oficial promoverá a averbação da medida de forma automática e comunicará essa atualização à autoridade ordenadora.

Em contraste, na hipótese de indisponibilidade de imóvel específico, que impacta apenas o bem individualizado, deverá o oficial cadastrar a ordem judicial na Central e vincular imediatamente à matrícula do mesmo, utilizando os mecanismos de autenticação digital oferecidos pelo certificado ICP-Brasil. Esse processo integralmente digital garante que a averbação ocorra de forma imediata, com a comunicação em tempo real à autoridade que determinou a medida, inclusive nas situações de contratos com alienação fiduciária ou negociações complexas.

Anteriormente, não existia a integração da indisponibilidade na CNIB, que deveria ser efetivada por meio de ofícios diretamente para os registradores imobiliários. Dessa forma, a centralização e modernização dos procedimentos pela CNIB não só uniformizam e simplificam o cadastramento, o controle e a atualização das ordens de indisponibilidade, como também promovem maior segurança jurídica, transparência e eficiência em todo o processo de registro e averbação dos atos judiciais.

Em regra, as obrigações dos oficiais de registro de imóveis foram mantidas, e outras foram incluídas. De modo geral, os registradores devem: i) consultar diariamente a CNIB – Central Nacional de Indisponibilidade de Bens e prenotar as ordens de indisponibilidade específicas relativas aos imóveis matriculados em suas serventias; ii) lançar as indisponibilidades sobre o patrimônio indistinto na base de dados utilizada para o controle da tramitação de títulos representativos de direitos contraditórios; iii) averbar a indisponibilidade na matrícula ou transcrição do imóvel, caso verifiquem a existência de bens no nome cadastrado; iv) encaminhar certidão ao atual registrador, acompanhada de comunicado sobre a ordem de indisponibilidade, se o imóvel houver sido transferido a outra circunscrição de registro de imóveis; v) promover a averbação da indisponibilidade imediatamente após o registro do título aquisitivo na matrícula, em caso de aquisição de imóvel por pessoa onerada pelo referido gravame; vi) comunicar à autoridade ordenadora a efetivação da averbação da indisponibilidade na matrícula ou transcrição do imóvel; e vii) averbar o cancelamento da ordem de indisponibilidade cadastrada na CNIB, independentemente de mandado judicial, desde que pagos os emolumentos, quando cabíveis (art. 320-J).

As obrigações imputadas ao registrador visam garantir a correta administração e publicidade das ordens de indisponibilidade de bens. Portanto, os efeitos jurídicos decorrentes do ato registral incluem a superveniência de ordem de indisponibilidade e impede o registro de títulos, mesmo que anteriormente prenotados, salvo se houver previsão em contrário na ordem judicial.

Outrossim, a aquisição de imóvel por pessoa cujos bens foram atingidos por ordem de indisponibilidade, exige que o oficial de registro de imóveis promova a averbação da mesma imediatamente após o registro do título aquisitivo na matrícula, independentemente de prévia consulta ao novo titular. Após a averbação do gravame na matrícula ou transcrição do imóvel, o registrador deve comunicar à autoridade ordenadora a sua efetivação.

Por outro lado, quando não são localizados bens na serventia, a restrição permanece ativa na CNIB. Assim, se posteriormente um título de aquisição for apresentado, o oficial procederá, de forma automática, à averbação da indisponibilidade no momento do registro, comunicando a atualização à autoridade ordenadora.

Nos casos de retificação administrativa, unificação, desdobro, desmembramento, divisão, estremação, ou REURB de imóvel com indisponibilidade averbada, o gravame será transportado para as novas matrículas abertas a fim de dar efetividade a constrição como já mencionado.

Por fim, as mudanças impactarão diretamente o modo como as ordens de indisponibilidade são cadastradas, controladas e canceladas, proporcionando maior uniformidade, segurança jurídica e transparência no âmbito dos registros públicos e dos serviços extrajudiciais.

A transição para o CNIB moderniza todo o sistema de indisponibilidade de bens, proporcionando uma única fonte de informações, em contraste com o sistema anterior fragmentado em diversos registros. O uso obrigatório de certificados digitais e autenticações reforça a segurança dos procedimentos e solidifica a confiança no sistema. A nova norma concede ao próprio interessado a possibilidade de consulta detalhada e gratuita, algo que não estava previamente configurado. Questões operacionais, desde a identificação correta dos sujeitos aos procedimentos para cancelamento e atualização diária, foram detalhadas de forma a reduzir riscos e aumentar a eficiência do sistema.

A CNIB centralizará as atividades dos notários e registradores de imóveis, garantindo a efetividade das decisões e a eticidade na atuação nos Tabelionatos de Notas e Registro de Imóveis, para a tutela difusa contra a improbidade administrativa e garantir a satisfação do crédito. A medida, em última análise, gera pacificação social implicando em credibilidade na atuação de notários e registradores definitivamente inseridos na tutela metaindividual.

Portanto, tendo em vista que o objetivo é justamente a manutenção da eticidade (art. 37, CF), o resultado prático que se vislumbra é que os sujeitos que praticam atos ímprobos tenham efetivamente a sua responsabilidade patrimonial estabelecida, sendo os tabeliães e oficiais de registro peças fundamentais capazes de efetivar o adimplemento da obrigação garantindo a referida lisura ao sistema.

Sejam felizes!

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1 Cf. SÉRGIO JACOMINO, Indisponibilidade de bens no Registro de Imóveis – Partes I e II, São Paulo, Observatório do Registro, 2024, Disponível: Parte I: https://wp.me/p6rdW-3BS; Parte II: https://wp.me/p6rdW-3Cz.

2 Cf. O.J. DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, 32ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2016, p. 2.476.

3 O entendimento o Superior Tribunal de Justiça “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MEDIDA CAUTELAR. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. NATUREZA JURÍDICA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. PROCEDIMENTO ESPECÍFICO SOMENTE APLICÁVEL AO PROCESSO PRINCIPAL. LIMITES DA CONSTRIÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (…). 2. É notória a existência do procedimento específico da ação civil de improbidade administrativa, previsto no art. 17 e parágrafos da Lei 8.429/92, especificamente a fase preliminar de defesa prévia que antecede o recebimento da petição inicial da referida ação. Entretanto, a possibilidade de indisponibilidade de bens não está condicionada ao recebimento da exordial, tampouco à prévia manifestação dos réus. Ademais, é manifesta a conclusão no sentido de que a referida fase preliminar somente é aplicável à “ação principal”, no caso específico a ação civil por improbidade administrativa, mas inexigível em medida cautelar preparatória. 3. A natureza jurídica da indisponibilidade de bens prevista na Lei de Improbidade Administrativa é manifestamente acautelatória, pois visa assegurar o resultado prático de eventual ressarcimento ao erário causado pelo ato de improbidade administrativa. Assim, o pedido pode ser formulado incidentalmente na ação civil de improbidade administrativa ou medida cautelar preparatória, e deferido, mediante a presença dos requisitos autorizadores, antes mesmo da notificação do réu para a apresentação de defesa prévia. 4. A decretação de indisponibilidade de bens em decorrência da apuração de atos de improbidade administrativa deve observar o teor do art. 7º, parágrafo único, da Lei 8.429/92, limitando se a constrição aos bens necessários ao ressarcimento integral do dano, ainda que adquiridos anteriormente ao suposto ato de improbidade. 5. Provimento do recurso especial. (STJ, REsp nº 1.040.254/CE, Primeira Turma, Rel. Min. Denise Arruda, j. 15/12/2009, DJe 02/02/2010)”.

4 VITOR FREDERICO KÜMPEL e CARLA MODINA FERRARI, Tratado Notarial e Registral – Registro de Imóveis, vol. V, t. II, São Paulo, YK, 2020, pp. 2843-2844.

5 EDUARDO PACHECO RIBEIRO DE SOUZA, Noções Fundamentais de Direito Registral e Notarial, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109-110.

6 Publicado no DJ-e n. 110, página 9, de 18/6/2010

7 Para os autores do texto, a palavra era tida por inexistente, no entanto, de acordo com a definição apresentada pela Inteligência Artificial do Google, a expressão designa a “facilidade com que um usuário interage com um produto ou sistema”, tendo como característica a eficiência na realização da tarefa (gerada por Google. Usabilidade. Disponível em: https://www.google.com/?hl=pt-BR, gerada em 17.03.2025).

Fonte: Migalhas

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