A renovação judicial de contratos de locação não residenciais (comerciais) é um tema de significativa relevância no mercado imobiliário. A complexidade jurídica inerente a esses contratos nem sempre se limita à fixação dos valores de aluguel ou ao prazo contratual. Questões relacionadas à garantia podem colocar em xeque a própria renovação contratual, como recentemente demonstrado em sentença proferida pela 18ª Vara Cível de Brasília, processo que tramita sob o nº 0748509-43.2023.8.07.0001.
No caso em questão, uma empresa locatária de loja em shopping center propôs demanda renovatória, apresentando entre seus pedidos a substituição dos fiadores originários do contrato, pessoas físicas, por empresa pertencente ao mesmo grupo econômico, a holding da empresa locatária. A proposta, entretanto, foi alvo de contestação pelas locadoras (empreendedoras de shopping center).
Ao decidir o caso, o juízo julgou improcedente o pedido de renovação contratual, sob o fundamento de ausência de apresentação de fiador apto a garantir a locação, conforme exigido pelo artigo 71, inciso V, da Lei 8.245/1991. A sentença destacou, na esteira do argumentado na defesa, que admitir uma empresa pertencente ao mesmo grupo econômico da locatária como fiadora do contrato descaracterizaria a essência do instituto da fiança, cuja função precípua é assegurar, com base em patrimônio distinto e independente, o adimplemento das obrigações assumidas pelo locatário.
Esse entendimento judicial reforça a importância dos deveres anexos à boa-fé nos contratos (artigo 422 do Código Civil). A figura do fiador, enquanto garantidor da obrigação, não pode ser reduzida a uma formalidade simbólica, desvinculada de sua função prática. O legislador, ao exigir uma garantia sólida em contratos de locação, buscou preservar a segurança jurídica nas relações comerciais, protegendo não apenas os locadores, mas também a estabilidade do mercado locatício como um todo [1].
Garantia de terceiro
O instituto da fiança possui raízes históricas que evidenciam sua importância na proteção dos credores, sendo caracterizado por uma garantia pessoal de terceiro com patrimônio diverso do devedor principal [2]. Aceitar a indicação de empresas vinculadas ao mesmo grupo econômico comprometeria a finalidade dessa garantia, que exige independência patrimonial para se tornar efetiva.
Independentemente da complexidade dos arranjos societários, a premissa contratual permanece inalterada: a fiança precisa representar uma verdadeira segurança para o locador. Como destacou a sentença, “se houver uma crise econômica, todas as citadas empresas podem ser afetadas e, assim, estariam impossibilitadas de cumprir as obrigações inerentes a esse contrato. É dizer: a saúde patrimonial de uma empresa está intimamente relacionada a outra”.
O caso analisado lança luz sobre uma prática que, se admitida, poderia gerar insegurança jurídica em negociações comerciais. Embora o dinamismo do mercado possa levar empresas a buscarem soluções criativas para a celebração/alteração de contratos, é essencial que a integridade dos institutos jurídicos seja preservada, garantindo a solidez e a previsibilidade nas relações comerciais.
[1] A Lei do Inquilinato Comentada: artigo por artigo / Silvio Capanema de Souza. – 11. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. Pag. 185.
[2] Direito Civil Brasileiro 3: Contratos de Atos Unilaterais / Carlos Roberto Gonçalves. – 19. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. Pág. 599.
Fonte: Conjur
Deixe um comentário